23 de novembro de 2016

Como os aniversários mudam ao longo dos anos



Com o passar dos anos, vamos encarando de forma diferente os aniversários e a forma como os comemoramos.

1º aniversário
As primeiras festas de anos não são para os aniversariantes, mas sim para os pais do bebé que o querem exibir, orgulhosamente, a todos os familiares e amigos. Querem mostrar a todos os seu grande feito de ter conseguido que a cria não falecesse nos primeiros doze meses. Sim, os pais, por esta altura, ainda contam a idade do filho em meses, tal como aqueles casais de namorados peganhentos que fazem publicações no Facebook, aquando de um mês de namoro, com juras de amor eterno acompanhadas de fotografias que, invariavelmente, contém montagens ranhosas com corações e letras de todas as cores. Neste aniversário os pais aproveitam para fazer inveja aos amigos que ainda não têm filhos, tentando convencê-los que passar noites em branco e ser espirrichado com urina é algo lindo e majestoso que o milagre da vida traz consigo. As crianças são inundadas de presentes que nunca vão usar e chegam ao fim do dia com um princípio de cataratas causado pelos flashes de todas as fotografias. Fotografias essas que serão posteriormente colocadas no Facebook com um emoji a tapar a cara da criança, não vão os papás ter um pedófilo na lista de amigos do Facebook. Desconfiam, principalmente, do Alfredo, cinquenta anos e divorciado, que mete fotografias com pouca luz, em tronco nu e óculos escuros, tiradas com a webcam no quarto. Bem, isto é a desculpa que eles dão, porque na verdade a maioria das vezes é porque a criança é feia.

Dos 6 aos 10 anos
A excitação que antecede o dia de anos, por volta desta idade, é aquela que nunca mais se sente na vida. Contamos os dias para o tão esperado evento e acordamos com os níveis de energia no máximo para gritar ao mundo que fazemos mais um ano de idade. Queremos uma festa com bolo cheio de bonecada e convidamos todos os nossos amigos da escola, mesmo aqueles que não gostamos muito que é para ficarem roídos de inveja ao verem-nos abrir todos aqueles presentes ou para não os deixarmos jogar na consola. Com esta idade há três festas: uma na escola; outra com a família em casa; e outra num qualquer parque de merendas com escorregas. No meu tempo era no Alvito ou no Parque dos Índios da Serafina, ambos em Monsanto, onde meninas de indumentária duvidosa se alinhavam à beira da estrada para se deixarem desembrulhar a troco de dinheiro. Comemos, saltamos, brincamos e fazemos planos para o que queremos ser quando formos grandes: astronauta, bombeiro ou operador de telemarketing. O bolo vem, sopramos as velas e pedimos desejos na confiança pura de que irão, todos, realizar-se.

14 anos
Com a chegada da puberdade e da adolescência as crianças já não querem festejar os anos com a família e, por isso, há duas hipóteses: ida ao cinema ou jantar num restaurante chinês. Pelo menos, na minha altura era assim, em que com 14 anos ainda éramos crianças inocentes com pais que não nos deixavam sair à noite para fumar e beber até cair. Enfim, pais rígidos de outrora que não deixavam os filhos divertir-se. Convidamos os amigos todos da escola, mas já não convidamos aqueles dos quais não gostamos tanto porque começamos a perceber que a maioria das pessoas não vale a pena o tempo que perdemos com elas. Convidamos a rapariga pela qual temos um fraquinho e, qual jogador de xadrez, fazemos com que acabe por sentar-se mesmo ao nosso lado, ou à nossa frente, só para depois descobrirmos que come de boca aberta e ficarmos desiludidos. O bolo vem, sopramos as velas, mas já não pedimos desejos. Já não temos a inocência para acreditar nessas coisas.

