A minha namorada tirou a carta fez agora um ano e, nessa altura, escrevi sobre a primeira vez que ela conduziu em que eu fui no lugar do pendura. Uma experiência aterradora que podem ler ou reler aqui. Ora bem, no fim de semana passado fomos a Viseu e fui eu que levei o carro. Obviamente. Andar de carro já é bastante perigoso devido aos outros condutores, por isso um gajo tenta minimizar o risco onde pode. Para mim, condução defensiva é ser eu a conduzir em vez de ela.
Logo à saída de Lisboa, ao circular uma rotunda, há um gajo que faz, erradamente, a rotunda toda por fora. Normal. É um dos dez tipos de condutor palerma sobre os quais já escrevi neste texto. O que não foi normal e que me causou alguma perplexidade foi ouvir a minha namorada a dizer «Então, mas este não sabe fazer rotundas? Parece que é parvo!». Olhei para ela com carinho e, de forma paternalista, disse-lhe «Oh... já mandas bitaites no trânsito?», que é como quem diz «Já a pulga tem catarro, hein?».
Quem a viu e quem a vê, qualquer dia já quer ir votar e tudo.
Entramos na autoestrada e ela continua a demonstrar a sua veia de condutora de sofá ao apontar o erro a todos os condutores que não utilizam o pisca e, principalmente, aos que andam na faixa do meio. Gosto de a ver assim toda confiançuda, mas não posso deixar de reparar que todos os condutores que ela critica não têm o carro todo raspado de ambos os lados como certas e determinadas pessoas que conheço, mas que para efeitos de não ter de dormir no sofá, não irei referir. Ver a minha namorada a mandar bitaites sobre a condução fez-me lembrar o dia em que ela me disse que ia ser administradora do condomínio. É como um padre dar educação sexual: pode saber as regras e ter visto uns vídeos no YouPorn, mas em termos de conhecimento empírico é tudo muito dúbio.
Para além da minha namorada, há outros tipos de pessoa que não se resignam ao seu lugar de pendura e decidem mandar bitaites sobre tudo. Desde logo, temos aqueles amigos que acham que o GPS é coisa de maricas e que um verdadeiro homem usa, no máximo, um astrolábio. Este é aquele que, embora o GPS indique um caminho, acha que tem um atalho muito melhor e que o software é que não está actualizado. Como é nosso amigo, confiamos. Resultado: queríamos ir para o centro de Lisboa e acabámos em Almada. É um facto que fugimos ao trânsito, mas duvido que tenha compensado fazer cinquenta quilómetros em vez de seis. Este tipo de caminhos, no meu círculo de amigos, tem o nome de Caminhos-à-Ricardo, de tantas vezes que aconteceu ir dar a volta a uma rotunda no Porto só para ir aos Pasteis de Belém. Há pessoal que nasceu para ser taxista, mas que não aproveitou o talento. É isso e aceitar sugestões de caminhos quando o pendura vai bêbedo:
- Sai antes na outra saída que diz Damaia. - diz o André.
- Mas esta diz Damaia. - indico.
- Mas a outra é melhor, acredita. - diz ele, a enrolar a voz, mas confiante.
- É nova? - pergunto, desconfiado.
- É, é. - afirma.
- ...
- Olha... afinal era a outra. Já agora, vamos aos bolos na Amadora. - diz.
Outro tipo de co-piloto que irrita um bocadinho é aquele que gostava de ter sido DJ e que, mal entra no carro, assume a função de escolher a melhor estação de rádio para a viagem. O problema é que, normalmente, este tipo de pendura apenas gosta de ouvir samples e troca de estação de rádio depois de dez a vinte segundos de cada música. Chegamos ao fim da viagem com a sensação de que ouvimos um medley de compilação ecléctica que foi desde C4 Pedro na RFM até Frederic Rzewski na Antena 2 e pelo meio ouviu-se golo do Benfica na TSF. Toda a uma esquizofrenia musical na busca da canção perfeita que só pode ser comparada à busca de filmes pornográficos, feita com a mão esquerda no rato, na demanda da cena perfeita para atingir o clímax onanista.
Por fim, temos a mãe. Há poucas coisas piores no mundo do que andar de carro com a minha mãe à pendura.
O kit de co-piloto da minha mãe inclui um conjunto de pedais imaginários dos quais o travão já está gasto.
Para além desse espectáculo sublime de air braking, capaz de deixar envergonhado o campeão mundial de air guitar, acompanha a sua performance com sucessivos comentários «Olha ali. Olha aqui.» e do «Não vais demasiado depressa?», enquanto faço uma rotunda a vinte à hora. Outra característica é o seu tique que consiste em levar as mãos ao tablier do carro como se fosse capaz de reforçar o habitáculo só com a força dos braços. Esse movimento é sempre acompanhado de um efeito sonoro que se assemelha ao de um aspirador de saliva que os dentistas usam. Para a minha mãe, todos os carros vêm contra nós quando eu estou a conduzir, como se Portugal fosse Marraquexe ou como se eu fosse um criminoso em fuga e todos os outros carros fossem policia a tentar albalroar-me. Respiro fundo e cedo aos impulsos de acelerar mais, fazer curvas a chiar pneu e inverter a marcha com o auxílio do travão de mão. Respiro fundo e tento compreendê-la, já que ela é mãe e toda a gente sabe que as mães, para além da sua profissão, tiraram os cursos de medicina, psicologia, nutrição, meteorologia e, claro, o de instrutora de condução. Por vezes, pico-a e faço uma travagem brusca: depois do pânico vem a agressividade que, a meu ver, só aumenta a tensão dentro do carro e prejudica o condutor. Há insultos, ameaças e súplicas para que pare o carro para ela sair. Escusado será dizer que já não conduzo com a minha mãe ao lado.
PS: Pessoal de Lisboa e arredores: dia 11 de Março vai haver stand up comedy no S. Jorge, comigo, com o Hugo Sousa e com o Gilmário Vemba. Bilhetes à venda neste link.
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