O meu passatempo favorito é observar pessoas. Quando se tem este hobbie, ir às compras pode tornar-se menos entediante e numa fonte de inspiração para o que escrevo (como o foi a mítica ida ao IKEA com a minha namorada) e tenho identificado alguns dos tipos mais caricatos de pessoa que encontro quando vou ao supermercado. Aqui ficam.
Os laricas
Dois amigos, na casa dos vinte, com um cesto na mão que contém apenas Pringles e Donuts. Estão com a larica da ganza. De olhos raiados de sangue como quem foi à natação e se esqueceu dos óculos em casa, discutem sobre quais os melhores sabores de batata frita e sobre que tipo de sumo devem levar. Nas pausas, vão teorizando se numa luta o macaco Adriano ganhava ao João Baião ou se nem o conseguia apanhar com ele sempre aos saltos. Vão percorrendo os corredores, onde, para eles, tudo é compra por impulso. Se calhar, vai apetecer uma merenda mista... é melhor levar. Se calhar, depois, vai ser preciso um frango assado com chantilly só para matar o bicho... é melhor levar. Chegam à caixa e o empregado pergunta se querem número de contribuinte na factura e eles respondem «Não é preciso, levamos na mão.». Em seguida, vão directos à loja do lado comprar mortalhas e jogar em dez raspadinhas antes de seguirem viagem, a conduzir a dez à hora.
O estudante
Este é fácil: é igual ao de cima se estiver com a moca, caso contrário tem apenas um cesto com toda a comida que vai precisar essa semana: um pacote de esparguete, uma lata de atum, seis ovos e uma lata de salsichas. Tudo marca branca. Ah, e um vinho cujo valor máximo é um euro e meio.
A mãe do capeta
Ouvem-se gritos e urros, parecendo um javali a jogar à cabra cega num quarto cheio de pioneses no chão, mas é só uma mãe que está a passar por mais uma vergonha em público devido ao seu rebento ranhoso. Ele guincha, esperneia, rebola no chão e anda em aranha invertida como se estivesse possuído por Satanás. A mãe está de mãos atadas: se não lhe ligar, toda a gente a olha de lado por não fazer nada; se lhe pega num braço e lhe dá um safanão até lhe saltarem os dentes de leite, toda a gente a julga pensando que não é com violência que se educam os saguins cagões. É o que dá ter levado o puto só para ter prioridade na fila para pagar.
O macho inseguro
Um homem, de barba rija, passeia junto à zona dos chocolates e bolachas. Pega numa caixa, olha para ambos os lados e, ao ver que não é observado, verifica o número de calorias. Tem medo que duvidem da sua heterossexualidade se o virem preocupado com os nutrientes e calorias de um qualquer alimento. Muito rapidamente, passa no corredor dos produtos orgânicos e biológicos, mete daquelas bolachas que parecem pipocas e que não sabem a nada para dentro do cesto e, se alguém o vir a fazer isso, diz num sussurro audível «Acho que foram estas que ela pediu para eu levar...».
A velha
Desloca-se com a velocidade de uma preguiça manca, com um carrinho que vai utilizando para esbarrar nas pessoas para as avisar da sua passagem. Carrinho esse que fica sempre parado no meio de um corredor, a criar uma espécie de barricada entre a velha e a fruta, que ela faz questão de apalpar toda, uma a uma, especialmente as bananas, antes de escolher a melhor e mais madura. Encontra sempre uma amiga com quem fica a conversar e a seguinte frase surge sempre: «Hoje vou fazer só uma sopinha para o jantar», ao que a outra responde «Vou fazer pudim flan que o meu filho vai lá jantar... e a minha nora também vai com ele, claro, tem de ser.». A velha, lenta mas enxuta, ao chegar à caixa começa a padecer de todo o tipo de dores e problemas na junta da cabeça e articulações, gemendo ao de leve para que a deixem passar à frente.
O descontos
Aquele tipo de pessoa que apenas se movimenta na zona das promoções. Para poupar, acaba por levar trinta produtos que não estavam na lista só porque estavam a 50% de desconto e podem dar jeito. Escolhe sempre os vinhos pelo preço antes da promoção e, quando chega à caixa, saca de uma caderneta de cupões e arranja sempre merda porque diz haver um artigo que ele afirma ter visto cinco cêntimos mais barato na prateleira. Obriga a patinadora a ir lá verificar, fazendo com que toda a gente, na fila, bufe e olhe uns para os outros em sinal de desaprovação. A patinadora chega e, afinal, o preço estava certo e ele errado. Como quem não quer engolir o orgulho diz «Se calhar o produto estava no sítio errado, mas pronto, sendo assim já não quero que está muito caro». Diz que não quer sacos e enfia tudo para dentro de uma bolsa marsupial, apressado, porque ainda tem de ir a mais três supermercados comprar outros produtos que viu estarem em promoção no catálogo.
O não-preciso-de-cesto
Um homem que vai com ideia de comprar apenas dois ou três artigos. Não leva cesto e começa por colocar um pacote de esparguete debaixo do braço; um garrafão de água na outra mão e apercebe-se de que é melhor levar dois pacotes de leite. A eles junta-se meia dúzia de ovos, seis iogurtes, pão, caixa de cereais, uma grade de cervejas e dois pacotes de pastilhas. Podia ter ido buscar um cesto, a qualquer momento, mas, agora, já é tarde. Deixa cair um artigo, baixa-se para o apanhar e caem outros três, recolhe-os e tenta equilibrar tudo no que mais parece ser um casting para o Cirque du Soleil. Este é o mesmo tipo de pessoa que, quando faz compras para o mês inteiro, tem como missão fazer apenas uma viagem do carro até casa. Não interessa se é no terceiro andar, sem elevador, o que interessa é que cabem dez sacos em cada mão, com os dedos quase decepados pelo plástico que os pressiona devido ao peso. Quando consegue, regozija-se na sua própria vitória, mas pensa «Será que não tinha ficado menos cansado se fosse lá duas vezes?».
O fim do mundo
De vez em quando, vemos passar alguém que nos faz pensar se o mundo estará para acabar e ninguém nos avisou. Dois carrinhos cheios, um apenas com latas de atum e o outro com batatas fritas e fruta enlatada. Ou aquele senhor está a construir um bunker para sobreviver ao Apocalipse ou vai fazer o maior paté de atum para figurar no Guinness. Avança com os seus carrinhos e vai ao encontro de outro que também é seu: cheio de garrafas de refrigerante de dois litros e pacotes de gomas. É aqui que percebemos que, afinal, ele está a preparar-se para algo pior do que o fim do mundo: um aniversário de crianças.
O "a minha mulher está doente"
Um gajo meio zombie que se arrasta pelos corredores em busca de produtos que não faz ideia onde estão porque é a primeira vez que vai às compras. Tira senha na zona do talho, espera meia hora e, quando chega à sua vez, pergunta ao senhor se tem tampões. Deve ter sido enganado ao ver tanto sangue. Vêmo-lo passar dez vezes por cada corredor, numa espécie de prova de orientação dos escuteiros cegos, sempre com uma lista na mão e o telemóvel na outra que utiliza para ir ligando à mulher a perguntar «Como é que eu sei se o arroz é integral ou não?», «Detergente para a roupa também dá para a loiça ou são diferentes?» e «Onde é que eu peso a fruta?». Demora duas horas para comprar meia dúzia de produtos e fica a valorizar um bocadinho mais a mulher.
E é isto. Devo confessar que já fui, algumas vezes, o larica, estudante, macho inseguro e o não-preciso-de-cesto. Um dia, se tudo correr bem, serei a velha. O velho, vá.
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