8 de agosto de 2016

Fui barrado no Vaticano



Não, o Vaticano não é uma discoteca nova que selecciona pessoas à entrada com base no rácio entre pénis e vaginas, na sua vestimenta ou, até mesmo, na cor de pele: o Vaticano de que falo é a cidade-Estado cujo chefe é o Papa Francisco. Durante as férias, passei por Itália e achei que seria interessante dar um pulinho até ao Vaticano ver a residência oficial do Senhor já que, apesar de ser ateu, gosto da história e da arte que a religião traz consigo. O sol ia a pique e nem os 40 graus que se faziam sentir me demoveram de esperar uma hora para passar o posto de controlo. Pelos vistos, nem Deus consegue proteger o seu castelo, mas se tudo acontece por vontade d'Ele, não será de mau tom estarem guardas e seguranças a implicar com o seu plano Divino? Bem, estava com a minha namorada que, obviamente, devido ao calor que se fazia sentir e ao facto de estarmos de férias, não estava de burka. Passámos a segurança sem problema pois, felizmente, ainda não existem máquinas de raios X que alertem para a passagem de ateus amorais! Satisfeitos por já não termos de torrar mais na fila de espera e por sabermos que dentro das igrejas e catedrais está sempre fresquinho porque se há coisa que o Senhor tem é bom ar-condicionado nas suas casas, dirigimo-nos até à entrada da Basílica de São Pedro. Aí, estava mais um segurança e foi nesta altura que me lembrei porque é que a religião e a Igreja dos homens me deixam o estômago às voltas e não é das hóstias fora do prazo, nem por beber duas garrafas de penalti de sangue de Cristo. Qual porteiro de discoteca, barrou-nos a entrada! Relembro que era para entrar numa catedral Católica e não numa qualquer mesquita!

Aparentemente, os calções da minha namorada não cumpriam o dress code da Santa Sé. Toda a gente sabe que mostrar os joelhos e os ombros é para as putas!

É preciso não ter vergonha na cara para se ir de pernas à mostra para a casa do Senhor que, todos sabemos, é de muito respeito. Nem quis acreditar que em pleno Século XXI, um segurança estivesse a dizer a uma mulher como é que esta se deve vestir e, basicamente, a dizer-lhe que a sua forma de estar na vida não é aprovada pelos princípios da moral e dos bons costumes do mais alto dos polícias da moda que é Deus. Disseram que teríamos de voltar para trás e que vendiam lenços lá fora para que ela cobrisse todo o pecado que trazia à mostra. Eu ia de calções e t-shirt, mas dentro dos limites permitidos pela Lei do Dress Code Divino. Há algures na entrada um cartaz que avisa para este facto, pese embora ninguém nos tenha dito nada antes de estarmos uma hora na fila à espera. Ficava-lhes bem ter um stylist à entrada a acompanhar os seguranças e que fosse percorrendo a fila de espera e carimbando a testa das pecadoras com a palavra "Scortum" que significa "prostituta" em Latim.

Como podem ver, também há homens ilustrados, mas só porque pareceria mal apenas se dirigirem às mulheres, embora saibamos que esta lei as discrimina mais porque a maioria dos homens anda mais tapado. Quase que parece hipocrisia já que somos todos iguais aos olhos do Senhor, mas aos homens proíbe-se a entrada de camisola de alças e/ou calções muito curtos, algo que se compreende perfeitamente pois as camisolas de alças deviam ser proibidas em todo o lado e todos sabemos que tipo de homens usam calções curtos: aquele tipo de homens que não se podem casar pela Igreja porque no rabo é pecado. 

Se proibissem a entrada de mulheres com unhas de gel daquelas com brilhantes e piercings, tudo bem, era compreensível e até de valorizar o bom gosto imposto na casa do Senhor.

Agora assim, é só um sinal do atraso de mentalidade que ainda existe por aqueles lados. Se calhar sou eu que sou ingénuo e peço demais a uma instituição que ainda se rege segundo crenças medievais de amigos imaginários que querem controlar com quem fazemos sexo e se usamos ou não contraceptivos. Confesso que esperava mais do Papa Francisco, esperava que fosse mais progressista e que mudasse estas leis palermas, mas talvez sejam reminiscências de quando era porteiro de bares na Argentina.

Contrariado e com vontade de correr toda a guarda Suíça à chapada na nuca, lá fomos comprar um lenço para cobrir as esbeltas e hipersexualizadas pernas da minha amada. Três euros bastaram, valha-nos Deus. Enquanto esperava que ela comprasse o manto sagrado, iniciei conversa com um senhor indiano que percebi estar na mesma situação:

- Então, a sua mulher também não conseguiu entrar? - pergunto.
- Sim, tinha os ombros descobertos. - diz.
- Pois, a minha foi as pernas. Ridículo.
- A culpa é da minha mulher, devia ter-se informado antes. - diz ele de forma condescendente.
- Acha? Mas acha que faz sentido? - interrogo-o.
- Hum... não sei. Temos de respeitar...
- Eu acho ofensivo. Não somos feitos à imagem de Deus? Homens e mulheres não são iguais?
- Sim, mas você é homem, não é? Somos diferentes...
- À imagem do Deus deles, dizem que não. Eu não acredito em nenhum.
- Pois, eu também não é o meu, mas respeito.
- Se ninguém respeitasse eles começassem a perder dinheiro porque ninguém vinha cá, queria ver se não mudavam logo de opinião. Até gente nua entrava que eles querem é dinheiro.
- Pois, cada religião tem as suas crenças. Sabemos lá qual é que está certa.
- Eu acho que não está nenhuma.
- Se calhar tem razão, o que interessa é sermos boas pessoas.
- Nem mais. E andarmos tapadinhos senão isto ainda cai aqui um raio.
- Ha ha ha.

