Se há coisa que me aquece a alma é ler as alarvidades que vagueiam pelas caixas de comentários na Internet. Seja no Facebook, nos sites de notícias ou em qualquer forum do ciberespaço visitado por muitas de pessoas que têm sexo pouco satisfatório. Há muitas vezes em que me vem ao imaginário uma sala de convívio, num manicómio, com acesso à Internet em que se diz aos doentes «Têm meia hora para deixar a loucura rolar!». Estou a ser injusto, essas pessoas têm a desculpa da patologia mental e da última vez que vi, a estupidez ainda não é considerada doença. Gosto de observar, desiludir-me um bocadinho com a Humanidade, chorar e depois ver que afinal mais vale rir. Como tal, aqui ficam os tipos de comentadores que identifiquei ao longo de vários anos de estudo de campo.
O SALAZAR
«A culpa é dos pretos, dos ciganos e dos estrangeiros! E o que não é culpa desses só pode ser dos paneleiros!». Parece um slogan do PNR (lá estou eu a dar ideias...) mas é um comentário que se vê em demasia nas páginas dos jornais online. Basta ver uma notícia sobre o casamento gay para perceber que há muita gente em Portugal cujo cérebro não funciona deste 1974. Por muito triste que seja, este tipo de mentalidade ainda abunda em Portugal e brota à superfície com o anonimato da Internet. Claro que também acontece na vida real, especialmente em algumas viagens de táxi. O que mais me assusta é que não é uma ou duas pessoas a cuspir racismo, homofobia e preconceito no geral, são vários. Às vezes são a maioria! Ideia: todos os ratos tinham um sistema de electrocussão e associado a cada comentário no Facebook havia o botão "Zap". Esta gente só lá vai com técnicas à Pavlov.
O CASANOVA
Este é aquele tipo de gajo que comenta nas páginas das celebridades ou de pitas "famosas" com milhares de seguidores devido ao enorme talento de colocar fotos em fio dental e decotes com citações brasileiras ao género «A melhor curva de uma mulher é o seu sorriso». Basta ir a uma página de uma qualquer actriz da nossa praça para ver vários comentários à lá Casanova, tais como: «Oi linda!», «Curtia de te conhecer-te a ti!» e «Escalavrava-te essa peida toda que até arrotavas a alheira de Mirandela guarnecida com ovo, batatas fritas e salada de tomate à parte!». Cada um é romântico à sua maneira e utiliza as técnicas que quer no tocante à sedução. Aposto que comentam sempre a uma só mão e com as calças a fazer de torniquete nos tornozelos. Quando é que esta técnica deu resultado? Nunca! Parem com isso. Mandem mensagem privada e nunca usem a palavra «Nina» se não o mIRC liga-vos de 1997 a pedir as suas abreviaturas de volta.
A VIRGEM OFENDIDA
Este é um dos tipos de comentadores virtuais mais comuns. São os cavaleiros brancos da moralidade que comentam a qualquer oportunidade com «Com coisas sérias não se brinca!», sempre que se faz humor com as suas crenças. Por norma, são pessoas que ficam mais ofendidas com uma piada do que com fotografias paparazzi, numa revista cor-de-rosa, à saída do funeral do pai de uma figura pública com zoom nas lágrimas. Só o humor é que tem limites e são eles que os impõem! São pessoas que partilham fotografias de crianças africanas a morrer à fome e acham que fizeram a sua quota parte para um mundo melhor. Também há outro tipo de virgens ofendidas, que são aquelas pessoas que têm como foto de perfil a imagem "Je Suis Charlie" e que acham que a liberdade de expressão é uma coisa bonita mas só até lhes fazer comichão no rabo. Pode-se gozar com tudo o que não lhes toca a eles. Pode-se gozar com os 250 deuses em que eles não crêem, e com os milhares de clubes de futebol que eles não apoiam. Mas quando se lhes pisa as ervas daninhas do jardim, está o caldo entornado. O termo virgem ofendida não é ao acaso, é porque a maioria destas pessoas é virgem, ou pior... mal fodida.
