13 de dezembro de 2018

O flagelo dos jantares de Natal com amigos



Uma das tradições de Natal é reunir os amigos mais próximos e fazer um jantar. Ao contrário dos jantares de aniversário ou de simples convívio, a sua execução é mais complicada devido a todos os outros jantares de natal, seja de amigos ou de empresas, que entram em conflito com este. É todo um processo complicado que é composto pelas três seguintes partes:

1. Marcar o dia
Por volta de finais de Novembro, um grupo é criado no WhatsApp com o nome "Jantar de Natal". Tem de ser um grupo novo porque, desde o ano passado, já algum dos amigos terminou com a namorada e o grupo anterior teve  de ser deixado ao abandono no esquecimento da cloud porque remover a ex-namorada seria demasiado cruel. A primeira abordagem é do criador do grupo a dizer "Pessoal, temos de ver quando vamos fazer o jantar de natal" e passam-se duas semanas de silêncio, sem que ninguém responda. O amigo insiste: "Como é? Fazemos jantar ou não?", todos respondem afirmativamente e começa a discussão das datas. No dia 8 não pode um, dia 15 não podem dois. Pondera-se fazer um almoço no domingo ou um lanche na terça, mas, mesmo assim, não está reunido o quórum. Lá se arranja outra data em que todos podem ir e quando tudo parece resolvido há sempre alguém que diz "Ahhh, esquece, vi mal, afinal nesse dia não posso" e volta tudo à estaca zero. Alguém toma as rédeas e diz "É dia 15 e pronto." 

2. Marcar o restaurante
Este é, talvez, o ponto mais delicado de toda a marcação. Sendo que faltam apenas dois dias para o jantar, porque só se decidiu em cima da hora como em todos os anos, todos os restaurantes já se encontram cheios de outras pessoas que tiveram a mesma ideia inovadora de fazer um jantar de natal com os amigos. Sugerem-se alguns, mas os que não estão cheios são longe das zonas de divertimento nocturno e não há ninguém que queira levar o carro e manter-se sóbrio. Há sempre um ou dois elementos do grupo que já gastaram o dinheiro todo em prendas e querem minimizar as despesas em táxis. O criador do grupo refila, dizendo que se tivessem respondido logo, nada disto teria acontecido. Uns dizem que o restaurante tanto faz, libertando-se assim da responsabilidade de o escolher ou marcar. O criador do grupo escolhe um local e diz que está marcado e é quando os que disseram que tanto fazia começam a perguntar "onde é?", "quanto é?", e se "tem pratos vegetarianos?". Há uma discussão com gifs e emojies e um dos amigos sai do grupo. Há grupos de amigos em que um deles cai na ratoeira de aceitar que o jantar seja em sua casa, normalmente influenciado por outros que garantem que ajudarão a arrumar no fim. Mentira. Nunca ajudam.

3. O jantar
Depois da luta para encontrar e decidir o restaurante, lá chega o dia e a hora do jantar. Os pontuais chegam a horas e, enquanto esperam, resmungam entredentes que para o ano serão os últimos a chegar, mas a pontualidade está-lhes no sangue e não vão cumprir a promessa. À última da hora, alguém se corta ao jantar, normalmente a pessoa que disse que só podia naquele dia. Chegam os restantes e começa-se a comer e a beber. Todo o restaurante parece uma cantina, com cânticos que incentivam à deglutição de copos inteiros de vinho e toda a gente fala demasiado alto. Há algumas mesas em silencio com pessoas agarradas ao telemóvel a "conviver" com os amigos. Em alguns grupos junta-se a tradição do amigo secreto em que são distribuídas prendas que não servem para nada e que quem ainda não comprou para a família, aproveitará para as reciclar e oferecer,  a não ser que se recebam prendas de cariz sexual, muito tradicionais neste quadra religiosa. O amigo apenas se mantém secreto durante uns minutos, já que toda a gente começa a revelar a quem deu a prenda. Há sempre alguém que desrespeita o valor máximo e gasta cinco vezes mais do estabelecido, o que gera um desconforto generalizado no grupo, pois quem deu um porta-chaves com uma pila fica melindrado por ter recebido uma viagem com tudo incluído a Bora Bora. Será que nos jantares de natal de amigos dos betos ricos também há limite superior para a prenda do amigo secreto ou só inferior tipo "Valor acima de 100€"? Não sei, os meus amigos são quase todos da Buraca e da Damaia e as prendas são cachimbos, grinders e mortalhas. O jantar continua, come-se o prato típico do jantar de natal de amigos que são os bifinhos com cogumelos ou o bacalhau com natas; bebe-se vinho da casa, de jarro. Se não for menu fixo, na hora de pagar a conta alguém refilará que não bebeu tanto ou que não comeu sobremesa e, invariavelmente, um dos casais discute. É nesta altura que alguém cria um novo grupo no WhatsApp para combinar a passagem de ano.




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