28 de junho de 2017

Juntos Por Todos, Peidar Pelos Dois



O mundo tornou-me um cínico. Estava a ver o concerto solidário «Juntos Por Todos» e só pensava que aquilo era uma premissa excelente para um episódio do Black Mirror: transformar a solidariedade em entretenimento. Ajudar os outros fazia-te ganhar pontos que depois podias usar para descontos no supermercado ou assim. Angariou-se mais de um milhão de euros e há quem olhe para isto e veja o copo meio cheio e que é lindo ver que nos unimos em alturas de catástrofe. Eu, meio cínico, meio idealista frustrado, olho para isto com essa sensação, mas, também, com a de «Afinal até conseguíamos mudar o mundo se quiséssemos só que nos estamos a cagar porque a mudança do mundo não passa na televisão.». Se, ao menos, ao lado de cada sem-abrigo houvesse uma câmara a transmitir em directo para todos os canais e tu pudesses ir lá ajudar, mandar props para o teu pessoal da Régua e ligar para a tua mãe a dizer que estás na TV, a coisa seria diferente. Se, ao menos, os sacos do Banco Alimentar contra a fome tivessem uma app integrada que te permitisse partilhar automaticamente no Facebook com quanto quilogramas de comida é que acabaste de ajudar, a coisa seria diferente.

Pensei, também, em qual será a diferença entre fazer uma piada com uma tragédia ou cantar e dançar alegre ao som de uma música num concerto com uma tragédia em pano de fundo, especialmente com músicas «Anda comigo ver os aviões» que só se fosse para os contar e termos a certeza de que não caiu nenhum antes de lançar notícias. Nenhuma diferença: ambas servem para sacudir o medo da nossa própria desgraça. Claro que o momento da noite não foi a união entre as pessoas nem o dinheiro angariado para ajudar as vítimas, mas sim o que o Salvador Sobral disse. As pessoas têm um dom de passar do mood de solidariedade para o mood de ódio nas redes sociais em menos de dois segundos. As pessoas, quando é para dizer mal, têm um motor mais potente do que um Ferrari e um arranque mais rápido do que um Tesla com a diferença de que emitem gases nocivos ao ambiente sempre que abrem a boca. O rapaz fez, ou tentou fazer, uma piada e disse a palavra peido! Uhhh, que falta de chá! Pelo que ouvi o público riu-se bastante, o que valida a piada, seja boa ou má aos nossos olhos. Tenho para mim que as pessoas que ficaram indignadas com ele são as mesmas que ficam preocupadas com o destino do dinheiro angariado sem terem contribuídoVi mais gente ofendida com isto do que com o Passos Coelho a lançar boatos sobre suicídios.

Parece que os artistas têm de ser mais politicamente correctos do que os políticos têm de ser correctos.

As pessoas têm todo o direito de achar inconveniente aquele comentário e de não terem gostado, atenção, o que não percebo é a prontidão com que vão para o Facebook despejar o seus carregadores cheios de munições de frustração apontando as suas armas que parecem ter as miras desniveladas, já que escolhem sempre os alvos errados. Parece que estão a ver um evento solidário sempre à espera do momento para se ofenderem como se ser solidário lhes estivesse a consumir todas as forças e precisassem de uma dose de indignação para curar a ressaca. A mim ofende-me mais quem tem uma fotografia a dizer luto e que tendo possibilidade de ajudar, escolheu não dar um único euro porque dava muito trabalho. Aquilo pode ter sido só uma piada ou pode ter sido uma crítica disfarçada de piada já que antes ninguém ligava ao rapaz e agora tudo o que ele faz é considerado genial e, sim, se ele fizesse um álbum a tocar trompete com o cu as pessoas, nesta altura, compravam na mesma. Como artista, isso deve ser triste ver que a tua qualidade interessa menos do que a tua popularidade. Era o momento ideal para fazer essa crítica ao público? Talvez não, mas que mal vem daí ao mundo? Ao menos ele ajudou doando dinheiro e com o seu trabalho. É o momento certo para, a meio de um concerto solidário, se estar na Internet a dizer que ele estragou o evento no qual ele ajudou a angariar mais de um milhão? Acho que nenhuma das vítimas vai estar preocupada se o dinheiro vem com ou sem molho.




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