8 de janeiro de 2018

Comprar roupa: o drama de um homem branco e hetero



Sinto que há uma temática importante que a nossa sociedade recusa debater: o facto de, ano após ano, ser cada vez mais complicado, como homem branco heterossexual, comprar roupa nas lojas mais conhecidas. Sinto que nos dias de hoje, abordar este tema é como dançar sapateado num campo minado cheio de engenhos que podem explodir a qualquer momento, lançando pregos com as  palavras "homofóbico" e "racista" escritas, mas como tenho a consciência tranquila posso dar-me a esse luxo.

Começo por dizer que a imagem do post serve apenas para ilustrar. Bem sei que os gays não se vestem assim no seu quotidiano e que a parada gay é uma forma metafórica e hiperbolizada de festejar a liberdade sexual e acho muito bem. No entanto, dizer que não existe tal coisa como roupa gay é mentira. Deixando o politicamente correcto de lado, é notória a diferença que os vários grupos de pessoa marcam na forma de se vestir e, sendo certo que ser gay não é uma moda e que existem gays em todas as tribos urbanas, são sempre os que têm mais estilo, cuidado e arriscam mais.


Vês um grupo de mitras com bonés, fatos de treino e com brilhantes nas orelhas e de repente vês que um deles usa uma écharpe em vez de um cachecol para tapar a cara durante um assalto? É o gay.

Vês um grupo de góticos, todos vestidos de preto e olhos pintados com lápis e no meio destaca-se um que tem os atacadores das Doc Martens amarelos e usa uma lâmina Vênus para se cortar? É o gay. Não têm medo de arriscar e de ser diferentes. Não tenho problemas com a forma como os outros se vestem, o meu único "problema" é que a maioria das lojas está a dar preferência a esse tipo de roupa que arrisca e um gajo como eu fica sem grandes alternativas. No outro dia, entrei na ZARA e dei por mim à procura da secção de homem. Dei duas voltas e não encontrei. Abordei um dos empregados:

- Olhe, a secção de homem é onde?
- Ah... é esta toda. Esta loja é toda de homem...
- Ah... ok.

Percebi pelas sobrancelhas arranjadas do empregado e pela forma como andava, dando a parecer que era patinador, tal era a ligeireza com que deslizava ao locomover-se, que poderia interpretar a minha pergunta como ofensiva, mas não foi essa a minha intenção. Era uma pergunta legítima de um heterossexual que não tem grande noção de estilo. Vi casacos vermelhos compridos com botões dourados, vi camisolas pelo joelho e com transparências nas mangas e assumi que estivesse na secção de mulher ou no guarda-roupa do Diogo Piçarra e do Anselmo Ralph. Um erro legítimo, parece-me. Por vezes, a roupa até parece discreta, mas tem escondido um pequeno apontamento exuberante: letras nas costas com brilhantes, um forro com flores rosas, ou uma cintura demasiado estreita e descaída. O meu baixo ventre não foi feito para usar calças de cintura descaída. Ali, um homem que não use skinny jeans, camisolas daquelas que parecem um vestido, e cores berrantes com lantejoulas e golas de palhaço Batatinha, sente-se discriminado. Às vezes, só quero uma t-shirt preta, sem nada, só preta. Não quero letras roxas com estrelinhas, não quero brilhantes, não quero que seja com uma gola em V até ao umbigo, nem justinha no pneu. Sempre fui desproporcional da cintura para baixo (wink wink) com muito mais massa muscular nas pernas do que no resto do corpo. Daí, mesmo que não fosse por uma questão de gosto, é-me impossível usar skynny jeans porque se o fizer vou-me assemelhar a uma experiência falhada em laboratório entre um flamingo e um cavalo.

Sou do tempo em que havia uma clara diferença entre a roupa de homem e a roupa de mulher e em que as zonas correspondentes nas lojas eram facilmente destrinçáveis à vista desarmada. Hoje, tal não acontece. É preciso ser uma espécie de detective para perceber se estamos na secção de roupa de homem. À primeira vista, não parece, mas temos de procurar pela presença de saias ou vestidos para ter a certeza e, mesmo assim, não é garantido. Longe vão os tempos em que as cores vivas eram para as mulheres e em que os homens estavam cingidos a uma paleta de cores escuras e mortas. Não tenho problema com isso: tenho uma t-shirt laranja e outra amarela, por exemplo, sou um gajo que não nega o progresso, mas, tal como é complicado encontrar roupa quando se é um homem baixo ou gordo, começa a ser difícil sendo heterossexual e branco. Claro que sobram as lojas com roupa de tio de Cascais, com calças caqui e camisa branca com pólo azul, mas antes vestir-me como um pavão colorido do que como um gajo que gosta de touradas.

