15 de janeiro de 2017

Refresh: o vício das redes sociais



Abre os olhos! Ainda com remelas vê o telemóvel. Abre o Facebook e vê as notificações. Vê tudo o que perdeste enquanto estiveste desligado da rede. Tira uma selfie sem makeup, mas experimenta os filtros todos para te sentires melhor. Levanta-te. Olha-te ao espelho, mas mede o teu reflexo pelos amigos que tens no Facebook: dois mil. És popular! Fica no WC até ficares com as pernas dormentes. Faz refresh. A tua selfie ainda só tem 100 likes no Facebook, 50 favorites no Twitter e 10 coraçõezinhos no Instagram. Faz refresh mais uma vez. Mais uns quantos, já podes sair de casa de barriga cheia, sem antes tirar uma foto ao pequeno almoço que não tiveste tempo de comer. É Inverno. Ainda bem que o touch funciona com luvas. Recupera a foto do verão e mete no Instagram para haver quem pense que estás numa ilha paradisíaca, mas não: estás no metro no meio de centenas, mas de olhos postos no telemóvel. Não precisas de palas, tens um ecrã na palma da mão. Ah... uma notificação! Oh... é só alguém que faz anos. Dá-lhe os parabéns no Facebook. Não sabes bem quem é, mas dá na mesma. Para o ano voltas a falar-lhe por estes dias. Há que regar bem as amizades porque precisas de mais likes. De mais views. De mais seguidores. De mais shares e retweets. Alguém faz um post com uma opinião contrária à tua: «Quem é que este otário pensa que é?», pensas, enquanto ponderas desamigá-lo para que a tua bolha não rebente. Desamigar, uma palavra inventada para o mundo digital. Na vida real ninguém se desamiga, apenas se chateiam ou se afastam. No Facebook ninguém é próximo o suficiente para se poder afastar: desamiga-se. Somos descartáveis. Alguém há de ocupar o lugar. Somos recicláveis. Faz refresh.

Morreu alguém importante hoje? Não. É pena. Um RIP dá sempre likes e partilhas. Um RIP são lágrimas de crocodilo egocêntrico.

Discute publicamente com aquele teu amigo que tem um clube de futebol diferente do teu. Chama-lhe nomes. Escreve LOL's para mostrar que não te afecta. A conversa já vai em cem comentários sobre se a falta é dentro ou fora da área. A culpa é do árbitro ou do Benfica, mas nunca é tua. Mete um emoji de um coração, ou de um cãozinho fofinho, na foto daquela rapariga que invejas. «Que linda!», comentas, enquanto no chat dizes a outra que ela é uma bimba e que está cada vez mais gorda, enquanto essa com quem falas diz o mesmo de ti noutro chat. Estás embaraçado numa rede que encobre uma cadeia de cinismo. «Em que estás a pensar?», pergunta-te o Facebook. Estás a pensar que há muito tempo que ninguém real te pergunta isso e se preocupa com as tuas dúvidas, inseguranças e incertezas. Ninguém quer saber do que tu pensas, mas o Facebook quer. Ele preocupa-se contigo. Recebes uma notificação de mensagem! É da tua mãe. Não te apetece responder. Nem clicas para ver o que ela tem a dizer porque não queres que ela saiba que viste a mensagem.

Mete um filtro ou uma hashtag na fotografia de perfil. Pode ser que tenha mais likes do que as selfies. Pode ser que te alivie a consciência de viveres de forma passiva e de não lutares por nada. És um activista do sofá, mas escolhe bem as tuas causas: há umas que têm mais engagement do que outras. Muda o estado da relação. Assume e grita o teu amor ao mundo, mesmo que hoje não tenham falado porque estão chateados. Faz um evento para convidar toda a gente para o casamento. Mete a foto da ecografia. Vais ser pai e os teus pais souberam pelo post que iam ser avós. Fizeram like e partilharam, já que não lhes atendeste o telefone para te darem os parabéns. Estás com pouca bateria! O que vale é que tens dez Power Banks e ainda consegues meter uma foto do teu filho com um smile a tapar a cara. Assim, toda a gente o acha bonito e toda a gente vê como ele sorri: um sorriso amarelo.

Leste o título da notícia e já chega. Há mais mil posts para ver hoje, quem é que tem tempo de se informar a sério? O título chega para formares opinião. Se nem os jornalistas confirmam as fontes, como é que tu te irias dar a esse trabalho quando perdes o tempo a ler os comentários? Escreve o teu. Sabes que queres. Precisas de destilar o ódio. Precisas disso para compensar a falta de atenção. Vai ao ginásio. Tira dez fotos antes, durante e depois do treino para mostrares que fazes desporto por ti e pela saúde, claro. «No pain no gain» e tu queres ganhar seguidores: são melhores do que Isostar e Gatorade.

Se, ao menos, a passadeira contasse likes em vez de calorias, tinhas muito mais motivação.

Estás no carro e ainda bem que está trânsito. Ainda bem que apanhas todos os semáforos vermelhos. É da maneira que tens tempo para dar uma olhadela no telemóvel: ver se a mensagem no WhatsApp ficou vista; ver se tens novos pedidos de amizade; ver se a vida te corre bem. Vai ver o perfil da ex-namorada. Está com alguém? Sim, mas é mais feio do que tu! Já ganhaste o dia! Isto merece uma selfie a olhar para o infinito com uma frase inspiradora: «Antes sozinho que mal-acompanhado.», escreves, sem perceberes que quando estás só contigo, estás sozinho e mal-acompanhado. Já chega! Estás no Facebook há demasiado tempo e o feed não tem fim. Vai ao Instagram. Vê uns rabos e uns decotes. Vai ao Snap. Faz uma story para mostrares aqueles trinta segundos interessantes do teu dia. A tua vida tem impacto: a tua vida é mais uma notificação no feed dos outros. Escreve uma indirecta no mural. Alguém te há de dar atenção e perguntar «O que se passa, miga?». Faz duckface. Usa um selfie stick. Usa cem hashtags e não te esqueças da #MeMySelfAndI, como quem diz que és independente, mas na verdade quer dizer que estás só.

Deita-te no escuro com a face iluminada pelo feed. Faz scroll. Down e up para teres a certeza que não perdeste nada de importante, hoje, a não ser a tua vida. Adormece com o telemóvel no peito em modo vibração. Mal podes esperar por acordar e ver o resultado das oito horas de notificações acumuladas. Faz refresh. Bons sonhos.

Se não partilhares este texto nunca mais vais ter likes nos teus posts durante dez anos.




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