18 anos
É a loucura! Finalmente, a maioridade e, finalmente, os donos de estabelecimentos vão vender-nos álcool! Há jantar fora com direito a bebida à discrição e, invariavelmente, bifinhos com natas e cogumelos. Pedimos boleia aos pais para nos irem levar, mas já não nos despedimos com um beijo porque temos a mania de que já somos adultos. O pai despede-se com um «Tenham juízo.» e a mãe com um «Não trouxeste o casaco? Eu disse-te que à noite fica fresco. Queres te que vá buscar o casaco a casa e já to trago?». Respondemos com «sim» à parte do juízo e com um «não» enquanto reviramos os olhos, acenamos e nos afastamos. Passados dez minutos de perdermos de vista o carro dos pais, já estamos bêbados. Bebemos copos de penálti, seja de mão direita ou esquerda, porque não queremos cheirar a leitinho no esplendor dos nossos dezoito anos. Somos adultos, pensamos. A meio do jantar a nossa mãe liga-nos para saber se está tudo a correr bem e cometemos o erro de atender ao pé dos nossos amigos que começam, logo, a fazer barulhos de gemidos de mulher e a gritar «Gira lá a ganza, ó Guilherme.». Saímos do restaurante e vamos beber shots. Depois, vamos a uma discoteca qualquer onde um amigo jura a pés juntos conhecer um RP que nos mete lá dentro de borla. Chegamos lá e somos barrados, claro. Vamos a outra qualquer até aquilo fechar. Vamos para casa de táxi e passamos numa padaria para o caso de os nossos pais estarem a acordados dizermos «Levantei-me cedo e fui comprar pão.». Vemos que ainda estão a dormir e tentamos não fazer barulho, mas deixamos cair as chaves no chão e ao apanhá-las derrubamos um candeeiro que cai contra a janela e parte os vidros que, por sua vez caem, em cima da cabeça de um vizinho que grita de agonia até os nossos pais acordarem.

Dos 20 aos 30 anos
Os festejos de aniversário mantêm-se mais ou menos os mesmos durante uma década. Vamos sempre ao mesmo restaurante com o mesmo menu porque em equipa que ganha não se mexe. Continuamos a privilegiar a quantidade de bebida face à qualidade da comida e os amigos vão sendo os mesmos. Vão-se juntando alguns que conhecemos no trabalho, enquanto outros tiveram de emigrar e os que tiraram sociologia ou filosofia não têm dinheiro para ir jantar fora. Dizem que aparecem depois de jantar, mas acabam por ficar em casa porque ir para a noite sem dinheiro para beber é como ir a Roma e não ver o Papa, embora quase ninguém que lá vai o veja. Há sempre aquele amigo que leva a namorada nova, mesmo que só namorem há duas semanas. Ninguém gosta dela e todos pensam que tem ar de quem lhe mete os cornos, mas ninguém diz nada.

30 anos
Chegamos aos trinta e os aniversários já não são bem um motivo de celebração. Começamos a perceber que, na melhor das hipóteses, o melhor terço da vida já passou e nós ainda não fizemos nada de jeito do que tínhamos sonhado. Como já somos crescidos já nos mandamos para um jantar com menu de 20€ e já não pedimos vinho da casa, armados em enólogos de palato apurado. Ainda temos aquele amigo que não trabalha e que não pode ir. Temos o amigo que trabalha por turnos e também não vai. Temos os que tiveram filhos há pouco tempo e se separassem da sua cria por umas horas o mundo acabava. Há sempre confusão nas contas e nos pratos porque começa a haver vegans, pessoal intolerante ao glúten, pessoal que só come carnes brancas e pessoal que não bebe porque conduz ou está a antibiótico. Vamos com a ideia de sair até ser dia, mas às duas da manhã começa a dar a soneira e começamos a ter miragens com o quentinho dos nossos lençóis. Ainda assim, resistimos e vamos para a discoteca onde acabamos sentados em pufes a olhar à volta e a pensar «Pareço pai desta gente... no meu tempo isto não era assim, só gajos com t-shirts decotadas e gajas com ar de madrinha de casamento do Toy.». Vamos para casa, depois de gastarmos as senhas todas em gin. A ressaca demorará dois dias a passar.

40 anos
A entrada nos "entas". Fartos de convidar toda a gente que já nunca aparecia, fazemos uma coisa mais pequena em casa, só para amigos chegados. Há quem traga os filhos pequenos sem avisar e há quem venha munido de cinco mil fotografias das férias que fizeram nas Caraíbas a pensar que estão a trazer valor para o jantar. Vamos controlando o que bebemos porque já sabemos que a ressaca agora dura uma semana. Compramos vinho caro com a desculpa de que dá menos dor de cabeça, mas a verdade é que já não nos contentamos com o mesmo de há uns anos. Queremos mais e mais caro. Trabalhamos para isso e a vida é para ser aproveitada. É nesta fase que há quem se lembre que era giro fazer uma festa temática e aí vemos pessoal quase nos cinquenta mascarados de Peter Pan e Sininho como se fossem para o Carnaval da Damaia. Se não forem solteiros, as prendas que recebem nesta altura dos amigos são sempre de cariz sexual: vibradores, lubrificantes, livros kamasutra, preservativos com sabores. A vossa mulher preferia que fosse um candeeiro ou jogo de toalhas. 