O KKK
Tal como no mundo real, também na Internet há pessoas com um riso peculiar. Sabem aquela senhora de meia-idade que no restaurante mete toda a gente a olhar com o seu riso de javali que pisou pioneses? É uma guinchadeira mais estridente do que o Nuno Guerreiro a ser pedido em casamento. Na Internet estas pessoas identificam-se através dos comentários em que expressam as suas convulsões sob a forma de um «kkkkkkkkkkkkkk», um «kakakakaka» e ainda o famoso «rsrsrsrsrsrs». O primeiro é uma espécie de invocação dos espíritos dos criadores do Ku Klux Klan; o segundo é uma onomatopeia de quem é fetichista por galinhas; e o terceiro, é de quem se está a rir com a boca cheia. Quando vejo a última imagino sempre um velho a puxar uma escarreta das profundezas do seu ser que até chega a causar hemorragias internas. Ao contrário dos restantes, este tipo de comentador online tem a minha simpatia. Primeiro porque cada um ri como quer e depois porque também eu escrevo «LOL» enquanto nem um sorriso estou a esboçar.
O CAPS LOCKED
Um dos meus favoritos é o tipo de pessoa que escreve SEMPRE ASSIM, PARA MOSTRAR QUE ESTÁ MESMO IRRITADO COM O MUNDO!!!!!!!!!!!!!!!!!! ESTÃO A VER DE QUEM ESTOU A FALAR!!!!!!!!!!!??????????? O seu português nunca é o melhor, há sempre palavras cortadas e comidas e a única pontuação que utiliza são os pontos de exclamação, cuja tecla já deve estar mais carcomida do que o seu cérebro. Dá vontade de lhes aparecer em casa enquanto eles estão a dormir e acordá-los com um megafone ao ouvido a cantar a música "Tá Turbinada" da Ana Malhoa. Nunca ouviram dizer que quando se começa a gritar se perde a razão? Na Internet é igual, quando vejo um comentário destes parto automaticamente do principio que o QI (ou qi) da pessoa é menor do que o número do seu calçado.
O TIO ALFREDO
Este tipo de comentador é aquele senhor na crise da meia-idade: foto de perfil com óculos escuros e uma t-shirt com padrões tingidos. A foto foi tirada no quarto à media luz, com a webcam do portátil. Confere-lhe, automaticamente, ar de pedófilo em final de carreira. É comentador assíduo nas publicações do Correio da Manhã que têm como foto de capa raparigas de fio dental, mesmo que a notícia seja sobre um incêndio que matou uma idosa paraplégica e um cão, e que desalojou três esquilos amestrados com Síndrome de Down. O tio Alfredo faz sempre comentários inadequados, muitas vezes em fotografias de raparigas menores de idade. Tenta ser eloquente mas acaba por ser ainda mais assustador «Uma delícia...», «Ai, se eu tivesse 80 anos a menos...» e «No meu tempo as miúdas de 13 anos não me davam-me vontade de fuder! O progresso é lindo...». Sim, o tio Alfredo utiliza muitas reticências a pensar que lhe conferem um ar misterioso, sem saber que só tornam os seus comentários ainda mais sinistros.
A EDITE ESTRELA
Um dos meus tipos favoritos. Nada melhor do que ver que o bom português é tão valorizado pelas pessoas que frequentam as caixas de comentários na Internet. Nada melhor do que ver pessoas a opinar num texto grande, sobre temas importantes para a sociedade e sobre os quais se pede reflexão, apenas com o seguinte: «Falta uma vírgula.». Quando não se tem opinião, mais vale estar calado. Se querem corrigir o português, façam-no educadamente, mais vale dizer «Gostei do texto e partilho da opinião e já agora falta uma vírgula!» ou «Detestei o texto e discordo de tudo e já agora falta uma vírgula!». Encarem a Internet como a vida real, se vissem alguém na mesa do café ao lado a dar um erro de português assim sem um bom dia nem boa tarde? Não. É uma questão de cortesia. Nem estou a falar de mim, estão à vontade em corrigir-me que eu agradeço. Estou mais a falar em notícias importantes como «Morreram mais 200 migrantes em naufragio» e há sempre uns palermas que vão lá escrever «Naufragio?! Sem acento?! Chamam a isto jornalismo?! É por estas e por outras que o país está como está!» e depois disto, como bons grammar nazis, fazem uma referência à falta que um Salazar faz a Portugal.
