Às vezes, tenho saudades dos tempos em que era estudante, mas, depois, faço uma massa com atum para o jantar e passa-me. Mais do que as competências técnicas que adquiri na vida de estudante universitário, sinto que foi tudo o que não era relacionado com a matéria que me preparou para o mundo e para a vida.
Aceitar-me como sou
Quantas vezes não disse a mim mesmo «Para o próximo exame é que vou estudar ali que nem um herói. Duas semanas inteiras!» e depois olhei para o calendário e apercebi-me que só faltavam três dias. Três dias inteiros, bem aproveitados, ainda dava com fartura para ir bem preparado, pensei, optimista. Primeiro dia, planear o estudo que a organização é muito importante; segundo dia, imprimir exames de anos anteriores e ir comprar um caderno novo para fazer apontamentos, coisa que demorava três horas porque havia aquele dilema sobre folhas lisas, pautadas ou quadriculadas. Pausa para lanchar. Entretanto, convidam-me para ir tomar café que se transforma em dez cervejas até as quatro da madrugada. Acordo no dia seguinte, já depois do meio-dia, comer o resto da massa com atum, jogar um joguinho de PC enquanto a ressaca passa e é tempo de começar a estudar. Estudo uma hora e depois tento resolver uns exames de anos anteriores e percebo que só sei dar a resposta certa à parte do nome e número de aluno. São oito da noite e é altura de ir fazer um litro de café porque vai ter de ser de directa. Oito horas focado a estudar, apenas interrompidas para me meter em posição fetal na cama com o despertador para daí a cinco minutos não fosse adormecer durante o choro. Vou para o exame sempre com o sentimento de «Era mais um dia, foda-se. Mais um dia e eu até ia bem preparado. É sempre a mesma coisa. Sou mesmo burro!». Ser estudante ensinou-me que somos como somos e há coisas que não podemos mudar. Aliás, diz-se, agora, que os trabalhadores preguiçosos são dos mais importantes que uma empresa pode ter, pois devido à sua falta de vontade de trabalhar, são os que resolvem os problemas de formas mais criativas, descobrindo atalhos que os mais aplicados nunca encontrariam. Por isso, um grande bem-haja para todos nós, procrastinadores e preguiçosos deste mundo.
Tomar decisões difíceis
Uma das coisas que aprendi como estudante foi que era importante saber quando desistir. Por vezes, corremos atrás da perfeição e acabamos por não terminar nada e somos eternamente daquelas pessoas que têm sempre "projectos" que nunca vêem a luz do dia. "Ando aí com um projecto" é a frase preferida do pessoal que nunca leva nada até ao fim. Estudar ensinou-me a tomar aquela decisão difícil de "Esta cadeira... para mim se calhar já chega. Deixo para o ano". É como terminar um namoro: custa, temos dúvidas, mas quando, finalmente, proferimos aquelas palavras "É melhor ficarmos só amigos" tudo fica melhor. Sai-nos um peso de cima e renascemos. Quando deixei para trás, logo no início do semestre e sem ter ido a nenhuma aula, Análise e Síntese de Algoritmos, senti-me dez quilos mais leve. Uma sensação única que me ensinou que na vida, às vezes é preciso largar as coisas e não pensar mais nisso.
O que interessa é participar
As horas que antecedem um exame são angustiantes, especialmente quando vamos mal preparados, o que é em quase todos. O exame chega, preenchemos o nome ainda sem olhar para as perguntas que é para não entrarmos já em pânico e esquecermos qual o nosso número de aluno. Calmamente, lemos a primeira. Mini ataque cardíaco ao vermos que não fazemos ideia da resposta. Lemos a segunda que começa por "Pegando no resultado do problema anterior" e sabemos que esta também é para o zero. Chegamos ao fim do enunciado e pensamos "Ya, é para chumbar forte e feio". Nessa altura, invade-nos, estranhamente, uma paz de espírito. Sentimo-nos calmos com a inevitabilidade de repetir a cadeira para o ano. Damos por terminada a nossa participação naquela cadeira, depois de rabiscar umas coisas aleatórias que, fazendo as contas por alto e muito optimistas, talvez dêem para sacar 2,3 valores. Decidimos que nem vale a pena estar ali a bater no ceguinho e decidimos sair em grande, entregando o exame duas horas antes do fim. Levantamo-nos, confiantes, passo a passo, e vemos os nossos colegas a erguer a cabeça e a olhar para nós, também eles em pânico, como que a pensar "Como é que o gajo já fez tudo em meia hora?". Sorrimos, não revelando que é só porque já estamos em paz com o nosso desleixo. Saímos da sala e celebramos. O stress já passou; seja boa ou má a nota, o que interessa é participar.
Gerir bem o meu tempo
Nos dois primeiros anos de faculdade fui a quase todas as aulas. Depois, quando estudava para os exames, percebi que não me lembrava de nada e que toda a matéria que supostamente estava a rever parecia estar a ser vista pela primeira vez. Por isso, no semestre seguinte, fiz a experiência de não meter os pés nas aulas teóricas. Resultado? As notas não sofreram grandes flutuações. Como sou inteligente, notei ali um padrão: as aulas não serviam para nada desde que um gajo estudasse em casa. Sim, é complicado empinar um semestre inteiro naquelas oito horas de directa na véspera do exame, mas, ainda assim, feitas as contas, era capaz de compensar. Isto ensinou-me que na vida há coisas que nos dizem ser importantes, mas que são dispensáveis e só as fazemos porque é suposto e "sempre se fez assim". As aulas teóricas estão para a vida de estudante como as reuniões estão para a vida de trabalhador: normalmente, não servem para nada e um gajo vai lá marcar presença, mas está em modo zombie e não absorve nada e reza para que alguém tenha tirado apontamentos por nós ou que, daí a dois meses, consigamos perceber a nossa própria letra ensonada.
