20 de setembro de 2019

Valete Vs "Feministas" e Politicamente Correctistas



Valete, um dos rappers mais aclamados de Portugal - por pessoas que efectivamente gostam de rap e não pelas alunas do 7º A de Cascais que acham que rap é malas Gucci e carros alugados no stand do Alfredo só para o show off do vídeo - está no meio de uma polémica devido à sua última música. Para quem não a viu e ouviu, aqui fica:


Numa das notícias lê-se que este novo tema está "a ser associado a um apelo à violência contra as mulheres e humilhação do sexo feminino.". Muitas vozes insurgiram-se, dizendo que é uma péssima influência para a sociedade, especialmente para as crianças, dando o exemplo de um miúdo de 11 anos que gosta muito do Valete. Pois, se calhar os miúdos de 11 anos não deviam ver aquilo, tal como não devem ver um filme do Tarantino. Os pais que lhes metam trela que o Valete não é o Batatinha nem nunca quis ser. Estamos a falar de um gajo que sempre pautou o seu percurso por uma mensagem de igualdade e de activismo pelos mais marginalizados e esquecidos. Um gajo que sempre se assumiu de esquerda e que pelas letras parece ser de uma esquerda bem extremada, mas não tão extremada quanto aquela que agora anda por aí e que parece confundir arte com opinião.

Confesso que sempre achei estranho que o politicamente correcto perseguisse humoristas, mas se esquecesse dos rappers. Sempre achei estranho levar-se uma piada a sério e ninguém fazer isso com as letras de rap. Se a moda pega, não sei se há moralistas do sofá suficientes para escrutinar piadas e letras de rap ao mesmo tempo. Vão começar a ter trabalho e isso significa que rapidamente se calam. Os comediantes e os rappers têm muito em comum: estão na moda, só precisam de um micro e enchem salas em todo o país. O rap sempre foi o patinho feio da música, tal como o stand-up sempre foi o patinho feio do teatro. As coisas mudaram e ambos têm projecção e monetização e é muito por isso que os holofotes lhes estão apontados. Falam da responsabilidade que devem ter, mas na verdade é tudo muito por causa do buzz que dá falar neles. As pessoas podem não gostar e dar a sua opinião? Claro! Não podemos acusar as pessoas de serem intolerantes respondendo com intolerância sobre as suas opiniões. Não gostar? Legítimo. Achar violento? Tudo bem.

Achar que é uma apologia à violência e humilhação das mulheres? Podem ter essa opinião, tal como posso opinar que quem pensa assim é meio atrasado mental.

Aliás, é por aí que quero começar: quem acha que aquilo é um apelo à violência sobre mulheres é um atrasado mental. Pode ser interpretado dessa forma por atrasados mentais que gostam de bater em mulheres? Pode, não digo que não, tal como o Kill Bill pode ser interpretado por gajas malucas como um apelo a vestir um fato de treino amarelo da Primark e comprar uma espada para andar a matar gente na rua. Gente que interpreta mal as coisas haverá sempre, dos dois lados da barricada e, pasme-se, são ambos totós. Tanto os pseudo feministas, como os machistas que também viram as coisas desse prisma.

A meu ver, o vídeo é uma curta metragem, uma história e, como tal, nem precisa de ter mensagem. Retrata, até, a realidade, infelizmente. Sim, as mulheres também traem e há homens que quando são traídos matam as mulheres e os amantes. Infelizmente, o que o Valete retrata acontece vezes a mais pelo mundo inteiro. Acho que só um palerma é que vê aquilo como um normalizar ou incentivar violência sobre mulheres. Para mim, aquilo, além de ser arte e um bom rap em formato de storytelling, pode ser um alerta. É um murro no estômago para algo que acontece, retratado de uma forma crua e violenta como merece, sem paninhos quentes. Se calhar, até faz mais pela prevenção da violência sobre mulheres do que artigos da Fernanda Câncio.

Por exemplo, à pala do Valete, já vários artigos sobre a violência foram escritos e feita a chamada de atenção de que só este ano já morreram 21 mulheres vítimas de violência doméstica. O machista afinal está a alertar. Giro. Se calhar é esse o papel da arte, agitar as aguas, não sei, o burro devo ser eu. Quer dizer, se até Dezembro morrerem 100 mulheres e todos os homens que as mataram tiverem no histórico do YouTube a música do Valete, aí se calhar temos de dar a mão à palmatória e perceber que o Valete é um génio que apenas com uma música consegue influenciar tanta gente, embora ninguém tenha assassinado o Bush em 2004 quando ele lançou o rap "Fim da Ditadura". Estranho. Aliás, a culpa dos tiroteios é dos jogos de computador, como todos sabemos, e agora de cada vez que um caçador acertar chumbada na cara da mulher, a culpa é do Valete.

