Ontem dei por mim a pensar que talvez esteja na hora de voltar a inscrever-me num ginásio. Depois, comi gelado, perdi a vontade e em vez de sair de casa decidi sentar-me a escrever este texto. Se em Janeiro começam as primeiras inscrições em massa nos ginásios, catalisadas pelas resoluções de ano novo que nunca são cumpridas, é em Março e Abril que abre a época oficial da malhação. Chega a Primavera e com ela desaparecem as camisolas de lã que escondiam a banha acumulada do Inverno, qual urso que preferiu prevenir do que remediar ao preparar-se para hibernar na sibéria, e fazem-se contas de cabeça e percebe-se que só se tem mais três meses até ao Verão. Rezemos para que o Junho deste ano seja mais frescote e não dê para fazer praia.
Já fiz muitos anos de ginásio, embora agora já não se note. Aliás, é o grande mal do ginásio: ser de efeito temporário e demorar três meses a reparar o que um domingo de ressaca com pizza, gelado e cheesecake destruiu. Por isso, posso dizer à vontade que o conceito de ginásio é parvo. Vejamos: ir de carro ou de transportes para um sítio fechado onde vamos andar numa bicicleta estática; em casa subimos de elevador até ao 2º andar, mas no ginásio estamos meia hora numa máquina que simula que estamos a subir escadas.
Pagamos a uma equipa de mudanças para acartar com os móveis, mas depois ficamos todos contentes por já conseguirmos fazer supino e agachamentos com mais peso do que no mês passado. Queixamo-nos de dores nas costas a aspirar a casa, mas fazemos abdominais todos tortos até ficarmos com a lombar a arder. Pagamos IMI por termos uma casa que apanha sol, mas vamos fechar-nos numa cave sem janelas. Queixamo-nos das pessoas suadas no metro, mas vamos enfiar-nos numa sauna com desconhecidos e deitamo-nos em bancos ainda manchados com o suor alheio. Chamamos a polícia se vemos um homem todo nu coberto por uma gabardina a exibir-se na rua, mas pagamos para dividir um balneário com outras pessoas que desfilam a genitália. O ser humano sempre criou as suas próprias prisões de incoerência e imaginem o que seria voltar ao passado e explicar o conceito de ginásio a um dos nossos antepassados caçadores-colectores:
- Bem, agora tenho de voltar para a máquina do tempo que tenho de ir ao ginásio que só tenho daquelas mensalidades dos pobres e desempregados que só dá para ir durante o horário de trabalho das pessoas normais.
- Ginásio? O que é isso?
- É uma cena onde fazemos desporto.
- Desporto?
- Sim, exercício físico para ficar em forma.
- Porque é que precisam de ficar em forma?
- Porque comemos muito.
- São uma tribo boa caçadora?
- É... mais ou menos. Vamos ao supermercado e está lá tudo.
- E porque comem demasiado se nunca vos falta comida?
- Eh... epá, porque um gajo está em casa sem fazer nada, sentado no sofá, e sabe sempre bem umas batatas fritas e pão de forma com ketchup.
- Então, mas não chega o exercício que fazem no trabalho?
- Esses trabalhos não pagam muito bem... eu sou consultor informático, passo o dia sentado 16 horas.
- E depois gastas dinheiro no ginásio para compensar?
- Sim.
- Mas por que é que pagas para ir correr ao ar livre?
- Ar livre? Não, isso é de borla. Pago para ir correr numa passadeira que não sai do sítio.
- Porquê...?
- Porque ao ar livre depois há chuva e frio e tal.
- Ah... fazes desporto no Inverno também?
- Não, só costumo fazer ali antes do verão...
- Custa-me a acreditar que tenhas mesmo uma máquina do tempo...
Se há quem treine o ano todo e faça do desporto uma forma de estar, o que dá realmente dinheiro aos ginásios é aquela espécie migratória que paga a anuidade, mas apenas usufrui três meses. Esta espécie tem sempre o mesmo padrão de comportamento: inscreve-se em Janeiro e treina duas semanas a sério. Depois vai relaxando e percebe que chegou a Páscoa e está na mesma forma física. Treina dois meses no duro e começa a ver alguns resultados e pensa «Se eu tivesse treinado assim desde Setembro chegava ao Verão impecável!». Chega a Junho e percebe que não é mais um mês que vai fazer a diferença e promete voltar ao ginásio em força logo depois do Verão para estar em forma para o Verão seguinte. Apenas volta ao ginásio em Janeiro e repete este processo.
