A minha namorada é uma espécie de estratega militar cá em casa. Tenho a certeza que se ela fosse conselheira dos generais da NATO, a luta contra o Daesh teria um fim rápido. Todos sabemos que o sucesso em qualquer guerra se faz através da conquista de território inimigo, avançando, paulatinamente, no terreno e assegurando recursos e posições estratégicas. A minha casa é um teatro de operações bélicas onde eu não tenho hipótese de vencer.
A forma como a minha namorada vai ocupando aos poucos o meu armário prova que ela podia ajudar qualquer exército a retomar cidades ocupadas pelo estado islâmico. Tal como um ninja se movimenta nas sombras sem que ninguém o veja, atacando quando menos se espera, também a minha namorada consegue ir ocupando o meu armário de fininho. Em vez de shurikens, vulgo estrelas ninja, utiliza meias. Aos poucos, vão aparecendo meias cor de rosa e com flores misturadas nas minhas, até ao dia em começam a ficar em maioria e a expulsar as minhas pobres meias de tons escuros para uma gaveta ao lado.
O meu cabide, que ao início servia para os meus poucos fatos, camisas e casacos, começou também a ser invadido pelo ocasional casaco das forças rebeldes. Razão? «Tens tanto espaço no teu.», diz ela. A guerra psicológica utilizada para me fazer sentir mal com as minhas regalias masculinas, enquanto me vai tirando privilégio de ter espaço para que as minhas roupas não fiquem amarrotadas e amontoadas num campo de concentração de cabides. Aos poucos, deixo de encontrar o que me pertence pois todas as minhas camisas têm um casaco feminino por cima, como se tivessem de ser protegidas do frio e das traças. Temo que com esta guerrilha de armário irá chegar o dia em que vou apenas terei uma mala de viagem para guardar a minha roupa. Pode dar jeito caso tenha de fazer uma retirada estratégica.
Sem saber bem como, a minha gaveta dos boxers tornou-se na gaveta dos boxers e das meias.
Também a cama é um cenário de guerra. Qual exército russo, a minha namorada também usa o frio para sua vantagem. Quando está fria, envia a sua equipa especial composta por dois pés com hipotermia para que se aquecer no meu lado. Quando é ao contrário, encolhe-se em posição fetal e diz «Estás tão frio!!!!». Durante a noite, na calada, vai-se esticando como se o mundo fosse todo dela. Apesar de eu ter quase o dobro do seu peso, vejo-me confinado a uma borda da cama onde o lençol não chega, pois ela transformou-se num burrito de edredom e lençol. Deixa-me com os seus cabelos na cara para que me aqueçam.
A minha namorada é também exímia em ocupar recursos essenciais. Tal como em qualquer guerra, as zonas onde a água abunda são as preferidas pela minha namorada. O WC é onde podemos ver que a sua presença e o caos espalhado só para me incentivar a não querer estar lá muito tempo. A bancada foi ocupada por duzentos cremes e giletes de 1999 com ferrugem. Abro uma gaveta e encontro ferros para alisar cabelo; abro outra gaveta e encontro meia dúzia de escovas de cabelo como se ela fosse uma égua prestes a ir a concurso. Na banheira, trezentos frascos de shampoo e, tal como tribos antigas colocavam cabeças decepadas em paus para amedrontar o inimigo, também a minha namorada deixa cabelos como se aquilo tivesse sido palco de um ritual de sacrifício Maia onde retiraram o escalpe a trinta crianças canhotas. Bem tento ripostar, mas depressa percebo que é uma luta perdida e que todos os meus pertences têm apenas um local de abrigo: a bolsa pequena de viagem. Visto bem as coisas, parece-me justo que ela tenha mais pertences no WC, já que passa lá duzentas vezes mais tempo do que eu.
Também na sala se trava uma luta desigual. Para além da monopolização do comando da televisão que invariavelmente muda de canal para a novela ou para comédias românticas de domingo à tarde, também o sofá é palco de uma guerrilha urbana. Começamos sentados, lado a lado, dividindo o espaço irmãmente. Aos poucos, ela vai deixando cair-se sobre mim, empurrando-me para uma das pontas. Quando me tem na posição pretendida, estica-se e usa-me ou como almofada ou como apoio para os pés, altura em que há sempre uma tentativa subtil para que eu lhe faça massagens. Quando rejeito diz sempre «Nunca me fazes massagens.», esquecendo-se de todas as vezes em que lhe fiz, utilizando, mais uma vez, a guerra psicológica para sua vantagem. Bato em retirada, levantando-me do sofá e vou para o que apelidei «O cantinho do Guilherme.». Um canto da sala, virado para a parede, com uma secretária, uma cadeira e o computador onde agora escrevo as minhas memórias de prisioneiro. Também o meu cantinho está sob ameaça constante. O meu ultimo reduto de independência começa a ver-se invadido pelo ocasional livro de Serviço Social. Ela está a tirar o Doutoramento e, apesar de sempre ter estudado na cama ou no sofá, ao ver-me tão confortavelmente sentado na minha cadeira de executivo, já disse, em tom de brincadeira, que se calhar ia utilizar o meu cantinho para estudar. É aqui que um gajo tem de ser firme. Temos de bater o pé e mostrar quem manda!
