Uma cronista de um site que são Capazes de conhecer, surfou a onda do tsunami provocado pelas declarações daquele senhor nos Prós e Contras - que sugeria que obrigar uma criança a dar um beijo aos avós era violência - e diz-nos várias coisas: primeiro, que só se deve mudar a fralda a um bebé com o seu consentimento; segundo, que se deve respeitar se uma criança não quiser comer mais sopa; terceiro, que se uma criança diz que não tem frio e não quer vestir o casaco, não devemos forçar. Insinua que desrespeitar o "não" das crianças está ligado a casos de abuso sexual em adultos, entre outros problemas da sociedade.
Sei que já passou algum tempo, mas vou começar com as polémicas declarações do senhor dos Prós e Contras sobre os beijinhos aos avós. E obrigar a criança a beijar o padre? Disso ninguém fala e parece-me que tem tido piores resultados. Percebo o que ele quis dizer e, embora nunca me tenha sentido violentado quando o meu avô me agarrava na bochecha com força e a minha avó com Alzheimer me metralhava a cara de beijos com buço e baba, várias vezes ao dia, porque se tinha esquecido que já me tinha visto, agora olho para isso de forma diferente.
Se mo fizessem hoje, seria uma violência obrigarem-me a beijar qualquer uma das minhas avós, pois beijar cadáveres decompostos é capaz de ser agressão física e psicológica.
Quanto aos meus avôs, um morreu antes de eu nascer e, por isso, tive a sorte de nunca ser obrigado a beijá-lo; o outro está acamado há anos e já não consegue estender o braço para me apertar as bochechas. Chupa, avô!... pela palhinha que é a única forma de conseguir beber líquidos.
Este caso fez-me abrir os olhos. Vamos crescendo e percebendo que os nossos pais nos obrigavam a ser bem-educados contra a nossa vontade. Felizmente, em adultos podemos não dizer bom dia aos vizinhos que ninguém nos obriga a fazer isso. Sempre que alguém no prédio me cumprimenta, grito logo "Bom dia só se for para si! Não mandas em mim!" e subo as escadas a correr enquanto canto a música da Sailor Moon.
Voltando à crónica que fala sobre a necessidade de pedir autorização a um bebé para lhe limpar o cocó, deixo-vos algumas passagens:
«Por exemplo, na altura de mudar a fralda de um bebé. Embora o bebé ainda não tenha a capacidade de responder verbalmente, podemos olhá-lo nos olhos e suavemente perguntar “posso mudar a tua fralda?” e fazer uma breve pausa, observando a linguagem não-verbal do bebé, para depois prosseguir para a mudança da fralda. Ou não.»
Iria mais longe: deve perguntar-se "Posso mudar a sua fralda?" para ensinar ao bebé que tratar por você é muito mais educado. Parece a gozar, esta merda. Observar a linguagem não-verbal? Só se for a do bebé a chorar todo assado porque andam todos à espera que ele responda e não lhe mudam a fralda há dois meses! Mas andamos a comer merda, ou quê? Não dizem que quem cala consente? Então, não vale a pena perguntar que o bebé nunca vai responder. Por este andar, a primeira palavra do bebé não vai ser "mãe" nem "pai", mas sim "atrasado mental" ou "Muda-me a fralda se faz favor que tenho o cu em carne viva, seu progenitor de merda!".
«(…) às vezes pode ser necessário ficar assim a conversar mais um pouco antes de proceder à mudança da fralda.»
Sim, conversar durante um ano e tal até ele conseguir falar e dizer que "Claro que podes, caralho, que pergunta estúpida é essa?". Vamos, por momentos, admitir que este processo proposto é o ideal. Vamos, agora, imaginar que o bebé dá o consentimento através de linguagem não-verbal, bolçando e palrando o que parece ser uma música do Toy, e a mãe lhe troca a fralda. E se o bebé estava a dizer que não dava permissão, mas trocou-se todo na linguagem não-verbal porque é um bebé e está a aprender? Pode dar-se o caso de sentir a sua vontade desrespeitada e gatinhar até à CM TV onde acusará os pais de maus tratos. Quando se fazem propostas destas tem de ser pensar em tudo e, por para evitar estes mal-entendidos, sugiro ter sempre presente um representante do Governo Civil e documentar em vídeo com contrato assinado no fim, pelos pais e pelo bebé.
Andamos a criar uma geração de pessoas mimadas há muitos anos, mas parece-me que estamos a chegar a um ponto em que quase parece que esta gente diz estas coisas a gozar só para ter atenção. Sendo que, pensando melhor, não obrigar uma criança a comer sopa e vegetais, nem a vestir o casaco antes de sair à rua, pode ser bom porque fará aumentar a taxa de mortalidade infantil devido a desnutrição e hipotermia.
Nesse caso, sou forçado a concordar, pois só sobreviverão os mais fortes e inteligentes e limpamos a sociedade desta gente que acha que o mundo tem de ser um lugar estéril e inócuo onde todos os seus sentimentos são protegidos.
Não digo que ensinar o conceito de "consentimento" às crianças não seja importante, claro que é, mas isto parece-me, no mínimo, risível. Então e o consentimento dos pais? Isto é um paradoxo do consentimento e se o "não" de uma criança deve ser respeitado, o dos pais também. Imaginem o seguinte:
- Coma a sopa toda, Bernardo.
- Não.
- Tudo bem, peço desculpa por insistir.
- Quer dizer que posso deixar este resto e meter os dedos na tomada?
- Não.
E ficam ali, para sempre, porque "não" é "não" e tem de ser respeitado. Outra:
- Martim, tem de se levantar e ir para a escola.
- Não.
- Pronto, não insisto mais que o não é não.
E o Martim cresce para ficar um adulto burro que nunca conseguirá educar um filho e, por isso, incapaz de lhe ensinar tudo sobre o "consentimento".
Esta gente foi buscar a filosofia da Teoria da Humanitude que é aplicada a adultos dependentes, especialmente a idosos em cuidados continuados ou lares de terceira idade, e que fala sobre isso mesmo de observar linguagem não-verbal e não forçar cuidados de higiene se a pessoa não quiser. A diferença é que uns são bebés e os outros são velhos. Há quem os confunda porque ambos se babam e usam fraldas, mas são coisas diferentes. Mesmo assim, se um velho estiver meio demente e sempre a espernear e a dizer que não, algum dia vão ter de mudar-lhe a fralda contra a sua vontade. E um bebé é uma espécie de adulto com demência, que não diz coisa com coisa e passa o dia a gritar e a chatear as pessoas. Duram é mais, por norma.
Não sou psicólogo nem quero ter filhos, mas estou em crer que o papel dos pais é preparar as crias para a vida e, infelizmente, a vida é feita de contrariedades. Não respeitarem o nosso "não" faz parte da vida e nem tudo, ou muito pouco, será como nós queremos.
Enviar para o mundo real crianças mimadas, flores de estufa e que sempre viram as suas vontades satisfeitas, devia ser considerado negligência parental.
Os contos de fada já fazem esse trabalho e aquelas vezes que os nossos pais nos disseram que éramos lindos e inteligentes e que podíamos ser o que quiséssemos quando crescêssemos já nos trouxeram demasiados dissabores quando a vida se tornou num constante puxar do tapete. Não vamos estar aqui ainda a arranjar mais formas de criar gente coninhas, está bem?
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