O JORGE JESUS
Este tipo de comentador é o oposto do anterior. É aquele que parece que só fez a 1ª classe numa escola improvisada num vão de escadas no Intendente. São autênticos Ted Bundy da língua portuguesa tal é a série de homicídios gramaticais que cometem. Não sabem conjugar o verbo haver e cometem erros imperdoáveis como «Tivesse-mos», «Voçê» e o famoso «Fizes-tes». A culpa não é deles, é dos professores que tiveram que não lhes deram com reguadas nos nós dos dedos ao ver estas calinadas. Quando se queixarem que o vosso trabalho é difícil, pensem que podiam ser o corrector ortográfico desta gente. O melhor dos dois mundos é quando há uma espécie de híbrido, Jorge Estrela ou Edite Jesus, e alguém faz uma correcção a erros insignificantes e que se vê que foram desleixo e não iliteracia, com uma frase, toda ela carregada de erros piores. Já fui corrigido assim: "O texto que escreves-te está xeio de erros! És mesmo um palhasso!".
O HERÓI DO TECLADO
O famoso keyboard warrior que acha que a Internet é toda ela um jogo de World of Warcraft e que a cada comentário a demonstrar força está mais perto de chegar a paladino fucking shit. Oferece porrada por tudo e por nada ao género «Vamos lá fora resolver isto!», pavoneando a sua testosterona virtual por todo o lado. Vê-se muito em sites desportivos e em notícias sobre tourada o que não é de estranhar. Quem gosta de ver o sofrimento de um animal no conforto da bancada, só pode ser o tipo de pessoa cobarde que ameaça outros através da segurança do ecrã. A magia acontece quando ao herói do teclado se juntam as características do Jorge Jesus e do Caps-Locked, num autêntico espectáculo de fogo de artifício machão de pólvora seca. Era aparecer-lhes à porta de casa com um grupo de ex-presidiários e confrontá-los com um abraço apertado e por trás. O amor vence tudo.
O TROLL
O troll é uma compilação de vários tipos. O objectivo do troll é ter atenção, já que em casa ninguém lhe liga. Normalmente são homens, com borbulhas na cara e pila pequena: daí a sua falta de confiança que os leva a descarregar no local onde conseguem que é a Internet. Na vida real são uns xoninhas que dizem que sim a tudo, que seguem a carneirada sem contestar nada e que levam duas chapadas na tromba sempre que há confusão. O troll segue várias páginas no Facebook, inclusivamente com as notificações activas, para poder ser sempre o primeiro a comentar e a dizer mal. Lá no fundo ele até gosta, mas tal como alguns terroristas que adoram os prazeres dos países ocidentais, sente-se mal com isso. Há quem diga que nunca se deve discutir com um troll porque são invencíveis, dado que nos rebaixam à sua estupidez e nos vencem por experiência. É mentira, os trolls são como aqueles gajos do ginásio que são grandes e que nunca levaram um selo bem dado porque toda a gente preferiu fugir do que confrontá-los. Com uma resposta à séria e mais troll do que eles, eles fogem e escondem-se na cave dos pais, ou seja, no seu quarto.
O George Carlin dizia que o mundo era um circo de aberrações e que viver nos Estados Unidos era ter um bilhete para a fila da frente. Eu acrescento que ter acesso à Internet é ter acesso à tribuna VIP e ao backstage desse circo.
PS: Se por acaso quem estiver a ler isto foi algum destes tipos, já sabem, não se armem em virgens ofendidas.