19 de janeiro de 2014

Stand up Robbery



Fui assaltado com uma seringa uma vez. Por acaso estava na altura do meu checkup mas não estava numa de apanhar HIV. Não me dava jeito nesse dia. Lembro-me várias vezes desta história de há 13 anos, principalmente na altura do Natal. Não parece ter associação mas atentem na história. Ao contrário das coisas que eu invento esta passou-se mesmo assim, sem tirar nem por.

Com 16 anos, talvez, vou eu e um amigo a sair da escola e a caminho de casa, já perto da Cova da Moura, esse bairro bonito, quando vem na nossa direcção um homem nos seus 30 anos talvez. Poderia ter menos e estar apenas desgastado pela droga embora não parecesse. Vinha de roupa suja de tinta branca e com uns papeis nas mãos. Não tinha o ar doente e escanzelado de um drogado, tinha antes um ar saudável mas desleixado de um homem das obras. Abordou-nos:

- Vocês sabem ler desenhos?
Bem nisto um sorriso instalou-se, pensando nós que o gajo estava bêbedo ou era maluco. Não desconfiámos no que viria a seguir.
- Bem aqui também só há isto para ler - diz ele rindo-se e apontando para uma legenda no que afinal parecia ser a planta do pavilhão novo que andavam a construir na escola.
Mais uma vez pensámos, pronto é mesmo maluco. Não há problema, malucos é o que não falta por aí.
- Pois... - dissemos nós em uníssono tentando não dar muita conversa mas continuando a não dar importância.
- Bem isto serve para vos desejar um Bom Natal - (estávamos em Março) - Se lá chegarem....
Com isto apercebemo-nos que afinal aquilo era capaz de ser um assalto ou um homicídio. Mas ficámos mais inclinados para o assalto. O gajo mete as mãos dentro das calças e aí se calhar passou-nos pela cabeça que afinal era só uma violaçãozita inofensiva. Tira a mão e trás com ele uma seringa, tapada, já que devia estar acondicionada no escroto e ficar espetado por acidente não deve ser agradável. Não esboçámos reacção e ele continuou:
- Bem estou a precisar de uns trocos para a minha dose portanto vamos lá ver o que têm para me dar. É que eu tenho SIDA, ou como se diz em inglês AIDS.
- Eu não tenho nada, nem trouxe carteira, só tenho canetas e livros que só vim fazer um teste - disse eu.
- Eu também fiz um teste há 2 anos. Deu HIV positivo. - disse ele numa das melhores comebacks que eu já ouvi.
- E telemóveis? - diz ele começando a por a mão ao bolso do meu amigo.
Tirou de lá um daqueles Nokias topo de gama da altura que vendo bem teria sido uma excelente arma de arremesso para lhe mandar nas trombas:
- Ao menos deixa-me ficar com o cartão... - diz o meu amigo.
- Ok, tira lá isso - diz ele.
- Vais-me dizer que também não tens telemóvel?! - pergunta-me ele em tom incrédulo.
- Pois não tenho mesmo. Sou a única pessoa da turma que não tem por acaso...
Sempre calmo e nós também, por fora claro. Mas começou a ficar nervoso:
- Já me estou a passar contigo! Dá-me o relógio então! - Disse ele para mim.
Eu dei sem resistir na minha inocência em dizer - Não vale nada também...
Entre dar o relógio, tirar o cartão e mais 5€ do bolso que o meu amigo tinha, entre olhares à volta a ver se alguém nos acudia, entre pensamentos de fugir ou empurrar, de lhe tirar a seringa da mão e arriscar, nada fizemos e ninguém fez nada.
- Vá fiquem bem e nunca se metam na droga. Que os anjinhos e essas merdas todas estejam com vocês.

E pronto a história é esta com menos uns detalhes visuais que a fizeram mais rica como ele nos mostrar os braços todos cravejados com furos e rasgões. Havia nele um arrependimento quando se foi embora mas a droga era mais forte que ele. Deve ter morrido algures já, mas deixou em mim uma história gira para contar.
Moral da história? Andem com seringa tapada se a acondicionarem nas virilhas. Isso e não se metam na droga. Mas se meterem já sabem.




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