27 de outubro de 2019

O senhor de saia na Assembleia



Então, parece que um senhor entrou de saia no Parlamento. Ao contrário do que poderíamos pensar, não, não foi o Paulo Portas que voltou à política e saiu do armário. Foi Rafael Esteves Martins, assessor da deputada Joacine Katar Moreira. Agora que reparo, duas pessoas do partido Livre, de esquerda, com três nomes como os betos? Está giro. Bem, devo começar por dizer o seguinte: não tenho nada a ver com o que as outras pessoas vestem, cada um anda como quer, até podem ter um gorro com três dildos e dizer que se identificam com um triceratops de piças que por mim está tudo bem. Vou reparar nisso e comentar, claro, mas acho que têm todo o direito em fazê-lo. Por isso, acho ridículo aqueles que lhe chamam nomes e que se indignam como se isto fosse o fim do mundo. No entanto, acho o mesmo sobre aqueles que dizem que não se pode falar do assunto porque se o fizermos somos homofóbicos, até porque me parece discriminatório assumir a orientação sexual do rapaz (espero não estar a ofender ninguém ao assumir que ele é do género masculino) com base no que veste.

Lá por usar saias tem de ser gay? Provavelmente é, mas pode não ser. Ele licenciou-se em "Estudos Artísticos" por isso pode ser só excêntrico.

Os padres usam saias e chapéus ridículos; os juízes e advogados usam capa ou batina ou lá o que é aquilo. Homens de saia há em muitas profissões e nem estamos a falar dos escoceses e o seu kilt. Por falar nisso, terá o senhor da saia levado roupa interior ou andava ali em modo comando? Pode ser perigoso, toda a gente sabe que o poder dá tusa e podia excitar-se com a tomada de posse. "Tomada de posse" é uma expressão bastante sexual, ainda por cima. Tomada de posse à bruta e por trás que é o que normalmente os políticos fazem aos contribuintes.

A mim, o que me choca não é a saia: é estar mal vestido. Não há uma corzinha. O tecido da saia parece de fraca qualidade e não lhe a favorece a figura. O rapaz não é mal feito, podia ter apostado em algo mais cintado que lhe enaltecesse a zona dos quadriceps e dos glúteos. Aquela meia puxada para cima com aquele sapato é muito colégio interno de freiras. O senhor de saia foi notícia na SIC Mulher, onde a política normalmente nunca é destaque. Talvez seja bom porque pode significar que a política será comentada em programas como o Passadeira Vermelha e, assim, no meio das críticas aos outfits dos políticos, podem dar notícias relevantes para as pessoas que só vêem programas fúteis e não estão atentos à actualidade política. Já estou a imaginar o Cláudio Ramos a dizer "Joacine estava maravilhosa, vestida por João Rolo, com uma blusa esvoaçante de cetim, enquanto discursava a sua nova proposta de lei que pretende a subida do ordenado mínimo para os 900 euros mensais" e "Já António Costa, muito elegante num fato Hugo Boss com punhos de brilhantes, retorquiu que seria impossível o orçamento de estado comportar tal aumento e que iria focar-se nas taxas intermédias de IRS para combater as desigualdades salariais.".

O pessoal que destila ódio contra o senhor da saia nas redes sociais e que vai para o perfil pessoal dele no Facebook chamar-lhe nomes é tudo uma cambada de atrasados mentais, mas... ele sabia disso. As regras do jogo são bastante claras "És homem e vais de saia para o Parlamento, vais ter muita gente a chamar-te nomes". Não estou a dizer que concordo, estou a dizer que são as regras e que ele sabia quais eram. Deve coibir-se de ir vestido como quer por isso? Acho que não, mas gritar "Olha os homofóbicos maus!" como se fosse surpresa é um bocado desonesto intelectualmente quando me parece que o grande objetivo era o de provocar essa reacção.

