17 de março de 2017

Livros de Auto-Ajuda, gurus e banha da cobra



Bom dia, como vai isso? Bem, mal? Na verdade, não me interessa muito, estava só a fazer conversa de circunstância. Estive a analisar o fenómeno dos livros de auto-ajuda e cheguei à conclusão de que são provérbios populares, mas ditos por outras palavras e com muita palha à mistura. Passo a explicar com estes bonitos exemplos escritos por mim:

Auto-ajuda: Por vezes, sentimo-nos presos às nossas lembranças o que nos impede de vivermos o presente na sua plenitude. As amarras do passado fazem com que sejamos incapazes de aproveitar o momento, sempre a pensar que os erros se poderão repetir e, sobretudo, remoendo no que poderíamos ter feito para que tudo fosse diferente. Na verdade, nada disso interessa, já que o passado é uma tatuagem irremovível, gravado em pedra e que não nos pode tornar ausentes do presente.
Ditado: Não vale a pena chorar sobre leite derramado.

Auto-ajuda: A vida coloca-nos obstáculos que à primeira vista parecem intransponíveis como se de um teste se tratasse. A força de viver está em falhar várias vezes e voltar a tentar com a mesma esperança e ingenuidade de outrora. A perseverança irá compensar e quando olharmos para trás iremos conseguir perceber que tudo não passou de grãos de areia nos nossos sapatos e, com os pés calejados, seremos mais fortes.
Ditado: Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

Auto-ajuda: Há relações tóxicas que se tornam mais importantes do que a nossa individualidade. Deixamos que outra pessoa tome conta das nossas decisões e que nos manipule ao ponto de pensarmos querer algo que não queremos. Ficamos dependentes como se de uma droga se tratasse, mesmo sabendo todo o mal que nos faz. Quando uma relação destas termina é inevitável sentirmos ressaca, mas tudo é um processo que nos levará a um lugar melhor.
Ditado: Antes só que mal-acompanhado.

Olha que até acho que tenho jeito para esta coisa da auto-ajuda, agora que vejo que demorei menos de dois minutos a escrever esta xaropada! Como podemos ver, não são mais do que uma reciclagem de ditados e senso comum, revestidos de retórica de vendedor de colchões. No entanto, continuam a proliferar e a ter sucesso e, por isso, lembrei-me que pode ser interessante aproveitar essa onda, mas fazendo o contrário: chamemos-lhe anti-auto-ajuda. Ao invés dos livros motivacionais, este seria o oposto e, por conseguinte, honesto. Sim, já sei que esses livros até ajudam algumas pessoas, mas isso não quer dizer que não sejam ridículos.

Se o famoso livro de auto-ajuda "O segredo" fosse realmente honesto só teria páginas em branco para continuar a ser um segredo.

Voltando à anti-auto-ajuda, já pensei em títulos para o livro inspirados em conhecidas obras portuguesas e deixo aqui algumas sugestões nas quais gostava que votassem, mas podem e devem contribuir com as vossas.

  • Agarra o Cianeto Agora
  • Escolho ser infeliz e culpar os outros por isso
  • Às 9 no meu funeral
  • Tu consegues (só que não)
  • Suicídio para totós
  • Prometo falhar (como se fosse preciso prometeres)
  • O poder da energia positiva e da corrente alternada
  • Quero Acreditar, mas querer não chega
  • Ainda podes ficar pior
  • A última leitura
O livro teria vários temas e estaria dividido por capítulos. Começaria por identificar o problema e criar empatia com o leitor através de capítulos como «Provavelmente o problema és tu» e «Não tens amigos porque és uma merda de pessoa» seguido de um separador para limpar o palato chamado «Coisas do senso comum, mas que tu pagaste para ler». Depois, faz sentido escarafunchar um pouco mais na ferida emocional do leitor para que ele se liberte com os capítulos «És um fardo para ti e para a tua família» e «Mesmo que te ames serás o único». Nesta altura, faz sentido abordar alguns temas mais específicos como «És gordo porque comes demais» e «Os outros têm sucesso porque são melhores». Após outro separador com coisas do senso comum, podemos começar a apagar a última chama de esperança que o leitor possa ter em capítulos como «Se tudo falhou não é um livro que te vai salvar», «Aprender a envelhecer e morrer sozinho» e «Suicídio é desistir?». Por fim, e para terminar o livro numa falsa esperança que culpabiliza o leitor pelos seus problemas e lamentações, sugiro os capítulos «Podias ter nascido na Síria» e «Histórias de sucesso que nunca vais conseguir replicar».

