11 de dezembro de 2014

Existem almas gémeas?



Somos inundados desde pequenos com contos de fadas e histórias da carochinha que nos incutem que a felicidade só é encontrada se tivermos ao nosso lado a nossa alma gémea. O nosso príncipe ou princesa de encantar, a pessoa que nos completa e nos torna pessoas melhores, porque aparentemente sozinhos não somos grande coisa. Vamos crescendo e acreditando que há alguém perfeito e ideal para nós, que nos aceitará tal e qual como nós somos e dará sentido à nossa efémera existência. Temos a nossa primeira paixão e pensamos que é aquela a nossa costela, feita à nossa medida e que a vamos amar para sempre e que, sem ela, não conseguimos continuar a respirar sem ser aos suspiros. Essa paixão passa e temos outra. E outra. E outra. 

Sofremos cada vez menos, não porque gostemos menos ou mais, mas porque a pele já tem carapaça de tantas crostas de feridas que se abriram, por vezes umas em cima das outras

Começamos então a perceber que se calhar não há almas gémeas, há apenas pessoas de que gostamos, umas mais, outras menos e que tudo depende do tempo e da oportunidade em que as conhecemos. Por mais que se ame alguém, ninguém pode garantir que não haveria outra pessoa que nos fizesse igualmente feliz, alguém que passou por nós no metro e que nem sequer nos virámos para lhe olhar para os belos glúteos, porque a nossa namorada ia ao nosso lado, ou porque estávamos agarrados ao telemóvel a ver rabos de outras no Facebook. Crescemos mais e vemos que se calhar não há uma alma gémea, mas sim várias almas que são totalmente compatíveis connosco e que alguns têm a sorte de conhecer durante a vida uma delas, sem nunca saber se o é. Há quem acredite religiosamente que existe apenas uma pessoa, no meio de sete mil milhões de seres humanos, especificamente desenhada e única para nós. Até há um nome técnico para as pessoas que acreditam nisso, são designadas como parvas. 

Quem acredita nisso, e que crê já ter encontrado a alma gémea, não acha estranho ela ser do seu país, da sua cidade ou até ter andado na mesma escola. Visto que a Margarida Rebelo Pinto diz que não há coincidências, só pode mesmo ser o destino, pensam elas. Depois há também aqueles que não arranjam ninguém, cuja alma gémea deve estar na África subsariana e ainda só tem 12 anos, mas já é deu à luz três rebentos, mas um morreu à nascença porque Deus escreve certo por linhas tortas. É assim a vida, por mais que haja quem não se encaixe nas teorias, as crenças esotéricas arranjam forma de as contornar para que lhes continuem a fazer sentido para eles. Não bastando essas teorias manhosas, há até aplicações que nos fazem promessas de nos encontrar as nossas caras metades. Desde que surgiu Internet, até antes disso em agências casamenteiras, que é um dos negócios mais lucrativos. As redes sociais existem por isso, para o engate e para se ser cortejado, 99% das pessoas utiliza maioritariamente para tal, revela um estudo feito agora por mim neste momento, recorrendo a fórmulas matemáticas que não posso revelar. 

Há ainda os matchs.com, os tinders e os classificados do Correio da Manhã, tudo para encontrarmos aquela pessoa, que nos fará felizes para sempre, ou que pelo menos nos fará vir, se possível na cara dela

No caso das mulheres às vezes nem cumprem a promessa do orgasmo, quanto mais do conto de fadas. Os homens vêm-se sempre, se ele não se veio, então meninas dediquem-se a outra coisa que não ao sexo, porque não têm mesmo jeito para a coisa. Voltando a essas promessas falsas, é tudo uma questão de probabilidades e, não haver uma alma gémea, joga a nosso favor. É mais provável calhar-nos um ou uma psicopata que o alfa para o nosso ómega.

