23 de julho de 2017

Quem morre na praia é parvo



Hoje, venho fazer serviço público. Vendo que se anda a gastar dinheiro dos contribuintes para fazer campanhas nas praias para alertar para o risco de instabilidade das arribas, decidi dar o meu contributo. A minha campanha de sensibilização passa por insultar toda a gente que ignora os avisos de perigo e se vai recostar na bela da arriba só porque bate menos o vento ou se tem sombra natural. Sou apologista que a selecção natural é cruel e que devemos ter uma sociedade que não assente em princípios darwinianos e da lei da selva, mas, no entanto, a selecção natural é necessária se quisermos passar para um patamar superior enquanto espécie. Não há nada de mal em preferirmos estagnar neste estágio de evolução, desde que percebamos as consequências e não nos queixemos, mais tarde, de haver tanta gente burra a sobre popular o planeta. Portanto, nos dias de hoje, em que a informação está acessível a todos, depois de várias notícias sobre mortes em anos transactos, basta visitar uma praia para ver muita gente de papo para o ar encostadinha a uma escarpa. Quem são estas abéculas que decidem colocar a toalha mesmo debaixo de um monte de calhaus periclitantes? No meu entender, dividem-se em três categorias: os burros; os destemidos; os matemáticos.

Vamos por partes: os burros.
Não é preciso ter grandes conhecimentos sobre física e geologia para perceber que ali há perigo, até porque está lá a placa a avisar. Basta olhar para os calhaus que estão cá em baixo e fazer a pergunta «De onde terá vindo esta pedra gigante com várias toneladas que se enterrou aqui na areia?». Não me parece um mistério como a construção das pirâmides de Gizé e basta olhar em redor para perceber que do mar não devem ter vindo. Claro que talvez esteja a ser ingénuo à espera de raciocínios lógicos por parte destas pessoas que, se calhar, pensam que as rochas das praias do Algarve vieram desde Marrocos ao sabor da corrente marítima. Talvez lhes seja muito difícil inferir que só pode ter sido resultado da erosão da arriba que fez os pedregulhos aterrarem ali. Depois, não é preciso saber que a aceleração da gravidade na terra é de 9,8 metros por segundo quadrado, para perceber que a rocha em questão não caiu como uma pena, nem veio a rolar delicadamente pela encosta a pedir com licença à moleirinha dos banhistas. Aquilo caiu com força e mesmo que não tenha atingido uma grande velocidade de ponta, a sua massa faz com que possua uma energia cinética capaz de esmigalhar um tenro corpo humano, por muito definido do ginásio que seja. De notar que muitas das pessoas que se colocam nesta situação de perigo gostam de se besuntar em óleo pensando, talvez, que as pedras batem nelas e escorregam para o lado. Os burros compõem a maioria das pessoas que se metem a jeito na praia e, permitam-me dizer embora não desejando a morte a ninguém, que merecem um bocadinho que lhes caia uma pedra solta de 500 quilogramas na nuca.

Os destemidos
Nada a dizer. Não tens medo da morte porque «calha a todos» e «o que aconteceu tinha de acontecer» tudo bem. É a tua forma de viveres a vida de maneira a que não tenhas de te responsabilizar por nada. Morre para aí, mas vê se não deixas cá pessoas a sofrer pela tua irresponsabilidade.

Os matemáticos 
Quais são as probabilidades de morrer nestas condições? Se calhar, menos do que andar de carro ou de morrer engasgado, não sei, mas um gajo tem de ir de A a B sem ser a pé e também tem de comer. Ir para debaixo de uma arriba é brincar com as probabilidades e toda a gente tem direito a fazê-lo, mas depois não me venham dizer que é uma tragédia. É só gente que morreu de forma parva e evitável. É como o pessoal que morre afogado com a bandeira vermelha ou que morre comido por um tubarão onde há sinais a alertar para esse perigo. Temos pena. Jogaste com as probabilidades e ganhaste o Euromilhões da morte.

Haverá uma fatia mínima das pessoas que não caem em nenhuma destas categorias e que apenas são desinformadas ou distraídas e que são as únicas às quais as campanhas de alerta podem servir para alguma coisa. São um bocadinho burras, mas têm desconto.

Agora, pergunto: se multamos as pessoas que não usam cinto de segurança, porque não multamos as pessoas que se colocam em perigo desta forma?

Penso que está previsto na lei, mas nunca - ou quase - foi aplicado. Isso ou obrigá-los a usar capacete. De mota, és multado se andares com os cabelos ao vento, mas ali ainda te vão sensibilizar e dizer «Sabia que estar aqui é perigoso?». Espanta-me a condescendência com as pessoas que escolhem ser burras. Especialmente os pais com os filhos que estão preocupados em besuntá-los com creme protector factor total e depois lhes dizem para se irem abrigar junto ao sopé da falésia. Parece-me óbvio que esta gente devia ser multada nem que fosse para pagar o dinheiro público que se gasta nas campanhas de prevenção e na remoção dos corpos quando acontece um acidente. Por tudo isto, tenho uma sugestão: sempre que alguém morrer soterrado deixem-se ficar os corpos e o funeral fica já feito. Não vale a pena mexer. Desenterrar um cadáver para depois voltar a enterrar é um desperdício de tempo e nos dias de hoje há que ser pragmático. Com sorte, as cruzes e as flores colocadas pelos familiares servirão de melhor alerta para os outros cidadãos burros e em vez de se gastar dinheiro o estado ainda lucra com o IVA das flores e do carpinteiro, se ele passar factura. Tudo isto com a vantagem de tornar os funerais bem mais alegres já que a família, depois de chorar sobre o leite derramado, pode ir dar um mergulho, tornando os versos de Fernando Pessoa «Ó mar Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?» numa pergunta pertinente.

Se quiserem partilhar o alerta ou identificar alguém que se costume meter encostado às arribas, estão à vontade. O meu alerta está dado, mas eu fumo (estou a deixar), por isso não sou ninguém para falar de gente burra que mete a vida em risco. Vocês é que sabem da vossa vida.




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