Se o BFF incentiva o femicídio, então "Os Maridos das Outras" do Miguel Araújo é um incentivo a ridicularizar e generalizar todas as mulheres que nunca estão contentes com o que têm; o "Faz Gostoso" da Blaya é uma apologia à traição e à utilização de roupa de marca cara por pessoas de bairros sociais.

Se o Valete incentiva a que se matem mulheres, então o David Carreira incentiva à surdez.

Entre os que criticam o Valete, aposto que há alguns que continuam a gostar do Chris Brown e até foram ao concerto dele em Portugal em 2016. É que se virmos bem, a música dele não fala de bater em mulheres, por isso é na boa. Por acaso, ele bateu em mulheres, mas há que separar a obra do artista neste caso. Vejam o Paco Bandeira que em nenhuma das músicas dele falava de violência doméstica. Isso sim, é um homem a sério que guarda essa parte pessoal para si e não anda aí a influenciar negativamente as pessoas com as suas letras. "Ó Elvas ó Elvas, levas uma que te vazo uma vista" poderia ter tido muito mais sucesso, mas o Paco é um senhor.

Quase que aposto que nenhum dos homens que matou mulheres este ano era fã de rap. Pelas idades e geografia, aposto que muitos gostavam de Tony Carreira. Vamos culpar o Tony? Não digo que não haja pessoas legitimamente preocupadas com a influência negativa que pensam que um vídeo daqueles pode ter. Acredito que sim, mas a maioria é "Olha isto a bater bué no YouTube, boa oportunidade para eu aparecer um bocadinho e mostrar a todos o quão boa pessoa eu sou e talvez angariar uns guitos!" Só para não me chamarem hipócrita por estar a fazer o mesmo, todo o dinheiro gerado com esta publicação será doado à minha cadela para comprar biscoitos.

Os que criticam e apelidam de grotesco e perpetuador de discriminação de género, são muitos dos que idolatram as Kim Kardashians da vida e, já que querem saber a minha opinião, essa é que influencia milhões de jovens mulheres a serem fúteis e talvez esse seja um real perigo para a luta feminista.

A arte tem de ser livre, mesmo que às vezes tenha repercussões indesejadas. Perigoso é limitar essa liberdade e achar que toda a ficção têm consequências reais. Nesse caso, a "Paixão de Cristo" seria um incentivo à violência contra o pessoal de barba e cabelo comprido; o "Jurassic Park" seria um incentivo a não confiar em gordos que sabem de computadores; e o "Titanic" seria um incentivo à desigualdade porque o Leonardo é que se fodeu à pala da Kate que não lhe deu um espacinho na porta e, além de discriminar os homens, discrimina os pobres, pois a Kate era rica. Buh. Devia ser proibido! Ah, e é uma das razões pelas quais as pessoas não se preocupam com o aquecimento global porque deu muito mau nome aos icebergs que ainda hoje tentam recuperar da má fama com que ficaram. É certo que o filme Jaws influenciou muitas mortes de tubarões, mas falar disso podia prejudicar o meu ponto de vista.

Não digo que a arte não tenha consequências reais no mundo, já que influencia a cultura e correntes de pensamento, mas acalmem lá as patarecas metafóricas e deixem de ser coninhas. Há verdadeira violência contra mulheres, há verdadeiro racismo no mundo, há verdadeira discriminação de género e de orientação sexual em muitos sítios. Acho que o último onde deviam procurar era em músicas de rap, mas é mais fácil, eu sei, até porque ficou nas trends e nem foi preciso pesquisar nada. Até sou da opinião que muito do rap norte-americano perpetua um estereótipo negativo para comunidades negras e que pode influenciar negativamente os jovens a acharem que vender droga e viver no crime é cool e gangsta. Agora, se os problemas da sociedade e desigualdades estivessem resolvidos, não era o rap que os levava para o crime. O rap é reflexo da sociedade, não é causa dos seus problemas. 




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