Sou uma espécie de prisioneiro de guerra submetido a tortura e se tento fugir, oiço resmungares no que parece ser uma língua morta a deitar-me uma maldição suméria.
A minha namorada é também exímia em ocupar recursos essenciais. Tal como em qualquer guerra, as zonas onde a água abunda são as preferidas pela minha namorada. O WC é onde podemos ver que a sua presença e o caos espalhado só para me incentivar a não querer estar lá muito tempo. A bancada foi ocupada por duzentos cremes e giletes de 1999 com ferrugem. Abro uma gaveta e encontro ferros para alisar cabelo; abro outra gaveta e encontro meia dúzia de escovas de cabelo como se ela fosse uma égua prestes a ir a concurso. Na banheira, trezentos frascos de shampoo e, tal como tribos antigas colocavam cabeças decepadas em paus para amedrontar o inimigo, também a minha namorada deixa cabelos como se aquilo tivesse sido palco de um ritual de sacrifício Maia onde retiraram o escalpe a trinta crianças canhotas. Bem tento ripostar, mas depressa percebo que é uma luta perdida e que todos os meus pertences têm apenas um local de abrigo: a bolsa pequena de viagem. Visto bem as coisas, parece-me justo que ela tenha mais pertences no WC, já que passa lá duzentas vezes mais tempo do que eu.
Também na sala se trava uma luta desigual. Para além da monopolização do comando da televisão que invariavelmente muda de canal para a novela ou para comédias românticas de domingo à tarde, também o sofá é palco de uma guerrilha urbana. Começamos sentados, lado a lado, dividindo o espaço irmãmente. Aos poucos, ela vai deixando cair-se sobre mim, empurrando-me para uma das pontas. Quando me tem na posição pretendida, estica-se e usa-me ou como almofada ou como apoio para os pés, altura em que há sempre uma tentativa subtil para que eu lhe faça massagens. Quando rejeito diz sempre «Nunca me fazes massagens.», esquecendo-se de todas as vezes em que lhe fiz, utilizando, mais uma vez, a guerra psicológica para sua vantagem. Bato em retirada, levantando-me do sofá e vou para o que apelidei «O cantinho do Guilherme.». Um canto da sala, virado para a parede, com uma secretária, uma cadeira e o computador onde agora escrevo as minhas memórias de prisioneiro. Também o meu cantinho está sob ameaça constante. O meu ultimo reduto de independência começa a ver-se invadido pelo ocasional livro de Serviço Social. Ela está a tirar o Doutoramento e, apesar de sempre ter estudado na cama ou no sofá, ao ver-me tão confortavelmente sentado na minha cadeira de executivo, já disse, em tom de brincadeira, que se calhar ia utilizar o meu cantinho para estudar. É aqui que um gajo tem de ser firme. Temos de bater o pé e mostrar quem manda!
Estou a gozar, ninguém quer entrar nessa guerra. Vou escrever para a cozinha que é o único local que ela não faz questão de ocupar.
Por tudo isto, acho que ela devia substituir o Nuno Rogério como comentador especialista em conflitos internacionais. Já a estou a ver no telejornal a dizer «Sim, o Irão pode estar a desenvolver armas nucleares, mas o que os Estados Unidos têm de fazer é enviar espiões e deixar meia dúzia de meias na gaveta do plutónio e do urânio.». Por falar em espiões, nem vou referir que os agentes da CIA deviam ter formação com as ex-namoradas porque ninguém é melhor do que elas em termos de stalking. Há quem diga que se as mulheres mandassem no mundo haveria menos guerra. Concordo. Metam um terrorista nas mãos de uma mulher e vão ver que depois de ouvir trinta vezes «Em que estás a pensar?» ele vai ceder e revelar o local onde estava a pensar colocar a bomba.
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