Se um monge budista conduzisse em Portugal, esquecia logo aquela mania do voto do silêncio e da calma perante as adversidades da vida e passava-se como qualquer um de nós. Pessoas que não sabem fazer rotundas, que mudam de via sem pisca para cima de nós, que ultrapassam nas curvas sem visibilidade, e tantas outras características do condutor autóctone do nosso país. Já consigo não me enervar muito com esses filhos de primos direitos que andam na estrada, mas há algo que me deixa à beira do homicídio: os estacionamentos em segunda fila. Antes de destilar ódio, vou aqui distinguir os três tipos:
- Um condutor que não tem lugar para estacionar perto e só vai demorar trinta segundos a fazer o que tem a fazer. Neste caso, é legítimo e não tenho problemas com isso.
- O gajo que vai ao café, estaciona em segunda fila porque não lhe apeteceu perder cinco minutos a estacionar, mas está sempre atento e se alguém quiser tirar o carro ele salta do lugar, automaticamente, e não nos faz esperar. Não faço isto, mas não condeno.
- Aquele que se está a cagar. Ora bem, se o carro tem quatro piscas, é para usar, pensa ele; para mudar de via, nunca sinaliza a manobra, mas para estacionar à grande, usa logo os quatro piscas de uma vez como se conferisse ao carro o super-poder da imunidade diplomática. Estaciona em segunda fila e, além de atravancar o trânsito naquela rua, vai ao supermercado ou às Finanças e demora meia hora, sem qualquer problema.
Este terceiro tipo, minha gente, merecia morrer. No mínimo, merecia levar com um ferro em brasa nos nós dos dedos enquanto era obrigado a ouvir Maria Leal em loop durante dois anos.
Estes missing links da evolução humana, estão, no fundo, a dizer-nos que o tempo deles é mais valioso do que o nosso; que esperarmos dez minutos, a buzinar e a chamar nomes a Deus, é melhor do que ele ter de andar cinco à procura de lugar e outros cinco a percorrer o caminho a pé até à porta do Minipreço. Se pensarmos bem, o acto de estacionar em segunda fila não é mais do que borrifarmo-nos para quem tem de esperar e é um exemplo perfeito do que é viver em sociedade: estamos pouco importados com os outros se o inconveniente deles for uma vantagem para nós, mesmo que mínima, mas ficamos arreliados se a outra pessoa não faz um pequeno esforço por nós. Pior ainda porque o estacionamento em segunda fila não prejudica só o dono do carro que estamos a bloquear, mas, muitas vezes, centenas de pessoas que apanham trânsito porque um neandertal está a provocar o caos no trânsito com o seu carro que, em 90% dos casos, é um Mercedes ou BMWs. Vou contar-vos algumas situações:
- Carro trancado por estacionamento em segunda fila. Olho à volta, ninguém. Buzino uma vez. Nada. Buzino novamente e, mais uma vez, nem sinal de pessoas a aproximarem-se. Era perto de uma escola e calculei que fosse alguém a ir buscar os filhos e estava certo. Passados cinco minutos, que nesta situação parecem trinta, aparece uma senhora com o seu petiz, apressada e logo de longe a pedir desculpa. Olha para mim e diz "Ahhh, gosto muito do seu blogue!". Desarmou-me, claro. Não consigo refilar com alguém que me elogia.
- Uma da manhã, centro de Lisboa, carro trancado por outro. Buzino. Nada. Buzino uma e outra vez e nada. Vem um senhor ao longe, cantor famoso da nossa praça que não vou referir o nome, a refilar comigo por estar a buzinar. Digo-lhe que tenho o carro bloqueado por outro e ele diz, com voz enrolada e a cambalear, que "toda a gente sabe que o carros estacionados ali são do bar em frente". Perguntei-lhe se estava nos livros de história ou se tinham feito uma reportagem para o jornal da noite para toda a gente saber esse facto, mas ele não percebeu o sarcasmo. Continuou a refilar a dizer que eu estava a incomodar os vizinhos, agarrei no telemóvel e disse-lhe que se não queria que buzinasse iria chamar o reboque. Entretanto, a dona do carro entretanto chegou, pediu imensa desculpa, e ficámos assim.
- Carro trancado por outro com um bilhete a dizer "Toque no 1º direito". Qual primeiro direito? Havia pelo menos cinco prédios que podiam ser o certo nas imediações. Toco num e nada. Acerto à segunda e uma voz diz que vai já tirar o carro. Chega e nem um pedido de desculpas nem nada, com uma lata gigante, quase que me ignora. Refilo e digo que é um bocado falta de respeito e ela responde-me indignada "Mas eu deixei um bilhete, não deixei?". Digo-lhe que há lugares a menos de cem metros e que o tempo que ela poupou gastou-o agora a descer para tirar o carro o que prova que além de não ter respeito pelas pessoas é má a matemática.
- Carro bloqueado, buzino e sai um gajo de um café, com dois metros e tatuagens tribais a cobrir os braços do ginásio. Não pede desculpa e desato a chamar-lhe nomes... mas apenas na minha cabeça porque não sou burro como ele.
Dizem que o stress é a doença do século XXI e se o querem resolver, passa por evitar estas situações que nos fazem perder anos de vida em raiva reprimida que um dia terá de extravasar para algum lado. As formigas obreiras da EMEL, em vez de serem tão picuinhas com os estacionamentos bem feitos cujo talão já expirou há dez minutos, podiam investir antes a tratar da saúde a quem está em segunda fila. Rebocar, não era multar só, era levar-lhes o carro para ver se aprendiam. Isso, sim, era preocupar com a mobilidade das cidades e não só caçar multas.
No início, falei em três tipos de estacionamento em segunda fila, mas há mais um: o expoente máximo do burro que é o gajo que estaciona em segunda fila a bloquear carros que estão nos lugares para deficientes. Ora aqui está um tipo de ser humano que está logo apresentado com esta atitude. Por obra do acaso, pode ser que já tenha acontecido um energúmeno destes bloquear outro que estava estacionado no lugar dos deficientes sem ser deficiente, criando assim uma espécie de equilíbrio no universo. Seja como for, não sejam este tipo de pessoa. O vosso tempo não é mais precioso do que o meu.
PS: Vou fazer stand-up em Portimão, Évora e Beja. Reservas neste link.
Também vou estar em Vila do Rei, podem ver mais informações neste link.
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