15 de novembro de 2015

Não rezem por Paris. Rezem por Portugal.



Mais um atentado em Paris. Mais uma centena de mortos. Mais um movimento de solidariedade nas redes sociais. Mais fotos de perfil alteradas. Mais uma chorrilho de ofensas por todo o lado. Mais do mesmo.

Depois de uma tragédia como a de Paris era de esperar uma consternação geral, também, em Portugal. Era de esperar que nas redes sociais se multiplicassem as manifestações de apoio, solidariedade, e pesar pelas vidas perdidas. Era de esperar que houvesse uma introspecção sobre as causas desta tragédia. Era de esperar surgissem ideias para soluções e, sobretudo, era de esperar que houvesse uma união em torno do sofrimento das famílias das vítimas de mais um momento triste para a humanidade. Era de esperar isso tudo para quem anda distraído e acha que a raça humana bate bem da cabeça. Em vez disso, surgiu um discussão muito mais importante: deve ou não colocar-se o filtro da bandeira francesa na foto de perfil.

Numa altura em que nos devíamos unir, dividimo-nos em opiniões sobre as opiniões diferentes que temos.

Enquanto os familiares sofrem e choram os mortos de uma guerra que não era deles, os bastiões da moralidade online ofendem-se nos comentários de todas as publicações do mural das lamentações do Facebook. Ora são hipócritas os que meteram filtro da fotografia, ora são hipócritas os que criticam dizendo que não serve de nada, achando que os seus comentários são diferentes. O grande problema é esse: mudar a foto não serve de nada; rezar não serve de nada; escrever sobre o assunto não serve de nada. Nada serve de nada e é por isso que casos destes vão continuar a acontecer, cada vez mais. Vão continuar a voar balas, vão continuar a explodir bombas cujo rastilho é a ignorância e a falta de empatia das pessoas.

«Mas ó Guilherme, seu anormal, tu também fizeste piadas sobre as fotografias e criticaste!!! Devias ter familiares mortos nos atentados para veres o que era bom! Graças a Deus!!!» dizem alguns iluminados mas só porque a luz do monitor está no máximo. Primeiro, não critiquei ninguém que colocou o filtro, apenas fiz piadas com isso. Eu sei que para alguns é um conceito complicado de perceber, mas as piadas raramente trazem opinião no bico a não ser a intenção de fazer rir. Passa-me completamente ao lado se colocam filtros nas fotos com duckface tiradas com o selfie stick na mão enquanto seguram o balão de Gin com a outra. Não me interessa. Se acham que é um gesto bonito, que demostra solidariedade, e, principalmente, se vos apazigua a alma, força! A sério que não vejo mal nenhum nisso nem acho que seja hipocrisia colocarem a de França e não a de Beirute, ou de não terem a da Serra Leoa todos os dias. Cada um se sensibiliza com o que quer. Cada um se indigna com o que acha melhor. Hipócritas somos todos, porque todos escolhemos, de forma consciente ou não, dar o nome "desgraça" ou "tragédia" consoante o que nos é ou não mais próximo. Por isso, não vejo mal nenhum nos filtros das fotografias, até porque em alguns casos disfarça a falta de beleza das pessoas e o nosso mural fica menos feio. Não me digam é que são melhores pessoas só porque o fizeram, que aí sim, merecem levar dois pares de estalos à padrasto. De resto, façam o que vos apetecer e não liguem ao que os outros dizem, porque esses outros, não colocando o filtro, também não fizeram nada para ajudar. No fundo, estamos todos no mesmo barco e ninguém fez nada para ajudar a não ser pensar para si «Coitados... mas antes eles que eu». Somos todos hipócritas. Eu incluido.

Este comportamento de nos meter uns contra os outros é dar a taça aos terroristas. O medo é a moeda deles. Não é o número de mortos e de feridos, é o medo que conseguem espalhar ao resto do mundo. E este comportamento de ofensas cruzadas é a prova que eles estão a vencer. Estas ofensas vêm do medo. Porque quem mete o filtro na fotografia tem medo. Quem critica também tem medo. Quem diz que a culpa é dos refugiados tem medo. Quem diz que devem ser recebidos de braços abertos também tem medo. Temos todos medo, e em vez de fazermos desse medo o que nos une, fazemos dele o que nos separa. Não há mal nenhum em ter medo, mas quem o tenta esconder usando-o para se fazer valer e ofender os outros, numa altura em que o que nós sentimos é completamente secundário, é ser-se conas. Somos todos uns conas. Todos. Por isso, o terrorismo continua a ganhar terreno. Porque se alimenta da ignorância, do medo e, principalmente, da conice dos outros. 

Num caso destes não interessa quem tem razão! Ao discutirmos quem tem razão acabamos por a perder toda ao esquecermos a verdadeira razão pela qual a deveríamos estar a discutir. 

Foda-se que esta frase ou é genial ou é só parva. É capaz de ser só parva. Nem vou estar aqui a escrever sobre o movimento "Pray for Paris", porque é óbvio que rezar não serve de nada a não ser para apaziguar quem o pratica. Para mim, até é um bocado de mau gosto chamar mais religião ao barulho... mas como isto é um texto sobre o facto de sermos parvos em estarmos a criticar as opiniões dos outros, vou-me abster de comentar mais sobre isso. Ainda assim, permitam-me que deixe uma adenda para aqueles que se apressaram a dizer que a culpa é dos refugiados. Para essa gente, quero apenas dizer que parece que um dos terroristas tem mãe portuguesa! Por isso, de agora em diante, dizer que a culpa do terrorismo na Europa é dos refugiados, é o mesmo que dizer que a culpa do terrorismo é das mães portuguesas. Touché, madafacas.

E pronto, peço desculpa por este texto não ter piada mas os ataques de sexta-feira, ironicamente 13, tiraram-me um bocadinho mais a esperança na humanidade. Não pelas mortes, pelo sofrimento gratuito e desvalorização da vida humana só porque acreditam num ser imaginário com outro nome. Não foi isso que me fez perder ainda mais a credulidade para com o Homem. Foi mesmo o ver a forma com que continuamos a lidar com a tragédia dos outros, uma após a outra. Continua apenas a interessar-nos o nosso umbigo. Somos todos uns merdas. Todos. Não rezem por Paris. Rezem por Portugal.

PS: Só para não dizerem que eu só escrevo sobre estes assuntos para ter likes, não se esqueçam que podem comprar o meu livro que já está nas bancas.




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