«Oh Guilherme, começaste por referir que era o homem branco heterossexual e só te vejo a escrever sobre a parte heterossexual, afinal o que é que a cor da pele tem a ver com o assunto?». Boa pergunta. Por norma, e reparem que estou sempre a generalizar sabendo que existem excepções, os negros têm uma forma diferente de vestir dos brancos. Apesar de sermos todos impactados pela mesma sociedade e moda, temos influências diferentes em várias fases da vida e o próprio facto de durante muitos anos as discrepâncias financeiras terem sido maiores entre raças, faz com que isso tudo se reflicta na forma como nos vestimos. Lembro-me de ver os meus colegas de escola com bonés dos Chicago Bulls e de querer um também, para ficar com estilo. Os meus pais compraram-me e mal o experimentei e me vi ao espelho, percebi que o único estilo que tinha era o de palerma. Vemos isso no hip-hop, cultura que influencia muitos negros: vestir merdas à parva e ficar com estilo sem saber como. Um negro safa um casaco vermelho com uma camisa amarela e uns sapatos de pele de crocodilo azul. Fica a mandar pausa. Um branco que opte pela mesma indumentária vai parecer um chulo daltónico. Acho que tem a ver com a confiança: talvez um negro arrisque mais na roupa porque tem maiores problemas com que se preocupar do que a forma como as outras pessoas olham para a maneira como se veste. Se calhar, enquanto eu estava preocupado se o casaco ficava bem com a camisa antes de ir para uma entrevista de emprego, um negro estava mais apreensivo que o entrevistador o pudesse achar demasiado escuro para a sua empresa.


Talvez seja por isso, por terem mais com que se preocupar, que arriscam roupa com mais confiança. Isso ou porque o preto dá bem com tudo, não sei.

Se pensarmos bem, isto da roupa das lojas estar cada vez menos branca e heterossexual é bom sinal. É sinal que, por um lado, temos grupos de pessoas que começam a ter mais poder de compra levando as marcas a pensar neles quando desenham as roupas e, por outro, que a sociedade está mais aberta e que outros grupos de pessoas se podem expressar através da roupa sem problemas de serem julgados. No fundo, este texto que à primeira vista pode parecer preconceituoso, é uma celebração do progresso social que temos tido. Tem bué camadas e eu sou um génio, é a conclusão que podemos, obviamente, tirar disto tudo. O problema, se é que é um problema, é que toda a nova questão da neutralidade e da fluidez de género - que diz que o masculino e feminino não são mais do que concepções culturais - assusta-me. Assusta-me porque se isso for a norma aceite pela sociedade, deixará de haver uma secção de roupa de mulher e de homem e tornar-se-á, analisando o padrão dos últimos anos, ainda mais, tudo numa grande amálgama indistinguível e onde irão dominar as pessoas que, por norma, mais gastam dinheiro em roupa: as mulheres e os gays. E pronto, lá vou eu andar com as mesmas calças de 2004 e com as mesmas tshirts que usava no secundário, todas rafadas e russas.

Dito isto, não tenho qualquer problema com a forma como as outras pessoas se vestem. Interfere zero na minha vida. Já sei que me estou a repetir, mas é importante não confundir: não tenho nada contra o Roberto querer usar botas de cano alto leopardo rosas, com um pavão a fazer de boina e com uma lanterna no rabo porque o seu animal preferido é um pirilampo. Posso gozar com isso e fazer piada como faço com o mitra de bolsa ao pescoço a pensar que é um são bernardo do gueto. A crítica nunca é baseada na orientação sexual ou raça, mas sim no ridículo que para mim possa ser vestir-se de uma ou de outra forma, tal como acho ridículo usar fato e gravata para dar uma imagem profissional e honesta quando os maiores ladrões que conhecemos são políticos e banqueiros engravatados. Só peço é uma coisa: é que as lojas comecem a ter para além da secção de homem e de mulher, uma secção de "Homem antiquado que não gosta de arriscar na vestimenta". Não é pedir muito. Vejam lá isso.




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