Como eu disse no meu anterior solo de stand-up "O Rodolfo vai para a escola no primeiro dia de aulas, vestido com umas botas cano alto cor-de-rosa, um pavão a fazer de boina e uma lanterna no cu a dizer que é um pirilampo. É gozado e sofre bullying. Horrível, nada justifica o bullying, mas... será que ele não tem um bocadinho de culpa? Só um bocadinho? Queremos ser excêntricos levamos no focinho, Rodolfo." E é um bocado isto que aconteceu. Se me dissessem "Ó Guilherme, mas ele é sempre assim, faz parte da identidade dele e seria injusto para ele renegar quem é só para cumprir as expectativas da sociedade" eu percebia perfeitamente. No entanto, basta ver outras fotografias na Internet e redes sociais para perceber que ele está sempre de calças. Ou seja, usar calças para ele não é um espartilho da identidade de género que ele acha desajustada, é uma coisa que ele usa no dia-à-dia sem que isso lhe faça confusão. Portanto, a escolha deste outfit para este dia deveu-se a uma das seguintes opções:
  1. Esqueceu-se de meter as calças a lavar. Acordou em cima da hora e não teve tempo de ir comprar outras e só tinha a única coisa passada a ferro era aquela saia.
  2. A caminho do parlamento deixou cair uma torrada com manteiga nas calças e a Joacine teve de lhe emprestar uma saia que tinha no carro.
  3. Só usa saias em ocasiões especiais e achou que a tomada de posse tinha passadeira vermelha.
  4. Usou saia porque sabia que ia ser um tema e iria ser falado.
Parece-me óbvio que é a última opção e não há mal nenhum nisso. É marketing e, meus amigos, é marketing bem feito. Nos dias de hoje ganha votos quem tem visibilidade e tempo de antena e se o Livre quer manter ou aumentar deputados têm de investir em marketing gayrrilha como este. Não me digam que não é pensado para isso porque eu não sou palerma. Agora, se nesse processo de marketing forem quebrados tabus e Portugal ficar um país mais tolerante à diferença, ainda bem. Agora, imaginemos que o André Ventura ia para a tomada de posse de calção e chinelo. Aposto o mindinho do pé em como as pessoas que exaltam o senhor da saia seriam os primeiros a dizer que o André estava a faltar ao respeito ao cargo e à responsabilidade que os portugueses lhe tinham dado e que levava a política como uma brincadeira e apenas como um modo de ser falado e de aparecer.

Se esta moda pega, esta de os políticos abandonarem o dress code rígido da Assembleia e começarem a usar aquilo com que se identificam, imagino algumas mudanças:  o António Costa e o Rui Rio continuam a ir de fato porque estão na política há tanto tempo que até dormem com ele; a Cristas vai vestida de freira beata; a Catarina Martins deixa crescer rastas e vai com aquelas calças largas que parecem pijama de quem faz malabarismo nos semáforos; o gajo do Iniciativa Liberal vai de calça de pano vermelha, sapato de vela, camisa da Tommy e um pullover salmão aos ombros; e o André Ventura vai vestido de fantasma, se é que me faço entender.

Para terminar, deixo-vos com uma história. Em 2011, trabalhava eu numa consultora informática e estava destacado num banco onde éramos obrigados a ir de fato todos os dias, embora fossemos programadores e quase nem víssemos a luz do dia, quanto mais clientes do banco. Certo dia, fui dormir a casa da minha namorada e esqueci-me de levar as calças do fato. Acordo, tomo banho e apercebo-me disso! Paniquei um pouco e vi que não dava tempo para ir a minha casa buscar as calças. Ponderei não ir trabalhar só para não ter de ouvir o chefe, temido por todos, a refilar. Fui na mesma, de calças de ganga, camisa e casaco do fato e optei por não levar gravata porque se era para dar tudo, era para dar tudo. Cheguei e percebi que sempre que me levantava do meu computador muita gente olhava para mim e, cá fora, nas pausas para fumar, todos os meus colegas me perguntavam "Então? Calças de ganga?" assim meio a medo e eu explicava o que tinha acontecido. Ninguém da chefia me repreendeu ou disse alguma coisa. Comecei a levar calças de ganga sempre às sextas-feiras onde o casual friday era fato sem gravata. Ninguém me disse nada. Comecei a levar calças de pano nos dias normais. Ninguém refilou. De vez em quando já levava calças de ganga em dias normais e nunca ninguém me repreendeu. Comecei a perceber que, coincidência ou não, houve alguns colegas a deixar a gravata em casa de vez em quando e a não irem sempre de fato completo. Nunca ninguém refilou. As revoluções, às vezes, começam numas calças, outras vezes numas saias. Pode ser que incentive alguns políticos a não andarem sempre de fato e a assumirem mais a sua identidade. Dava jeito para os conseguirmos definir melhor, já de fato parecem todos iguais, todos aldrabões. Prefiro o senhor da saia, por muito hipócrita que seja, do que o senhor de fato e gravata que quer proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O problema é que, por muito que custe admitir, o senhor de saia faz com que esse outro senhor ganhe mais apoiantes.


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PS: Relembro as últimas datas do meu espectáculo Só de Passagem, onde podem ir vestidos como quiserem.

7 de Novembro - Vila Real Clica aqui para bilhetes
14 de Novembro - Évora Clica aqui para bilhetes
15 de Novembro - Almada Clica aqui para bilhetes
21 de Novembro - Covilhã - Clica aqui para bilhetes
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