Entusiasmei-me e resolvi adiantar trabalho e escrever já alguns parágrafos. Lembro que a palha e os rodeios e repetições são ferramentas importantes para que tanto os conselhos da auto-ajuda como da anti-auto-ajuda sejam assimilados pelos leitores.

Todos os dias, de manhã, logo depois de acordar, enquanto os pássaros chilreiam e te deixam inundado de inveja pela sua felicidade pueril, olha-te ao espelho. Para. Respira. Observa cada contorno do teu corpo deteriorado e da tua cara infeliz marcada pela vida que te mata aos poucos. Respira. Elogia-te. Diz que te amas, uma e outra vez. Mais outra e outra, até que dizer «Amo-te» ao espelho de manhã seja tão natural como lavar os dentes. Chora e lembra-te que cada lágrima representa as pessoas na tua vida que se afastaram. Tens de verter várias, bem sabes. Muitas. Todas. Elogia-te outra vez e lembra-te que estes são os únicos elogios que vais receber hoje e, talvez, este mês. Ninguém te aprecia e tu, no fundo, sabes porquê. Para que te levantaste para ir trabalhar? Qual é o sentido de acordar uma e outra vez, numa repetição infindável da rotina como se fosse um labirinto que te disseram ter solução, mas ao qual barraram a saída? Vai, mas é, dormir. Deita-te. Deixa-te ir e sonha, porque só em sonhos ainda podes ser feliz.

***
Por vezes, dás por ti a contemplar o horizonte, o céu e as estrelas e pensas que és apenas uma migalha infinitesimal nesta vastidão infinita do universo. Algo no teu estômago se contrai com essa sensação de que tu não interessas porque sabes que, na verdade, essa é a verdadeira verdade. Não interessas. Não és especial seja qual for o teu referencial. A tua vida não tem sentido nem propósito e o único objectivo que poderia ter, o de seres feliz, conseguiste não o alcançar. Neste euromilhões da causalidade caótica do universo tu tiveste um dos bilhetes premiados para estar aqui. Hoje. Agora. Tudo o que tinhas de fazer era aproveitar esta viagem de um nanossegundo cósmico e apreciar a paisagem. Tinhas um bilhete à janela e escolheste ir a olhar para o chão. Parabéns. Agora, cada dia não é mais do que um número de uma senha do talho do Pingo Doce que vai passando enquanto esperas a tua vez. Pode ser que alguém à tua frente se tenha fartado de esperar e tudo seja mais rápido.

***
A pessoa mais importante da tua vida tens de ser tu, até porque não tens ninguém importante na tua vida e, por isso, não faria sentido ser de outra forma. Estás sozinho e preferias estar mal-acompanhado porque era sinal que ao menos alguém tinha algum tipo de sentimento por ti a não ser indiferença. Não te importavas de ser amado por pena. Dizem que as más vibrações atraem pessoas com más vibrações, mas tu nem isso consegues atrair. És um repelente de amor porque não te amas a ti mesmo e com razão. Abraça o dom de conseguires entrar num funeral de uma criança e torná-lo mais triste e fazer com que até os pais de luto sintam pena de ti. Sentes-te sozinho e percebes que já viveste mais de metade da tua vida, se tudo correr bem, e percebes que a metade que viveste era suposto ser a melhor e, se foi esse o caso, boa sorte nessa lenta e penosa espera. Tentas agarrar-te a crenças que te dêem esperança e que isto não pode ser tudo o que há, mas, já agora, fica uma informação dramática: Deus não existe. Pensa positivo, pois se Ele existisse nem Ele gostaria de ti e ainda irias estar pior. Isto para além de que as pessoas iam ter de te aturar numa vida eterna e isso não se faz a ninguém. Lembra-te, apenas, que ainda podes fazer algo de bom e não te suicides na linha de comboio porque isso é um transtorno para as outras pessoas e já basta o fardo que foste em vida.

***

Claro que este tipo de livros não vive sem frases curtas e poderosas que serão citadas em vários sites manhosos. Depois, partilhadas por milhares de pessoas em forma de imagem (des)motivacional e com uma letra bonita e desenhada. Deixo alguns exemplos:

  • «Aproveita a liberdade de já ninguém esperar nada de ti.»
  • «Se o teu problema é seres demasiado pessimista de nada te serve pensares positivo.»
  • «A vida foi o que aconteceu enquanto te lamentavas.»
  • «Falhar só é uma aprendizagem se não for sempre.»
  • «O comboio da vida chegou com atraso e, mesmo assim, conseguiste perdê-lo.»
  • «Se a esperança já morreu o que é que ainda estás cá a fazer?»
Acho que é isto. Acham que tem potencial?




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