Até uma rapariga em cadeira de rodas foi obrigada a voltar para trás e comprar um paninho para cobrir as pernas. Não bastou tê-la feito com defeito e com umas pernas que pareciam saídas de um jogo de Mikado, como ainda a obrigam a voltar para trás naquele calor e depois de horas de espera para cobrir os membros inúteis que Deus lhe deu. As únicas pessoas que não têm de se tapar são as crianças e todos sabemos porquê... porque seria errado sexualizar o corpo de crianças e inocentes! Pensavam que era porquê? Porque muitos membros da Igreja têm o hábito de fornicar criancinhas e abafar escândalos e proteger padres pedófilos? Não sejam tontos, isso já passou. Já pediram desculpa! O que querem que eles façam mais?

Lá entrámos e começamos a visitar a monumental Basílica de São Pedro.É incrível o que o Homem consegue construir quando está motivado pelo medo da morte! E quando tem dinheiro infinito saqueado e mão de obra escrava, algo que também dá jeito e ajuda nestas coisas. Lá dentro, vislumbravam-se centenas de mulheres com lenços aos ombros e a tapar as pernas, mostrando que a humanidade está claramente em declínio e que são todas umas promíscuas ninfomaníacas que só querem é exibir chicha. Cambada de ordinárias! Nos pilares e nas paredes, anjinhos de tanga pavoneavam-se por todo o lado de mamilos à mostra a tentar corromper os santos e mártires ilustrados e esculpidos por toda a parte.

Aquilo é tão imponente, cheio de arte e história a cada canto que quase me fazia esquecer a premissa perversa que leva à construção de templos megalómanos e ostentosos de adoração ao Senhor.

«Bem, pessoal, temos de contruir aqui uma catedral do caraças para ver se o Senhor nos abre as portas do céu! Tem mesmo de ser gigante! Tem de ser o Maracaná das Igrejas, esta merda! Temos uma vida do caraças aqui na terra, mas todos sabemos bem a merda que fazemos. Se forem só mesmo as boas pessoas que entram no céu nós vamos ficar à porta, por isso, pelo sim pelo não, vamos confiar que o Senhor se deixa subornar com felácios ao ego! Metemos aqui uma cúpula e umas estátuas e pinturas de deixar toda a gente de queixo caído e, se Deus quiser, Deus tapa os olhos às nossas atrocidades! Siga? Já mandei cá o empreiteiro e ele já me deu o orçamento, mas temos de andar em cima deles que já sabem como é. Dizem que em 100 anos está pronta, mas depois vai-se a ver se são 150. Vá, chamem os escravos que esta merda é para começar o quanto antes que eu já não vou para novo. Ah e metam ouro à parva, vamos confiar que Deus é como os ciganos e se pela por cenas douradas.»

Infelizmente, não consegui ir à Capela Sistina ver os frescos pintados por Miguel Ângelo para poder observar o bom trabalho que a Igreja fez depois do Concílio de Trento quando decidiu que aquilo tinha demasiada nudez e decidiu tapar tudo o que era pilinhas e pipis de uma das maiores obras-primas renascentistas. Algo compreensível se pensarmos que foi há 500 anos e era tudo uma cambada de gente grunha, mas que, infelizmente, ao olhar para as pernas tapadas da minha namorada, percebi que ainda tem repercussões nos dias de hoje. Perguntei-me se poderia entrar de vestido e com um chapéu ridículo na cabeça como os bispos, ou se poderia entrar vestido de bobo da corte do Século XI como a vestimenta palerma da Guarda Suíça. Será que poderia entrar de burka só com os olhinhos de fora? Ou a Igreja discrimina quem não tem e quem tem demasiado respeito? É certo que é difícil traçar um limite: calções abaixo do joelho? Acima? Daqueles que deixam o nalguedo a apanhar ar? Biquíni? Onde é que fica a linha da decência? Qual é que é o corte e costura da moral? No fundo, não estarão eles a assumir-se como um bando de ordinários de sexualidade reprimida e que nem podem ver uns ombrinhos ou umas pernas que começam logo a montar a tenda por baixo do hábito que não faz o monge? Parece que estou a ver Deus, de calças nos tornozelos e túnica puxada para cima, a querer bater uma divina punheta e não conseguir porque os seus lacaios mandaram tapar tudo o que era chicha da boa. Não se faz. Se Deus precisasse de controlo parental tinha-nos dado penas ou em vez de nos ter feito à Sua imagem, tinha-nos feito à imagem do Tony Ramos em que mesmo nus não se vê para além da penugem.




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