27 de julho de 2015

Nunca quis ser bombeiro



Quando eu andava da 4ª classe, fiz um teste em que uma das perguntas era "Gostavas de ser bombeiro?". A minha resposta foi "Não" e a professora meteu-me errado. Foi parvo da parte dela porque cada um tem direito a querer ser aquilo que lhe apetecer, mas calculo que intenção dela fosse a melhor. Fosse dizer-me que ser bombeiro é bom, tem valor e que todos os devemos ter na mais alta consideração. Não querer ser bombeiro não significa que não lhes admirasse a coragem. 
Todas as crianças, especialmente meninos, querem ser bombeiros quando são pequenos. Eu não. Eu nunca quis apagar fogos e arriscar a minha vida pelos outros. Nem em pequeno, no auge da ingenuidade, tinha essa coragem de entregar a minha segurança para um bem maior, para salvar e ajudar pessoas que eu não conheço. 

Ser bombeiro voluntário é tão "simples" quanto isso. É dizer que se está disposto a arriscar a vida pelos outros, a troco de nada.

Portugal tem poucos meios para fazer face aos incêndios que o mutilam. Quando digo meios estou a falar dos físicos: carros, helicópteros e todo o tipo de material que é preciso para enfrentar as chamas numa luta, por si só, desigual. Mas, em termos de meios humanos, tem muito, há cerca de 42 mil bombeiros voluntários em Portugal. Homens e mulheres que decidiram que queriam fazer do mundo um local melhor. Homens e mulheres de sangue quente, que salvam vidas de pessoas e animais, velhos e novos, durante todo o ano. Não estão ali por dinheiro ou por uma carreira com regalias, estão ali apenas para ajudar sabendo que em troco apenas receberão o sentimento de missão cumprida. Talvez essa missão cumprida não seja assim tão pouco e valha mais do que um ordenado chorudo ou um estatuto privilegiado na sociedade. Talvez esse sentimento de ajudar os outros, para eles seja mais que isso tudo, o que lhes dá ainda mais valor por valorizarem o que realmente interessa.

Nos Estados Unidos da América, ser bombeiro é das profissões mais respeitadas. Lá, as mulheres ficam logo molhadas com um bombeiro e não estou a falar de quando são atingidas pelos jactos das suas mangueiras. Jactos de água, entenda-se. Por cá, que eu saiba, para além de não serem assim tão valorizados, também não me parece que se safem assim tanto com o sexo oposto. Neste texto sobre as bastonadas no adepto do Benfica, falei disto mas em relação a polícias e disse, também, que não gostava de fardas, já que achava que eram sinal de formatação, lavagem cerebral e falta de tomates para questionar a autoridade. Alguém comentou a dizer "Então e as fardas dos bombeiros?" e eu pensei que realmente era verdade, que a farda dos bombeiros não está manchada nem suja pela corrupção e falta de profissionalismo. Talvez por não serem profissionais mas sim voluntários, só lá estejam os melhores. 

Quem comete o crime de fogo posto, devia ter penas mil vezes mais pesadas. Primeiro, porque incendiar alguma coisa que não as cuecas de uma mulher, é de uma cobardia extrema. É de quem quer ser criminoso mas não tem inteligência para assaltar bancos, carisma para controlar um gangue e coragem para assaltar uma velha, com medo de levar com a bengala. Depois, porque é muitas vezes por motivos fúteis. Por questões de seguros ou de venda e compra de terreno. É o ser humano num dos seus expoentes máximos de desumanidade e desrespeito pelo qual faz parte. É tomar o verde do planeta como seu, a fonte que nos dá vida, e achar que se pode esfumaçá-lo e reduzi-lo a cinzas, para ter mais peso no bolso e sem isso lhe pesar na consciência. Só por isto já seria mau, mas saber que ao fazê-lo se estão a matar centenas ou milhares de animais e, ainda, a colocar em risco a vida de homens e mulheres que vão tentar apagar o inferno que ele criou, a troco de nada, é só ser-se baixo. É nojento. É de quem não merece o oxigénio que respira e que pelos vistos não precisa. Era condená-los a prisão perpétua e obrigá-los a usar umas cuecas que aqueciam até aos 100º celsius, três vezes por dia, durante meia hora, e impedi-los de comprar halibut.

Quando morre um bombeiro nas chamas, morre um bocado de todos nós. De todos que não tiveram coragem de estar lá a lutar, por ele ou ela e, sobretudo, por todos nós.

Por tudo isto e muito mais que merecia ser escrito com maior eloquência do que a de um Domingo à noite, queria agradecer a todos vós, bombeiros voluntários, por vestirem a farda, o capacete e a máscara e irem para o meio do fumo e do fogo, mostrar que a humanidade tem quem se preocupe com ela. Obrigado a todos por garantirem que se um dia houver um fogo no meu prédio da Buraca, vão estar cá a incentivar-me para saltar da janela para os vossos braços, mesmo vendo que não sou leve e que, provavelmente, esmago-vos na queda. Há quem diga que é preciso coragem para atravessar a Cova da Moura a pé, mas coragem é a que vocês têm. Todos vocês têm uns enormes testículos, mesmo (ou especialmente) as mulheres bombeiras. Como comecei por dizer, nunca quis ser bombeiro, continuo a não querer e ainda bem. Gostava de querer, mas isso deve ser guardado apenas quem pode e tem esse altruísmo hercúleo, maior que as chamas, mesmo aquelas gigantes que, por vezes, vos engolem. Desejo-vos um Verão o mais tranquilo possível e que não vejam morrer nenhum colega. Mas se virem, não lhe chorem a morte, porque não foi em vão. Agradeçam-lhe. Agradeçam-lhe por mim também.




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