Isto chama-se carta aberta porque agora está na moda fazer isso, quando no entanto são apenas textos colocados na net. Um dia disseram-me "Não ires votar é como ires a um restaurante e dizeres que comes o que te puserem na mesa e vem um prato de sardinhas e tu refilas a dizer que não gostas. Se não expressaste a tua opinião não te podes queixar!!!". Eu pensei naquilo, parecia um bom argumento durante 2 segundos, depois vi que era idiotice e disse "Não... Ir votar é ir ao restaurante e pedir febras, mas ter que comer sardinhas porque vocês decidiram por mim em maioria. Não ir votar é ficar em casa e dizer que bem vos tinha avisado que aquele restaurante era uma merda". A meu ver ganhei a discussão.
Pois é, eu não fui votar. Aliás, em 12 anos em que estou por lei apto a votar só o fui fazer uma vez, no referendo do aborto, em todas as outras fiquei em casa, ou noutro sítio qualquer, a fazer coisas mais interessantes. Primeiro que tudo, para mim a abstenção tem várias razões de ser: a primeira e maioria, é de pessoal que se está a cagar, que refila por tudo e por nada e que não faz a mínima ideia do que se passa no país, a não ser os bitaites que vai ouvindo no café; a segunda é o pessoal que é preguiçoso, até tem inclinação política mas fez sol e tal e decidiu ir para a praia ou passear na marginal; o terceiro, onde eu me insiro, são aqueles que acham que votar não serve para nada. Normalmente quem diz mal do pessoal que se absteve é aquele pessoal que acha que apenas ir votar é ser um bom cidadão. "Eu fujo aos impostos mas fui votar!".
Mas vamos por partes e entremos aqui por questões filosóficas profundas, só para eu vos baralhar e vocês pensarem "Sim senhor este gajo até é esperto". Se eu olhar do ponto de vista pessoal, o meu voto não vale realmente nada. Nunca vi nenhuma eleição ser perdida ou ganha por um voto. O meu voto, como entidade individual não muda e não serve realmente de nada. O que pode fazer a diferença é o somatório dos votos. Portanto o meu voto por si não serve de nada. "Mas se toda a gente pensar assim...", dizem alguns. Pois, mas o que os outros pensam não me interessa muito. Eu não votar, ou votar, ou em quem voto ou deixo de o fazer é uma decisão minha e intrínseca às minhas convicções, é exclusiva de todos os outros votos e por isso esse argumento é teoricamente válido mas no fundo o que interessa é que o MEU voto não interessa para nada. Baralhados? Ainda bem. Mas mais do que não servir de nada em termos individuais, o voto da maioria também parece que não. Quem vota não se queixa que estamos sempre na mesma? Nunca ouvi ninguém dizer "Epáh, sim senhor, desta vez é que acertámos!" Nunca. Por isso aparentemente o voto não serve realmente para nada, pelo menos há 40 anos que não tem servido. A estas questões metafísicas acresce o facto de ao votares elegeres normalmente um gajo, que por sua vez vai colocar dezenas de outros gajos, em quem tu não votaste, a mexer realmente nas coisas e tomar medidas e essas merdas todas que eles dizem que fazem. Não fosse isso o suficiente para o acto de votar ser uma fantochada, ainda temos o detalhe de que quem manda nisto tudo não é nenhum desses gajos. Não digo que alguns não possam fazer algumas diferenças mas o que é certo é que as coisas importantes não são decididas na esfera política visível. Quem mexe os cordelinhos a sério são uma série de outros gajos que estão na sua poltrona e nessa ninguém tem voto. E não é conspiração nem nenhuma dessas merdas, é o que é. Como diria o George Carlin "Este país já foi comprado e vendido há muito tempo atrás". No dia em que aparecer lá um político cheio de ideias novas e revolucionárias que apertem os calos aos senhores do dinheiro e da influência, esse político ou vai ser corrompido, ou morto politicamente (ou até literalmente). É só olhar a história, de Portugal e do mundo.