Ser independente
Na primeira aula de uma cadeira de primeiro ano, um professor disse «Aqui vamos usar linguagem de programação C, mas não ensinamos linguagem de programação C». Ao dizer isso, o nome dele na minha cabeça passou a ser o Prof. Cabrão. No entanto, passados uns anos, dou-lhe crédito por me ter preparado para a vida, ensinando-me que não vale a pena estarmos à espera que os outros nos dêem alguma coisa e, muito menos, esperar que os profissionais façam o seu trabalho que, neste caso, era ensinar. Obrigado, Prof. Cabrão, por sua causa, sou agora um adulto mais independente e que apenas conta consigo para resolver os problemas. Podia era devolver-me parte das propinas, mas pronto.
Ter foco e determinação
Passar para o caderno o que está no quadro é uma tarefa extenuante. Entramos em modo piloto automático e em vez de estarmos a tomar atenção à matéria ou a fazer perguntas pertinentes, estamos a ser formatados para nos tornarmos fotocopiadoras humanas sem questionar o que estamos a escrever. Acredito que se a meio de uma aula de Álgebra Linear do Professor José Roquette do IST ele colocasse uma receita de bacalhau à Zé do Pipo, eu iria passar aquilo para o caderno sem reparar, tal era a velocidade vertiginosa com que aquele homem debitava exercícios no quadro, sempre à beira de um AVC. Tudo se tornava mais complicado devido às muitas distrações dessa aula como o facto de ele não dizer a letra L. Ou seja, estávamos numa Aula de Áugebra Uinear com imensos exercícios com paraueuipípedos e triânguos equiuáteros, escauenos e isósceues. Aquilo é que era treinar a concentração para estar com ar sério! Se há coisa que estas aulas me ensinaram foi a ter capacidade de auto-controlo para não me rir em funerais e outras situações delicadas.
Há coisas mais importantes
Estudar ensinou-me que, tal como diziam na série "How I Met Your Mother", nada de bom acontece depois das duas da manhã. O tempo é relativo e o tempo durante uma directa com o prazo a aproximar-se passa infinitamente mais depressa do que em condições normais. Os erros acontecem e, como tentamos estudar à velocidade da luz, começamos a perder massa que, na verdade, são os nossos neurónios a morrer. Ensinou-me que não vale a pena o esforço e que se depois das duas da manhã o projecto não está feito, então mais vale ir dormir. Deu-me jeito na vida profissional já que quando era consultor e me diziam às seis da tarde "Vê o teu email que enviei agora uma coisa urgente para fazer ainda hoje", respondia "Sim, sim, amanhã de manhã olho para isso. Obrigado e boa continuação" e ia-me embora.
Ter pensamento positivo
Ser estudante ensinou-me a acreditar em milagres. Às vezes, quando tudo parecia desmoronar, quando já não tínhamos esperança e sabíamos que íamos chumbar naquele que era é o projecto mais importante do ano, subitamente, recebemos um email a dizer que a data de entrega foi adiada! Oremos, irmãos! Foi milagre! Projecto adiado uma semana que era exactamente o tempo que precisávamos para conseguir ter aquele dez redondo que nos faz saltar de alegria. Sim, porque ser estudante universitário ensinou-me a baixar as expectativas para evitar desilusões futuras. Aplico esse ensinamento com as pessoas que vão aparecendo na minha vida, onde assumo sempre que não são boas pessoas e, depois, casos sejam razoáveis e tenham aquele 9,5 de decência, até fico surpreendido e satisfeito.
Honestidade é sobrevalorizada
Aprendi, também, que a honestidade não nos leva a lado nenhum e apenas serve para apaziguar a nossa consciência. Tal como na vida adulta e de trabalhador, também na vida de estudante, quem faz cábulas, copia e aldraba o sistema tende a ser favorecido e não penalizado. Uma vez, assumi logo ao professor que não tinha participado num projecto de grupo e ele disse-me «Se calhar nunca vai ser rico e ter um Mercedes, mas se calhar vai ser mais feliz que eles todos porque é honesto. Continue assim.». Continuei, mas de cada vez que passo um recibo verde ou levo o meu Clio de 2002 à oficina, penso se a felicidade não é uma coisa que nos vendem para nos manter na linha.
Aproveitar o momento
«Aproveita que são os melhores tempos da tua vida.» foi das frases que mais ouvi, vinda de quem já trabalhava e afirmava que não havia tempos iguais ao de estudante universitário. Como aluno do Técnico, a minha pergunta era sempre «O quê?! A vida ainda pode ficar pior?» e o que é certo é que pode. Por isso, aproveitem o momento que amanhã podem estar num call center ou a trabalhar numa consultora.
Vá, agora vão estudar ou trabalhar que a vida não é só ler textos na Internet. Já agora, antes de irem, podem partilhar e identificar os vossos amigos universitários que estão a contemplar o suicídio como uma alternativa ao estudo.