Quem inventar uma máquina de ginásio que se possa ter em casa e que tenha o formato de um sofá em que o exercício consiste em estar sentado todo torto a comer bolo será a pessoa mais rica do mundo. Toda a gente gostava de ser elegante e ter um corpo bem definido e torneado, mesmo aqueles que dizem que elas gostam é de um homem com barriguinha e aquelas que dizem que uma mulher se quer com pneus para manobrar. Todos nós queremos ser fit sem esforço, mas usamos essas desculpas para camuflar a falta de força de vontade para comer menos e fazer mais exercício. Calma, gordos! Não desatem já aí a chamar-me nomes e a cuspir Doritos para o teclado! Não se enervem que isso gasta calorias! O pessoal que é muito magro é a mesma coisa! Ninguém gosta de um cabide na cama e de um monte de ossos para jogar ao Mikado. Os corpos não são todos bonitos, lamento.
A época oficial do início do ginásio coincide com a abertura oficial da fotografia na praia, no Instagram. Mais uma vez, há quem as coloque o ano inteiro, racionando as fotografias que tirou nas férias para durante o Inverno ir alimentando as redes sociais de forma a dar a entender que são espíritos livres e que a sua vida é feita a correr atrás do Verão quando, na verdade, estão enfiados num call center sem ar condicionado.
Nesta altura, fico sempre a pensar que, sem dar conta, fiz like na página de um salão de pedicures. Os ginásios deviam ser todos na praia para facilitar a vida das pessoas que vivem de publicar selfies no Instagram. Imaginem um mundo em que podes tirar uma selfie no espelho do balneário do ginásio e, sem teres de pegar no carro, tirar logo outra a beber água de coco, que nem gostas muito mas fica bem na foto, com o mar em pano de fundo? As fotos na praia são a desculpa para se mostrar pele nas redes sociais. Foto de lingerie em cima da cama? Porca. Foto de biquíni na praia a empinar o rabo? Normal. Foto no trabalho a mostrar o abdominal? Labrego. Foto na praia em tronco nu e contemplar o horizonte? Normal. O menos mal deste ritual é que, normalmente, são as pessoas mais atraentes que nos enchem o feed com fotografias seminuas. Os gordos têm mais bom senso, menos quando vão ao McDonald's e lhes perguntam se o menu é normal ou grande. Essas pessoas mais atraentes são as que passam o ano no ginásio criando assim o ciclo-retroalimentado do Ginásio-Instagram. Aliás, nos dias que correm, as pessoas já não querem ter o beach body ready, ou corpo pronto para a praia, o importante é ter o Instagram body ready. Deixo a ideia para um novo ginásio onde todas as máquinas têm câmara fotográfica incorporada e onde o chão é feito de areia para as pessoas conseguirem tirar uma fotografia dos seus pés na areia ao mesmo tempo que mostram as calorias que gastaram na passadeira. «Queime calorias para ganhar likes.», seria o slogan.
Quem vai ao ginásio só devia andar de escadas rolantes se fosse ao contrário.
Pagamos a uma equipa de mudanças para acartar com os móveis, mas depois ficamos todos contentes por já conseguirmos fazer supino e agachamentos com mais peso do que no mês passado. Queixamo-nos de dores nas costas a aspirar a casa, mas fazemos abdominais todos tortos até ficarmos com a lombar a arder. Pagamos IMI por termos uma casa que apanha sol, mas vamos fechar-nos numa cave sem janelas. Queixamo-nos das pessoas suadas no metro, mas vamos enfiar-nos numa sauna com desconhecidos e deitamo-nos em bancos ainda manchados com o suor alheio. Chamamos a polícia se vemos um homem todo nu coberto por uma gabardina a exibir-se na rua, mas pagamos para dividir um balneário com outras pessoas que desfilam a genitália. O ser humano sempre criou as suas próprias prisões de incoerência e imaginem o que seria voltar ao passado e explicar o conceito de ginásio a um dos nossos antepassados caçadores-colectores:
- Bem, agora tenho de voltar para a máquina do tempo que tenho de ir ao ginásio que só tenho daquelas mensalidades dos pobres e desempregados que só dá para ir durante o horário de trabalho das pessoas normais.
- Ginásio? O que é isso?
- É uma cena onde fazemos desporto.
- Desporto?
- Sim, exercício físico para ficar em forma.
- Porque é que precisam de ficar em forma?
- Porque comemos muito.
- São uma tribo boa caçadora?
- É... mais ou menos. Vamos ao supermercado e está lá tudo.
- E porque comem demasiado se nunca vos falta comida?
- Eh... epá, porque um gajo está em casa sem fazer nada, sentado no sofá, e sabe sempre bem umas batatas fritas e pão de forma com ketchup.
