Um dia conheci um pintor cego, talvez um cego que pintava ou apenas um pintor. Não via com olhos, da maneira que todos nós vemos as coisas. Mas via de outra maneira, observava tudo ao pormenor, com um detalhe que à vista desarmada não conseguimos discernir. Contemplava a verdadeira essência das pessoas, a sua real beleza. Quem vê caras não vê corações, diz-se amiúde por ai. Leonardo (não sei se seria mesmo esse o seu nome) sem ver as caras sem saber como era um coração, sentia-os, quase que lhe palpitavam nas mãos. Pintava com uma única cor, não interessava qual era, não lhe fazia diferença, escolhia uma e com essa começava e terminava os seus desenhos, as suas pinturas, as suas fotografias mentais. Era mágico desfolhar as suas folhas soltas, as suas telas amontoadas e pensar como seria o mundo se fosse pintado às mãos de Leonardo. Para ele o mundo era assim, e era só seu. Nunca em todas as nossas conversas lhe tentei explicar que o que desenhava não era bem assim na realidade. Minto.. uma vez, da primeira, mas desisti. Era tão belo, tão utópico, que achei por bem não ter o direito de lhe deturpar a realidade tal como os meus olhos o fazem a mim. Os seus quadros eram repletos de sentimentos, nenhum deles mau. Havia diferença mas não racismo, havia sensualidade e beleza em todos os tipos de caras e corpos. Não havia repulsa. Formas abstractas de objectos que mesmo ao toque não conseguia discernir a sua forma exacta. Obras de arte da mente, formas fantasmagóricas belíssimas, luminosas, cheias de vida. Um mundo fantástico que não existia, só na sua cabeça e, por pequenos momentos na minha, quando me sentava com ele e conversávamos sobre as histórias por detrás de cada uma daqueles rascunhos, como ele gostava que lhes chamar. “Tudo é um rascunho, sujeito à mudança, a melhoramentos, dar por terminada uma coisa ou é desistir ou é arrogância”, disse-me ele uma vez. Não esqueci. Fez todo o sentido. Ainda faz.
30 de maio de 2013
29 de maio de 2013
Cavalheirismo é disparate
Acho o cavalheirismo parvo. Gosto da boa educação e respeito, quando se justificam, mas acho cavalheirismo discriminatório. Ora vejamos:
- Pagar o jantar (especialmente se for primeiro encontro). Não sou forreta mas acho descabido. Aliás, até o posso fazer mas porque sim e não porque fica bem. Se uma mulher repara que não pagaste o jantar provavelmente não merece um segundo encontro. Esta tradição existe por duas razões: A primeira porque a mulher não era economicamente independente e então ficava bem o homem pagar, agora com a igualdade isso já não faz sentido, seria continuar a descriminar. A segunda razão nasceu pelo facto de o homem pensar que aumenta as suas possibilidades de praticar o coito pagando o jantar à donzela. O pior é que é capaz de ser verdade.
- Ceder o lugar a uma mulher. Se eu não estiver cansado e a mulher em questão vier carregada de sacos e com um ar de quem vai ter um AVC cedo o meu lugar sem problemas. Mas também o faria se fosse homem. Agora privar-me do meu descanso só porque antigamente se fazia devido à ideia de que as mulheres eram seres mais fracos não me agrada. Não gosto de descriminar. Quem tem energia para andar 10 horas num centro comercial, correr 30 lojas com 10 sacos na mão de saltos altos tem certamente energia para aguentar uns minutos em pé.
- Mulheres e crianças primeiro. Escandaloso. Crianças ainda vá que não vá nem que seja para não as termos que aturar aos berros na fila de espera, agora mulheres e homens em pé de igualdade se faz favor. É eu apanhar-me num naufrágio a ver se cedo o meu lugar na fila dos botes salva vida. Até passo a frente se for preciso!
- Ceder o casaco quando estão -4ºC ao Sol porque a mulher achou que não devia levar casaco pois não tinha nenhum que ficasse bem com aquelas botas: Temos pena. Estão-se sempre a gabar que as mulheres têm mais capacidade de sofrimento que os homens e mais resistência à dor, então ai está uma boa maneira de provar tais afirmações. Até porque depois ficamos constipados e com febre e como nós somos mais mariquinhas vamos queixar-nos muito mais que elas. Por isso não há que arriscar. Se eu tiver calor e ela frio cedo cavalheirosamente o meu casaco, mas se depois começar a sentir um fresquinho, peço-o de volta.
- Abrir a porta para uma mulher passar primeiro. Fica bem? Sim, mas quando é voluntário, porque quando me tentam passar a frente faço questão de passar eu primeiro e não segurar a porta. A não ser que a mulher em questão justifique deixá-la passar para poder observar melhor outros ângulos. De certeza que foi para observar glúteos que essa moda surgiu.
Concluindo, sou um romântico mas igualitário.