No entanto, há uma coisa que me faz acreditar que a teoria das almas gémeas pode ser verdadeira, que são aqueles casais que se conhecem e que, vai-se a ver, têm exactamente os mesmos gostos estranhos. Nem estou a falar do gosto de ir aos concertos do Tony Carreira, ou de achar que a Fanny até é uma pessoa inteligente, estou a falar de outros casos, igualmente estranhos, mas mais graves, como por exemplo espancar, violar e matar crianças. Há vários casos no mundo de pais que abusam dos próprios filhos, das maneiras mais terríveis e imaginárias. Há casais que roubam e matam em equipa, numa prova de amor muito maior (e menos pirosa) do que ter um Facebook conjunto. Houve há pouco tempo uma mãe que, juntamente com o seu novo namorado, costumavam amarrar e chibatar o filho dela, em longas sessões de desumanidade parental. Numa dessas sessões a criança morreu. Mãe é mãe, mas não é por isso que não as há que mereciam morrer com requintes de malvadez. Este casal tinha esse gosto, era a cena deles, cada um sabe de si, quem sou eu para criticar. Se isto não são almas gémeas não sei o que serão. Qual é a probabilidade de duas pessoas com esta pancada se conhecerem? E onde? A sério que gostava de saber. É num bar que tem a fama de atrair abusadores de crianças? É na Internet em sites de chat manhosos? É na fila do Pingo Doce quando uma criança está aos berros no corredor e eles trocam um olhar cúmplice de "Era uma paulada na cabeça que dormia já ali para sempre"? A sério que gostava mesmo de saber. Mais estranho do que se conhecerem, por um destino caótico e irónico que só a causalidade do Universo consegue gerar, é como é que chegaram à conclusão que espancar, violar e matar a criança era um gosto comum aos dois? Como é que se introduz esse tema numa relação? 

Um gajo já se vê aflito para introduzir o tema do sexo anal 

Aliás, introduzir o tema do sexo anal é como o sexo anal em si, tem que se gastar saliva antes e depois introduzir devagar. E para se sondar o tema de que podia ser giro fazer uma ménage à trois com a amiga jeitosa? Esse é ainda mais complicado, tem que se ir com pezinhos de lã, como um jogo de xadrez em que se tem que estar 10 jogadas à frente, para podermos dizer que era tudo uma brincadeira, caso dê para o torto. Alias, mesmo que ela diga que sim, pensamos que é uma armadilha e nunca se pode ter a certeza. Até depois do coito a três ter sido efectuado há sempre uma ou duas semanas que um gajo anda de olho vivo e a qualquer sinal pensamos logo que já vai haver discussão e que foi tudo uma estratégia habilidosamente montada para nos manipular e mostrar que somos uns porcos. Uns porcos iguais a todos os outros homens que também são uns porcos, que são todos, menos o namorado da amiga que a trata tão bem. 

Por imaginar todas estas  dificuldades ainda me faz mais confusão discernir como é que o assunto surgiu neste e noutros casais. Que tipo de intimidade um casal tem que ter para este assunto vir à baila? Isto são certamente casais tão íntimos que até soltam gases, debaixo dos lençóis, tapam o cônjuge com o edredom e gritam "Gás SARINNNN!". Isto são casais que se tivessem duas sanitas em casa, defecavam ao mesmo tempo de mão dada! Não tendo, aproveitam a hora do banho de um, para o outro se sentar na retrete e passarem mais tempo juntos a conversar. Invejo a cumplicidade de um casal destes que, certo dia, enquanto fazem conchinha no sofá por debaixo de uma manta com restos de gases intestinais, degustam um gelado com a mesma colher e vêem o Diário da Nossa Paixão com uma lágrima no canto do olho, há um deles se sente confortável o suficiente e confiante nos laços fortes que unem a relação para, se virar para o outro e dizer: 
"Mor... tu sabes o que era giro... espancar, violar e matar o nosso Fábio". 
O amor é lindo.

Gostaram como comecei este texto em tom sério e lamechas, passei pela javardice e terminei em humor negro e parvoíce pura? Sou o que se chama em futebol, um polivalente. Uma espécie de Iordanov. Menos a parte da esclerose múltipla. Um bom dia para todos.

PS: Já aqui escrevi sobre Poliamor, um texto que aconselho porque é meu.




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