30 de julho de 2018

Arrumar a casa com a namorada ao fim de semana



Percebi que estou velho e castrado quando este sábado, ao acordar, a minha namorada diz "E se este fim de semana não sairmos e ficarmos a arrumar a casa?" e eu não só digo que sim, como recebo a ideia com bastante entusiasmo. Quando vamos ficando mais velhos, a perspectiva de ter uma casa arrumada deixa-nos contentes e a ideia de acordar a um sábado ou domingo cedo e sem ressaca parece-nos fascinante e faz-nos sentir vivos.


Então, foi com grande euforia interna que lhe gabei a iniciativa pois o nosso pequeno T2 já se assemelhava a uma arrecadação de um T0 cujos proprietários são uma família de furões.

Somos ambos, igualmente, desarrumados, dirá a minha namorada. Concordo, mas o problema é que cá em casa existem muito mais coisas que são dela do que minhas, o que se traduz em muito mais coisas desarrumadas da parte dela. Ou seja, em termos relativos desarrumamos igual, mas em termos absolutos a bagunça com o nome dela é incomparavelmente maior à minha. Ela dirá que não e tentará censurar esta parte do texto, mas serei rijo e comprarei esta guerra em prol da verdade e do humor. Por exemplo: ela tem cerca de 54 vezes mais roupa do que eu - isto fazendo contas por baixo - e usa uma ou duas mudas por dia; eu, trabalhando em casa, ando com a mesma t-shirt três dias seguidos; até escolher o outfit do dia, ela experimenta quatro ou cinco que depois de serem rejeitados não voltam para o sítio onde estavam arrumados; eu, muitas vezes, levo a camisola do pijama por baixo de um casaco para ir passear a cadela ou ir ao café; na casa de banho eu possuo uma escova de dentes e uma lâmina de barbear enquanto ela possui tudo o resto que existe nas três gavetas e dois armários. Só o facto de ela ter malas, muitas como qualquer mulher, faz com que se isto de desarrumar se tornasse modalidade olímpica, fosse uma espécie de Usain Bolt contra um gordo amputado e sem próteses numa corrida de 100 metros.

A casa nem sempre está muito desarrumada; há tarefas definidas: eu faço o comer e lavo a loiça todos os dias, a minha namorada trata da roupa quando eu me queixo que já estou a fazer reciclagem de boxers e meias. O pó ninguém limpa que ele sossegado não chateia ninguém e mais vale deixá-lo quieto a alcatifar as prateleiras do que passar lá um pano e irritá-lo, fazendo com que esvoace e se aloje nas nossas cavidades. Aspirar também é disparate visto que temos uma cadela. Portanto, arrumar prende-se com não ter roupa nem lixo espalhado pela casa, algo que é difícil porque a minha namorada tem alma de coleccionadora, mas como é indecisa quanto ao ramo do coleccionismo ao qual se dedicar, decide guardar tudo. Se formos à casa de banho podemos pensar que ela colecciona embalagens vazias de condicionador de cabelo, recipientes para lentes de contacto ou giletes cheias de ferrugem, mas não: custa-lhe mandar coisas fora. Mandar roupa fora? Isso é uma espécie de pecado capital que nunca lhe passaria pela cabeça. E se a roupa volta a estar na moda? E se os gostos dela mudam? É melhor guardar tudo.


Ela tem dois portáteis, um que funciona e o outro que não liga o ecrã, mas que ela se recusa a mandar fora porque pode precisar um dia, sendo que esse dia está para chegar há mais de quatro anos.

Lá nos preparámos para a epopeia que se avizinhava durante este fim de semana em que o Verão decidiu chegar só para nos fazer pirraça. Arrumar a casa é uma ciência e é preciso planear; temos de traçar uma estratégia que nos permita o menor esforço possível e usando vários algoritmos - que aprendi no curso de engenharia - lá determinei o caminho de custo mínimo e calculei que era melhor arrumar a cozinha primeiro. Arrumei tudo enquanto ela tratou do nosso quarto. Seguiu-se a casa de banho da qual foram extraídos dois sacos cheios de embalagens vazias de cremes e maquilhagem e afins. Nesta operação de limpeza a fundo à qual chamei "Solução Final", abro uma caixa e encontro um molho de cabelo que parecia vindo de um campo de concentração Nazi. Assustei-me ao perceber que podia estar a viver com uma serial killer que mata mulheres, ou homens de cabelo comprido, e lhes guarda as madeixas como troféu, mas não, afinal eram extensões que ela tinha usado uma vez. Como se não bastasse o cabelo natural dela a entupir o ralo do poliban.

O tempo passa depressa quando nos estamos a divertir, demos por nós e já eram quase horas de jantar. Decidimos que já chegava por hoje já que amanhã era domingo e depois ficávamos sem nada para fazer. Acordámos cedo, um pequeno almoço dos campeões com ovos mexidos e bacon para haver energia para o dia inteiro, algo que foi um erro porque sujou muita loiça, a juntar à do jantar que fiz no dia anterior, e lá tive de recomeçar tudo na cozinha e percebi que, afinal, deveria ter ficado para o fim. Tratámos da sala e do resto da casa, e quando estávamos quase a terminar, a minha namorada começou a quebrar, tal como os grandes atletas quebram no último quilómetro da maratona. Ela não faz exercício desde as aulas a que não faltava em Educação Física do 12º ano e eu deixei de fazer desporto há uns três anos, pelo que também não estava melhor, mas não quis dar parte fraca e puxo por ela e digo "Vá, só mais um bocadinho, está quase." numa espécie de personal trainer de empregadas domésticas. Aliás, se os vizinhos estivessem a ouvir a conversa, talvez pensassem que estávamos a fazer sexo em vez de limpezas:

  • "Se começámos é para acabar!"
  • "Anda lá que eu dou-te uma mãozinha."
  • "Tens de esfregar melhor!"
  • "Deixaste isto aqui tudo sujo."
  • "Ainda há espaço para arrumar isto aí dentro?"
Lá conseguimos terminar quase tudo, fora a roupa que falta passar, a roupa que ainda falta lavar e estender depois da outra secar. Entretanto, a cozinha tem mais loiça para lavar e a cadela já urinou no hall de entrada e roeu as fronhas novas da almofada. Moral da história: vamos contratar uma empregada.




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