6 de janeiro de 2015

As mulheres e os saldos: Apocalypse NOW!



Chegou aquela altura em que batalhões de mulheres se juntam à porta de lojas nos centros comerciais, prontas para a guerra, quais soldados largados nas praias da Normandia. Dentes cerrados, com um terço da Parfois ao pescoço, rezam à Pipoca Mais Doce para que consigam alcançar aquele par de sapatos e mala da Zara a 50% de desconto. Para que aquele vestido da Mango ainda haja no tamanho L, mas que se houver no XS também dá porque é ano novo e ano novo é tempo de fazer dieta. Vão com um brilho nos olhos que só elas e os bombistas suicidas têm, por saber que apesar do sofrimento, o paraíso com 72 vestidos virgens as esperam.

Natal para as mulheres não é dia 25 de Dezembro, mas sim quando as lojas colocam aqueles cartazes, ainda misturados com a decoração natalícia, a dizer "ATÉ 70%"

É a altura em que elas confundem os significados dos verbos "precisar" e "querer", numa dislexia que lhes é apanágio, mas que se acentua à entrada de cada nova colecção. É também a altura em que as mulheres demonstram que não são o sexo fraco, mostram-se com mais resistência que um atleta olímpico do heptatlo, capazes de andar durante 8 horas, despir e vestir roupa, carregar sacos, algumas com saltos altos, sem comer nem se hidratarem, mas mesmo assim capazes de despenderem energia a empurrar outras colegas de batalha. A Primark, especialmente a do Colombo, torna-se na trincheira mais importante a conquistar, no último reduto que precisa de ser desbravado, custe o que custar. Não interessa se são precisas 5 horas na fila, discussões e olhares azedos para 150 outras mulheres em busca daquele último par de meias de vidro a 2€ com desconto de 80%. Nada disso interessa quando se consegue passar a porta, com o saco da vitória albergando as compras feitas e a ilusão do dinheiro poupado em roupa que ficará no armário para ser usada apenas uma vez. Ou nem isso.

Há todo o tipo de guerreiras nesta Jihad dos preços baixos. As que vão preparadas para a batalha, de calças de fato de treino e ténis, cabelo apanhado e unhas cortadas sem verniz. Sabem que vai ser preciso lutar e esgravatar por aquele top que lhes faz falta, que podem ter que correr, saltar obstáculos e, quem sabe, lutar até à morte com as infiéis. Há também as guerreiras que não conseguem abdicar de toda a armadura de beleza. Têm que ir de saltos, vestidos justos e unhas de gel acabadas de fazer, incautas ao perigo que se avizinha. Chegam a casa com 5 dessas unhas partidas, 3 extensões ao pendurão, os dois tornozelos torcidos, o que acaba por até ajudar a não coxear, mas ainda assim com um sorriso desdentado de orelha a orelha por terem conseguido gastar só 300€ em 30 peças de roupa, que vão guardar ainda não sabem onde.

Há as que levam consigo uma amiga, que usa um tamanho diferente de roupa, que é para não haver tanta discussão. Ainda assim, quando ficam as duas de olho no mesmo casaco de pelo da Bershka, os seus olhares soltam faíscas e tentam dissuadir-se mutuamente de o comprar. "Acho que a Cristiana, a vaca da namorada do João, tem um igual... se calhar é melhor não...", diz uma delas, que invariavelmente volta lá sozinha no dia seguinte para o comprar. Outras levam apenas o namorado, arrastado qual enfermeira na 2ª Guerra Mundial na frente de combate para dar apoio, na maioria das vezes apenas emocional, visto que já não há nada a fazer que salve e lhes renda o corpo da perdição. 

Há outras ainda que levam ambos, a amiga e o namorado, ou como elas lhe chamam naquele dia, "O cabides"

Ele anda ali, com cabides presos nas orelhas a dizer que tudo lhes fica bem e que nada as faz ficar gordas. Às vezes perde-se no meio de uma loja e fica ali, qual espantalho de roupa a olhar em redor, pensando que consegue reconhecer a namorada ao longe por entre todo o batalhão de mulheres bélicas. Quando as encontra pede desculpa, mas elas refilam com ele na mesma e dão-lhe mais 37 peças de roupa para ele segurar. Há apenas alguns namorados, poucos, que conseguem ficar em casa, a rezar para que as suas amadas voltem sãs e salvas, com as unhas e os cabelos todos, mas acima de tudo excitadas com as compras que fizeram para ver se há festa essa noite. Perguntam sempre se elas compraram uma lingerie sexy, mas a resposta é quase sempre não. Quando é sim é para estranhar.

Já sei que estão a pensar que estou a ser machista mas não, estou apenas a constatar factos. Certo que também há homens que vão aos saldos, muitos, mas numa percentagem irrisória quando comparada com a das mulheres. Aliás, basta ver as lojas que há de produtos de homens e de mulheres num centro comercial. Mesmo as que são mistas, basta comparar o tamanho da secção de roupa de homem de H&M com a de mulher. Mas sim, também há homens que participam nesta barbárie, muitas vezes em busca da prenda da namorada que ainda não deram pelo Natal, pensando que vão poupar algum, na ingenuidade de um primeiro namoro, sem saberem o caos que vão encontrar. Há ainda outros homens, que levados pelas tendências da moda, vão em busca daquele cachecol de farripas, daqueles óculos de massa, ou daquela camisola aos quadrados pretos e vermelhos para condizer com a barba, sempre de lágrima no olho pelo facto de ser proibido usar-se machado na rua. Depois claro que há os outros, os gays e metros que rezam, não à Pipoca Mais Doce mas ao Cláudio Ramos. Esses são os sortudos, porque como já aqui escrevi antes, às vezes, em muitas lojas, custa-me distinguir as secções de roupa de homem das de mulher.

Os saldos reflectem bem a forma do mundo girar ao contrário. Fazemos todos parte desse motor, quer queiramos quer não, deixamo-nos influenciar por uma etiqueta que diz "-30%", mesmo sabendo lá no fundo que estamos a pagar muito mais do que aquilo realmente vale, nem que seja porque quem a fez recebeu tostões. Poupamos mesmo gastando em coisas que não precisamos realmente, porque todos gostamos de descontos, menos os que temos que fazer no salário, mas quanto mais nos obrigam a esses, mais nós queremos os outros. E assim o mundo segue o seu rumo, torto por linhas direitas, que não foram traçadas por nós mas às quais nos mantemos fiéis, embora os nosso princípios digam o contrário. Sou bué profundo às vezes, se fosse gay podia fazer sexo com um Angolano de tão profundo que sou.

Como devem imaginar, este texto surgiu do facto de eu no Domingo ter ido aos Saldos com a minha namorada... Comprei mais roupa que ela e, como sempre, gastei mais dinheiro em roupa que não estava em saldos do que no resto. Sou um palerma, eu sei, mas eu só faço compras uma ou duas vezes por ano e "precisava" mesmo.




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