13 de janeiro de 2020

Não tenho classe para brincar aos ricos



Há uma semana decidi brincar aos ricos. À classe média alta, vá. Fui passar umas noites a um hotel de cinco estrelas ali para os lados de Sintra, uma coisa como deve ser, com SPA, piscina interior e outras mordomias que senti que, depois de um ano de muito trabalho, merecia. Na verdade, gastei em três noites o que tinha poupado em 4 meses sem fumar. Quanto fumava por dia? Já estão a querer saber demais sobre a minha vida.

Cheguei ao hotel luxuoso, perdão, ao resort - estas coisas de rico têm de ter nomes em estrangeiro) - montado ao volante do meu carro: um Renault Clio de 2002, com 250 mil km e todo ele com aspecto de sucata. Vários empregados à porta do hotel não conseguiram não olhar para o meu carro, fascinados a pensar que era um clássico ou que tinha chegado o jardineiro. O meu carro não fazia sentido ali, era claramente o pior e naquele estacionamento era como a Maria Leal num desfile da Victoria's Secret. Lá saio do carro, a pausar o meu casaco da C&A e os meus ténis da Primark, e dirigimo-nos para a entrada onde estava um um senhor que abanava a mão perto do sensor para abrir a porta automática. Ser rico é isto: teres um senhor que te carrega em botões e activa sensores com o seu próprio corpo, numa espécie de escudo humano contra os infravermelhos.

Quando nos vêem aproximar, vem um empregado a correr para ajudar com as malas. Tanto eu como a minha namorada levávamos uma mala com rodinhas daquelas que conta como bagagem de mão, mesmo naquela companhia aérea mais merdosa. Ou seja, era pouca coisa. Aproxima-se e pergunta se pode ajudar, dizemos que não é preciso e afasta-se, desejando uma boa estadia. Nisto, vem o gajo da mãozinha a abanar que activa sensores e tenta levar-nos as malas, também. Digo que não é necessário, mas ele está determinado e dirige-se à minha namorada dizendo que insiste. Ela diz que não é preciso e ele agarra na mala e tenta tirá-la da mão dela quase à força. Nós voltamos a dizer que não é preciso e ele tira as mãos e faz uma cara do género "Esta gente é estranha!" que deve ser a mesma cara que ele faz quando vê alguém a comer peixe com faca da carne. Devem ter ficado a pensar "O que será que aqueles dois, que apareceram num carro de assaltar ourivesarias, levam naquelas mala para não nos deixarem transportar?". Nada de valioso ou perigoso, mas nenhum de nós é aleijadinho nem tem alma de nobre que precisa de um servo para lhe carregar coisas que ele pode carregar sem esforço.

Na recepção recebem-nos a falar em inglês - porque eu tenho todo um ar de inglês ou alemão - repondo em português, mas utilizando a palavra "check-in" só para os baralhar. Tudo giro, sim senhor, pedem cartão de crédito, não tenho, cartão virtual não dá porque os ricos não gostam de progresso, paguei com débito mesmo à rico que eles até se passaram. Ali a pagar por um hotel quase o que vale o carro que eles tinham visto chegar.

Quando nos viram chegar naquela máquina devem ter pensado que vinha aí um vale de experiências odisseia que alguém nos tinha oferecido no Natal. Chupem, preconceituosos.

Um dos empregados reconheceu-me e veio dizer que gostava do meu trabalho e eu fiquei a pensar se os empregados dos hotéis não deviam ter ordens para não fazer isto. Imaginem que eu estava com a minha amante? Era chato. Finalizámos o check-in e, mais uma vez, tentaram insistir para nos levarem as malas ao quarto, mas recusámos. A obsessão que esta gente tem com malas? Credo. Têm rodinhas e há elevador e nenhum de nós é coxo, maneta ou entrevado. Chill. Bem, chegámos ao quarto e era bom, deluxe que se é para brincar aos ricos é para ir para o segundo mais barato, grande e com uma cama ideal para quem tem mais do que uma mulher o que, infelizmente, não é o meu caso. Coisas más de não ser Mórmon nem Sunita. Quando um gajo brinca aos ricos, mal se chega ao quarto dá-se aquele espectáculo de ir deitar na cama a testar o colchão e abrir os armários todos a ver o que tem. Xiii, tem ferro! Como se algum de nós fosse usar. Xiii, tem chapéu de chuva. Uau! Um gajo vai à casa de banho e olha para os frascos de champô e gel de banho como quem diz "Shhh, já te venho cá buscar para ires passear". É fingir que se tomou dois banhos por dia que eles vão limpar e arrumar o quarto duas vezes por dia e repor tudo porque, pelo vistos, os ricos são uns furões badalhocos que sujam e desarrumam tudo a toda a hora.

