Tenho um grande defeito: sou pontual. O que à partida pode parecer uma qualidade, é algo que afecta a minha vida de forma negativa. Vivemos num mundo em que as pessoas dizem valorizar o seu tempo, em que se consome comida e entretenimento fast-food, mas em que o tempo dos outros que ficam à espera é desvalorizado. Portugal sempre teve fama de ser um país atrasado e talvez a falta de pontualidade da maioria das pessoas tenha alguma influência nisso. Não tenho nada contra atrasados, até tenho amigos que são. Por exemplo, a cronologia de um jantar marcado para as 20h é mais ou menos esta:
19:30h - Saio de casa, apesar de só demorar 10 minutos a chegar.
19:40h - Chego ao local e fico a fazer tempo.
20:00h - Vou para o restaurante e ninguém chegou.
20:15h - Olho para o telemóvel várias vezes.
20:30h - Vou ver a conversa de WhatsApp para ter a certeza se não me enganei nas horas; não me enganei.
21:00h - Chega o primeiro atrasado e diz «Eish, já estás a comer as entradas, nem esperas nem nada!».
É sempre a mesma rotina e eu não aprendo. Já sei que vou ser o primeiro a chegar e ficar à espera e tento convencer-me a juntar-me ao lado negro da força e ignorar as horas e chegar meia hora atrasado, mas nunca consigo. Ser pontual é mais forte do que eu.
Minto, uma vez consegui e fiz de propósito para chegar meia hora atrasado só para mostrar o que custa esperar pelos outros, mas acabei, na mesma, por estar vinte minutos à seca.
Com o telemóvel, é certo que este problema é atenuado, já que posso fingir que estou a ver algo interessante quando na verdade ando às voltas no painel das definições a fazer tempo, tal como toda a gente faz no computador do trabalho quando faltam dez minutos para sair. Não me cabem nos dedos das mãos as vezes que simulei uma chamada telefónica, só para me esquivar a conversas de circunstância com outras pessoas pontuais, mas com as quais não tenho grande afinidade. Muitas vezes, como chegar atrasado, para mim, não é uma opção, acabo por chegar sempre demasiado cedo em algumas ocasiões e fico no carro, à espera, enquanto vou ligando e desligando o motor para ter a certeza que não fica sem bateria por estar a ouvir rádio para passar o tempo. Como seres pontuais, começamos a desenvolver estratégias para conseguirmos sobreviver neste mundo, ou país, de gente atrasada. Todos nós, pontuais, quando temos de marcar um jantar, temos a mesma técnica para lidar com os nossos amigos, atrasados crónicos, incapazes de chegar a horas: marcamos o jantar para às 21h, mas dizemos-lhes que é às 20h. Chegam pelas 21:30h. Para a próxima dizemos que é um lanche e na vez seguinte que é pequeno-almoço, só para garantir que os piores chegam a tempo de jantar.
Os homens pontuais que tenham uma namorada atrasada crónica, são os que mais sofrem com o facto de terem essa condição invulgar. Aliás, como pessoa pontual em Portugal, sinto que devia ter algum tipo de ajuda por parte da Raríssimas. Esses homens sofrem porque têm de esperar que ela experimente todas as roupas do armário enquanto vêem o tempo a passar; sofrem porque vão chegar atrasados e deixar os outros esperar, coisa que mais odeiam; sofrem, por fim, porque depois de esperarem duas horas por ela, ela vai à sala e diz «Então? Vamos? Estou à tua espera.». É nesta altura que um gajo compreende os elevados números da violência doméstica.
Há vários estudos feitos para tentar compreender os atrasados crónicos e há várias teorias:
- Estão-se a cagar para os outros;
- O cérebro dessas pessoas processa o tempo de forma diferente;
- São optimistas por natureza e acreditam que, por exemplo, não vai estar trânsito.
Talvez não tenham culpa e seja só uma incapacidade mental de perceber que o tempo é relativo e que para quem se atrasa meia hora o tempo passa rápido, mas para quem está à espera é uma eternidade.
Engane-se quem pense que ser pontual apenas me traz problemas em contexto pessoal e social. É, também, um grave problema a nível profissional. Já o era quando tinha um trabalho de gente séria e ia a entrevistas ou reuniões com potenciais clientes. Raramente alguma começava a horas e nunca podia refilar com os doutores e engenheiros. Já estive numa entrevista de emprego onde esperei mais de meia hora e o entrevistador, a meio, diz que a pontualidade é algo que valorizam muito naquela empresa. Achei irónico e apanágio de todas as pessoas que chegam atrasadas que é o facto de afirmarem, à boca cheia, que detestam fazer esperar os outros. Mentira, estão-se a cagar. Se realmente não gostam de nos fazer esperar e o fazem, ainda é pior. Agora, acontece com entrevistas na televisão, por exemplo. «Esteja cá pelas 9h, por favor», desde logo, sinto-me violado pois não saí do mundo empresarial para me estar agora a levantar às 8h da manhã, mas com muito sacrifício lá chego à hora marcada e oiço «Agora é esperar aí um bocado.», bocado esse que é sempre uma ou duas horas. Neste novo mundo onde me movimento, o chamado mundo do espectáculo, sinto que estou numa timezone diferente e a pontualidade ainda me traz mais problemas.
Existe uma panóplia de frases que os atrasados utilizam e que são todas mentira:
- Estou mesmo a chegar.
- Saí mesmo agora de casa.
- É só lavar os dentes e sair de casa.
- Estou à procura das minhas lentes.
- Apanhei uma operação STOP.
- Já me levantei, sim.
Tudo mentira. Se metermos essas frases no Google translate de Atrasadês -> Pontualês, o resultado é o seguinte:
- Ainda nem saí de casa.
- Estou na sanita a jogar Angry Birds, apesar de já ter feito tudo ainda vai demorar porque quero mesmo acabar este nível. Depois ainda vou tomar banho e comer qualquer coisa.
- Estou a aquecer o almoço, ainda. A começar a fazer, vá, mas é coisa rápida... é cabrito no forno.
- Comecei agora a ver o último episódio de Narcos.
- Fui só tomar café e encontrei lá pessoal e fiquei na conversa meia hora.
- Foda-se! Adormeci, ainda bem que me acordaste, vou-me atrasar duas horas, pelo menos.
O pior de tudo é quando combino algo para as 17h, por exemplo, e a pessoa atrasada me envia mensagem às 17:15h a dizer «Estou atrasado.».
No shit, Sherlock. Ainda bem que avisas senão estava aqui numa dúvida existencial. Um gajo refila, mas acaba por aceitar que estas pessoas nunca vão mudar. Aceitamo-los como elas são até ao dia em que nós, pontuais, chegamos dez minutos atrasados porque o carro efectivamente avariou e tivemos de reanimar alguém na rua que colapsou e os nossos amigos atrasados dizem «Ahhh, vês... afinal tu também te atrasas!». Era uma chapada à padrasto nas ventas.
PS: Para todos os pontuais, o meu (último) espectáculo, dia 16 de Fevereiro, na Damaia, começa as 22h, mas atrasa sempre dez minutos para esperar pelos outros. Bilhetes aqui neste link.