50 anos
O dia que outrora nos enchia os olhos de brilho e felicidade, alheios à nossa pressa desmedida de crescer, é agora o dia que nos lembra que a meia-idade chegou. A meia como quem diz, porque provavelmente não chegaremos aos cem. Fazer cinquenta anos é uma data importante e convidamos todos os amigos para uma jantarada à antiga, mas onde as conversas já não são as mesmas. Os temas, agora, versam sobre planos poupança e reforma, spreads, propinas das faculdades dos filhos, doenças e medicina alternativa. Há sempre alguém do grupo que está a tomar medicamentos homeopáticos e que jura a pés juntos que foram a única coisa que lhe resolveu as hemorroidas. No final, vai-se a uma discoteca daquelas cheias de divorciados cinquentões no engate. Passam músicas dos anos oitenta e dançamos até os joelhos permitirem. O dia seguinte é passado na cama a ver filmes de domingo à tarde ou programas de música pimba. É por volta desta idade que há pessoas que começam a ligar para os números de valor acrescentado. Várias vezes, porque quanto mais ligar, mais hipóteses tem de ganhar.

60 anos
Já morreu um ou dois amigos com cancro ou outra doença que nos leva quem gostamos cedo demais. Sentimos que a única coisa boa que vem aí é a reforma, embora tenhamos medo dela por sabermos que é a última paragem. Pensamos que devíamos ter poupado mais. Janta-se com alguns amigos próximos e percebe-se que os planos de festejar os anos em Las Vegas ou no Havai, com toda a gente, nunca vão ser concretizados. Em vez disso, vai-se ao restaurante mais próximo de casa. Recordam-se histórias e mostram-se fotografias antigas. Os homens sentam-se todos de um lado da mesa, a falar sobre bola e a discutir política. As mulheres agrupam-se do outro lado a falar sobre feiras e a mostrar fotografias do novo sofá que compraram para a sala. Um dos casais vai embebedar-se e discutir sobre lides domésticas e forma de educar os filhos. Fica um ambiente estranho e vai tudo dormir.

70 anos
Só festejamos porque queremos que a família se junte toda. Filhos, netos, amigos que restam, tudo numa mesa a a recordar o passado ou a antecipar o futuro dos mais pequenos. Percebemos que está tudo a passar cada vez mais rápido e que o que menos importa são as prendas. Nunca deviam ter importado, pensamos, mas as pessoas fazem questão de nos oferecer: pijamas, robes e mantas. Tudo o que é preciso para uma velhice quentinha e confortável. Fazemos a piada do «Vamos aproveitar que este pode ser o último aniversário.», tentando afugentar a morte com o humor porque é para isso que ele serve. As pessoas riem e dizem «Ainda estás aí cheio de saúde, ainda nos vais enterrar a todos.» Pensamos que ser coveiro depois de reformado não era o nosso sonho. O bolo vem, mas tem creme de ovos e nesta idade isso vai dar-nos a volta ao intestino. Apagamos as setenta velas em fases porque se soprarmos demais deslocamos a bacia e borramo-nos todos.

80 anos e restantes
Os nossos amigos de quando éramos jovens já não aparecem. Já há alguns anos que deixaram de celebrar anos de vida e passaram a ter outro aniversário em que os presentes são sempre flores. Vem o bolo, trazido por uma empregada do lar, e nós ficamos a pensar quem é que será que faz anos. Ao que parece somos nós, mas já nos vamos esquecer a seguir, uma e outra vez. Os filhos vieram visitar-nos neste dia especial. Não o faziam desde o aniversário passado. Mentira, no ano passado não vieram porque se tinham esquecido e foram passar férias para o estrangeiro. Sopramos as velas, cai-nos a placa, e não pedimos desejos. Não por já não acreditarmos em magia ou por nos termos esquecido, mas porque sabemos que já não há tempo para os realizar.

Ficou um clima pesado. Peço desculpa.




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