Da varanda via-se o campo de golf, razão pela qual, além dos carrinhos e roupas ridículas, também havia muitos senhores grisalhos com namoradas com mamas postiças. Apesar de ser um resort isolado não dão essa desculpa para não oferecer wi-fi "Ah, não temos internet para ser um retiro". Forretas é o que é. No entanto, quando te ligas ao wi-fi, fazendo login com o número do quarto, ele pergunta se queres fazer upgrade para teres mais velocidade por "apenas" 5€ por hora. Pior, levam-te ao engano para clicares em "continuar", a pensar que estás apenas a fazer login normal, mas se o fizeres começa logo a descontar. Sim senhor, boa forma de chular os ricos, mas eu não sou estúpido e a net "normal" dava para ver Netflix na boa, por isso a de "alta de velocidade" é só para os burros pagarem. Fui ver o mini bar, preços em lado nenhum o que é sinal que é tudo caro. Lá encontrei a lista numa gaveta e... palermice. Acham que este menino vai comer amendoins que custam 8€? Não, não era uma saca de 2kg, eram, talvez, 17 amendoins. É amendoim descascado com os pés por crianças do Tibete ou merda assim? Meia dúzia de gomas a 10€? Mas é goma feita com período de uma das espécies mais raras do mundo que é a virgem de Massamá? Tenham juízo. Um gajo faz o que tem de se fazer que é ir ao mini-mercado mais próximo e encher um saco com tudo o que é aperitivos e bolachas para o caso de dar a larica no quarto não ter de se pedir um crédito pessoal.

Bom, fomos trocar de roupa para rumar à piscina aquecida ou, como dizem os ricos, health club. Tinha sido a razão da estadia, a piscina interior, jacuzzi e sauna e essas coisas que as pessoas a entrar na meia-idade dos 35 anos precisam.  Chegando lá, tivemos de comprar duas toucas porque uma coisa é um gajo entrar com o cu cagado e mal lavado; com os genitais peçonhentos; com o corpo cheio de bedum de três dias e aquela parte de trás das orelhas a cheirar a roquefort; outra coisa é entrar sem touca na piscina.

Cinco euros por uma touca que vai para o lixo porque tem o nome do hotel estampado e não se vai usar noutro sítio que parece que se está a ostentar tanto como um gajo andar de mão dada com uma gaja no meio do Instituto Superior Técnico.

A minha vida nesses três dias foi muito estar ali, entre piscina e sauna, jacuzzi e banho turco, a julgar as pessoas à minha volta, especialmente as crianças que faziam barulho e não saíam do jacuzzi. Parecendo que não, as bolhas do jacuzzi são perfeitas para abafar os pedidos de socorro e camuflarem o último ar a sair dos pulmões de uma pessoa pequenina que guincha. Os jacuzzis têm sempre a informação "É clinicamente desaconselhado utilizar por mais de 15 minutos seguidos". O que eles têm de inventar para os hipocondríacos como eu não ficarem lá o dia todo.

Ao final do dia, estamos no elevador para sair e um dos empregados pergunta "Vão jantar connosco, hoje?". Vais vais, pensei eu, vamos ali a um tasco em Alcabideche que isto aqui é para palatos e carteiras apuradas. Disse que não e ele perguntou se tínhamos o carro com eles. Disse que sim e ele diz que pode ir preparando tudo. Preparando tudo? pensei, mas achei que fosse pagar o parque ou assim, não sei. Ele pergunta qual o carro e eu digo que é um Clio e percebi logo pela cara dele que estava a tentar perceber se era o novo modelo da Porsche ou da Maserati. Ele perguntou "é aquele da chave fininha?" e eu comecei a desconfiar que a conversa não estava a fazer sentido. "Não, a chave é esta aqui" e mostro-lhe e ele "Ahhh, pensei que tivesse no nosso serviço de valet". Ri-me. O incrível que seria deixar o meu carro no serviço de valet e ver a cara deles quando tivessem de entrar no carro que está forrado a pelos de cão, que  cheira a um misto de hamster com Pringles e que parece o ecoponto amarelo e azul num só. Nota: o estacionamento era mesmo em frente à porta do hotel. Quem pede valet ali é quem gosta de chegar a sítios anunciado com cornetas ou quem tem carros caros e não os sabe estacionar sem raspar. Mulheres com maridos ricos, portanto. Piada fácil que tinha de ser feita, lidem com isso.