- Então, mas não chega o exercício que fazem no trabalho?
- Esses trabalhos não pagam muito bem... eu sou consultor informático, passo o dia sentado 16 horas.
- E depois gastas dinheiro no ginásio para compensar?
- Sim.
- Mas por que é que pagas para ir correr ao ar livre?
- Ar livre? Não, isso é de borla. Pago para ir correr numa passadeira que não sai do sítio.
- Porquê...?
- Porque ao ar livre depois há chuva e frio e tal.
- Ah... fazes desporto no Inverno também?
- Não, só costumo fazer ali antes do verão...
- Custa-me a acreditar que tenhas mesmo uma máquina do tempo...
Se há quem treine o ano todo e faça do desporto uma forma de estar, o que dá realmente dinheiro aos ginásios é aquela espécie migratória que paga a anuidade, mas apenas usufrui três meses. Esta espécie tem sempre o mesmo padrão de comportamento: inscreve-se em Janeiro e treina duas semanas a sério. Depois vai relaxando e percebe que chegou a Páscoa e está na mesma forma física. Treina dois meses no duro e começa a ver alguns resultados e pensa «Se eu tivesse treinado assim desde Setembro chegava ao Verão impecável!». Chega a Junho e percebe que não é mais um mês que vai fazer a diferença e promete voltar ao ginásio em força logo depois do Verão para estar em forma para o Verão seguinte. Apenas volta ao ginásio em Janeiro e repete este processo.
Quem inventar uma máquina de ginásio que se possa ter em casa e que tenha o formato de um sofá em que o exercício consiste em estar sentado todo torto a comer bolo será a pessoa mais rica do mundo. Toda a gente gostava de ser elegante e ter um corpo bem definido e torneado, mesmo aqueles que dizem que elas gostam é de um homem com barriguinha e aquelas que dizem que uma mulher se quer com pneus para manobrar. Todos nós queremos ser fit sem esforço, mas usamos essas desculpas para camuflar a falta de força de vontade para comer menos e fazer mais exercício. Calma, gordos! Não desatem já aí a chamar-me nomes e a cuspir Doritos para o teclado! Não se enervem que isso gasta calorias! O pessoal que é muito magro é a mesma coisa! Ninguém gosta de um cabide na cama e de um monte de ossos para jogar ao Mikado. Os corpos não são todos bonitos, lamento.
A época oficial do início do ginásio coincide com a abertura oficial da fotografia na praia, no Instagram. Mais uma vez, há quem as coloque o ano inteiro, racionando as fotografias que tirou nas férias para durante o Inverno ir alimentando as redes sociais de forma a dar a entender que são espíritos livres e que a sua vida é feita a correr atrás do Verão quando, na verdade, estão enfiados num call center sem ar condicionado.
Chegam os primeiros raios de sol e os feeds das redes sociais são invadidos por pés sapudos enfiados na areia, por gajos labregos de tronco nu e óculos de sol na cabeça, e por sarrabecas de fio dental e tatuagens do bolicao ao fundo das costas.
Nesta altura, fico sempre a pensar que, sem dar conta, fiz like na página de um salão de pedicures. Os ginásios deviam ser todos na praia para facilitar a vida das pessoas que vivem de publicar selfies no Instagram. Imaginem um mundo em que podes tirar uma selfie no espelho do balneário do ginásio e, sem teres de pegar no carro, tirar logo outra a beber água de coco, que nem gostas muito mas fica bem na foto, com o mar em pano de fundo? As fotos na praia são a desculpa para se mostrar pele nas redes sociais. Foto de lingerie em cima da cama? Porca. Foto de biquíni na praia a empinar o rabo? Normal. Foto no trabalho a mostrar o abdominal? Labrego. Foto na praia em tronco nu e contemplar o horizonte? Normal. O menos mal deste ritual é que, normalmente, são as pessoas mais atraentes que nos enchem o feed com fotografias seminuas. Os gordos têm mais bom senso, menos quando vão ao McDonald's e lhes perguntam se o menu é normal ou grande. Essas pessoas mais atraentes são as que passam o ano no ginásio criando assim o ciclo-retroalimentado do Ginásio-Instagram. Aliás, nos dias que correm, as pessoas já não querem ter o beach body ready, ou corpo pronto para a praia, o importante é ter o Instagram body ready. Deixo a ideia para um novo ginásio onde todas as máquinas têm câmara fotográfica incorporada e onde o chão é feito de areia para as pessoas conseguirem tirar uma fotografia dos seus pés na areia ao mesmo tempo que mostram as calorias que gastaram na passadeira. «Queime calorias para ganhar likes.», seria o slogan.
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