Votar é um direito e não uma obrigação como nos tentam impingir. Como direito que me assiste posso optar por não o exercer e ninguém tem nada a ver com isso. Eu não me sigo por partidos nem por cores, isso são os bois (ou boys), eu voto em pessoas mas, infelizmente, nunca lá apareceu nenhuma a encabeçar uma lista que me excitasse ao ponto de me fazer sair de casa para lhe enfiar uma cruzinha no quadrado. Nem um. Nem uma meia casa. Nem uma comichãozita sequer. Por isso ir votar branco ou nulo era a mesma merda. Eles dizem que não é porque não dá jeito que seja. Dá mais jeito insultar todos os que se abstém e colocá-los todos no mesmo saco. Dá mais jeito dizer que são desinformados e desligados do que interessa. Dá mais jeito reduzir todos a escumalha da sociedade causadora de todos os males. Parece que o problema de Portugal não são os que estão no poleiro e não fazem nada, são os que não vão votar, sendo que a maioria não vota porque vê que quem lá está não faz um caralho. Políticos que tiveram oportunidade de mudar as coissa e falarem mal da abstenção era dar-lhes duas chapadas na tromba, já que a meu ver engajarem a população em termos de consciência política e social devia ser parte das suas competências. A culpa da abstenção só porque sim é deles. A abstenção que é amiga deles e lhes dá jeito, se não o voto já era electrónico há muito tempo.
Eu acho que devíamos todos votar, e para mim era tipo casa dos segredos, iam sendo eliminados para render o peixe e ainda se fazia dinheiro nas chamadas de valor acrescentado. No fundo é a isso que se resumem as eleições hoje em dia. Um circo mediático de pseudo importantes, com pseudo comentadores em busca das maiores audiências e tiragens de jornais. É tudo uma palhaçada mas os palhaços somos nós. Somos gozados, explorados, roubados e no fim ainda dizem que a culpa é nossa. Ou é de todos, e já dizia o José Mário Branco, quando a culpa é de todos não é de ninguém. Parece que eu que não voto sou mais culpado pelas contas públicas do que o Passos Coelho ou o Sócrates.
Eu nem me costumo queixar muito dos políticos. Acho que são 99% uma cambada de filhos da puta mas isso é o que eu acho de toda a gente. Eu queixo-me de pessoas no geral, e os políticos embora não pareçam, enquadram-se nessa categoria. Sou mais capaz de criticar o zé povinho desmiolado e que vai votar em quem lhe deu o boné mais bonito na feira, ou que vota no partido que tem a sigla mais fácil de pronunciar. Queixo-me mais desses do que dos políticos em si, embora a culpa de termos uma população maioritariamente sem formação nem educação seja deles. É uma pescadinha de rabo na boca em que somos nós que levamos com a merda. Mas mesmo que me queixe, e queixo de muita coisa, estou no meu direito. Pago impostos, contribuo para a sociedade, tenho toda a legitimidade para barafustar. Quem vota nos que lá estão, ou já estiveram é que poucas razões tem para o fazer. Aliás, devia ficar no cadastro essa merda. "Ai o senhor votou PSD... então ao seu IRS vai acrescer uma taxa extra de 5% que é para não ser parvo". Assim sim, a democracia era bonita. Agora como está... uma democracia sem educação não é livre. Uma democracia em que são sempre os mesmos, em que é nos media que se contam os votos, em que quem tem mais dinheiro e tempo de antena é que ganha... Isso não é democracia, é uma ditadura das massas ignorantes. A democracia é o menos mau dos sistemas políticos dizem, mas eu cá sou a favor da ditadura, desde que o ditador tivesse bom senso. Um gajo porreiro que sabe o que é bom e o que é mau. Que sabe que há pessoas que são umas abéculas e que não deviam ter poder de decisão em nada. Que há pessoas que têm que ser controladas e encaminhadas. Infelizmente o poder corrompe e o ditador só teria bom senso até deixar de o ter. Mas vejo por aí tanto anormal, que saber que o meu voto vale tanto como os deles ainda me tira mais a vontade de ir às urnas. O que vale é que no fundo no fundo, nenhum dos nossos votos vale nada e isso apazigua-me a alma.
Sabem o que vale mais do que o voto e que faz mais diferença? Dizer bom dia com um sorriso às pessoas que contactamos no dia à dia. Isso é que pode mudar as coisas. Dar um real sentido de que somos todos partes integrantes da mesma consciência humana e não apenas política. Se calhar isso, talvez fizesse com que as coisas fossem melhorando pouco a pouco e que um dia, até mesmo os que estão lá em cima, nos cargos mais altos, se lembrassem de que o sorriso dos outros é o mais importante. É como reciclar, começar a ensinar os pequenos para que no futuro continuem a separar o lixo mesmo sendo donos de multinacionais. Foda-se que este parágrafo foi profundo. Até vou beber um copo de água para recuperar.
Para finalizar, tenho a consciência tranquila que exerci o meu dever de cidadão tão bem como todos os que foram votar, com a benesse que não elegi os mesmos atrasados mentais que vivem à custa do sistema. Não gosto é que me chamem nomes em todas as sondagens e comentários. Há abstenção e abstenção, por isso senhores da razão e consciência social, humana e política, podeis ir para o caralho sim?
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