Quando voltámos do jantar estacionei mesmo em frente à porta para os hóspedes quando acordarem para ir jogar golf pensarem que havia uma exposição de carros antigos. Saímos do carro com sacos de plástico, confiantes, sabem lá eles se aquilo são Oreos e Doritos ou se é caviar e Cabernet Sauvignon. No dia seguinte, foi acordar cedinho que o pequeno-almoço estava pago. Pequeno-almoço daqueles que um gajo come até sentir que não vai precisar de almoçar. Ovos mexidos e bacon só porque sim que em casa nunca se come isso às dez da manhã; sumo de laranja natural aos litros para nos vingarmos de todos aqueles sumos em copo fininho e com gelo pelo qual pagámos três e quatro euros em cafés nessa vida fora. Sabes que estás a exagerar quando depois de comer tudo isso te levantas e dizes "Bem, agora a sobremesa".

Quando um pequeno-almoço tem sobremesa, estás a jogar na Champions da alarvidade. Lá fui eu buscar donuts e tartes e bolinhos que estas artérias não se vão entupir sozinhas.

Numa das noites decidimos ir jantar a um dos restaurantes do hotel. É tudo demasiado caro, mas um dia não são dias. Exceptuando uma vez em Londres, nunca tinha gasto mais do que 40€ por pessoa numa refeição e diria que o meu preço médio de jantares fora ronda os 20€, já com bebida incluída. Lá fomos a um que iria ficar pelos 60€ por pessoa, mas as reviews eram boas. Pouca gente a um sábado o que é logo de desconfiar; tudo muito à média luz para os casais que estão juntos por dinheiro não se sentirem mal-dispostos; e tudo muito silencioso. Os ricos não falam alto. Aliás, os ricos no restaurante pouco falam uns com os outros. Estão ali calados e, de vez em quando, sussurram um "O seu prato está bom?" e um "Este vinho é esplêndido, quer provar?". Sim, isto foi a conversa inteira durante o jantar de um casal na casa dos trinta que estava ao nosso lado. Já tinha visto a ementa na Internet, mas ao vivo tem outro impacto. 7€ uma coca-cola? Foda-se, andamos a brincar. Uma coisa é um prato ser caro. Pode ser dos ingredientes, da técnica usada, da experiência e nome do chefe, etc. Outra coisa é uma garrafa de água custar 5€ e uma coca-cola custar 7€. Quando vejo isso penso logo "Ah, então este prato também não vale 30€, está apenas inflacionado 3x como o resto do menu" Está bem, é o que é, lá pedi umas bochechas de porco. Estavam boas? Estavam, desfaziam-se na boca e bem temperadas. Já comi igual ou melhor numa tasca por 9€? Já. A carne da minha namorada, salvo seja, estava médio e estou a falar em termos de sabor e não médio de ponto de carne que isso significava que tinham acertado no que foi pedido e não tinha vindo demasiado passada e seca. Pá, por trinta euros é para acertarem no ponto da carne e ainda te fazerem uma massagem nas virilhas, mas enfim. A sobremesa era boa, mas se aquilo vale 13€ tenho de subir o meu cachet para o triplo. No fim, foram os tais 60 e poucos euros por pessoa e se tivessem sido 30€ tinha sido caro para o que foi. Não era mau, a refeição foi boa, mas quando se paga 60€ sem vinho nem nada, o mínimo que se espera é que seja melhor refeição do que qualquer outra que custe 20€ e, especialmente, que um gajo não consiga fazer melhor em casa.

Tanto no restaurante como no hotel o staff era todo muito simpático e prestável e não parecia aquela simpatia forçada de quem caça a gorjeta até porque é óbvio que quem tem o carro que eu tenho não dá gorjeta a ninguém a não ser que me façam algo que eu não estava mesmo à espera e fora das suas responsabilidades. Imaginem que peço se podem ir ajustar a temperatura do jacuzzi e a senhora o faz com um sorriso na cara e, por iniciativa própria, traz-me umas uvas e ainda me efectua um felácio sem mãos? Sim senhor, toma lá 5 euritos para comprares uma coisa bonita para ti. Por isso, todos eram genuinamente simpáticos. Menos o o gajo da mãozinha a abanar para activar o sensor, esse tinha pinta de otário.

Depois da azia do jantar, ceguei ao quarto e apetecia-me uma água da pedras que estava no mini bar, mas custava 4€. Não é que eu seja forreta, se fosse não estava ali a pernoitar, mas custa-me pagar coisas inflaccionadas só porque sim. Ora bem, sabem como fica uma água das pedras, depois de bebida, voltada a encher com água da torneira do lavatório e fechando bem a tampa? Ora bem, fica a parecer mesmo água das pedras nova e por abrir. Bebi duas. E uma água tónica.




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