Há uns tempos, estava a dar um workshop de escrita criativa e humor (bem sei a história perde um pouco a credibilidade com este começo) quando, respondendo a alguém do público sobre a potencial má influência de alguns youtubers, disse que podia haver esse perigo e que era preciso os pais terem cuidado porque a maioria das crianças é burra e estúpida. Um senhora insurgiu-se e disse, com uma cara horrorizada, "Não concordo nada com isso e até estou estupefacta como é que alguém diz uma coisa dessas!". Percebi, então, que nem toda a gente que estava naquele workshop fazia a mínima ideia de quem eu era e retirei algumas conclusões sobre a senhora: primeiro, não percebeu a parte de estarmos num workshop que tem a palavra "humor" no título; depois, parece-me que deve ter faltado à aula sobre a utilização do exagero e da hipérbole como excelentes ferramentas para fazer rir. Era óbvio que eu estava a tentar ser engraçado, mas, se pensarmos bem, será que não é um bocadinho verdade? Só um bocadinho?
Debrucei-me sobre o assunto e cheguei à conclusão que, afinal, eu tinha razão, mesmo estando a generalizar e a exagerar. Acho, até, que é perigoso para as crianças que achemos que elas não são burras. Se partirmos do princípio que as crianças são muito inteligentes e que conseguem tomar decisões sozinhas e não precisam de protecção, somos capazes de aumentar a mortalidade infantil exponencialmente. Não estou a dizer que isso seja mau, há gente a mais no planeta e era um excelente acto de ambientalismo, já que andamos todos preocupados com os sacos de plástico, mas depois queremos aumentar a natalidade sem pensar que, assim, nascem mais seres humanos que vão poluir durante toda a sua vida.
O melhor para o planeta é a extinção da raça humana e, nesse sentido, não ter filhos vale mais do que separar o lixo e levar as compras do supermercado todas equilibradas na cabeça.
Voltando ao facto de as crianças serem burras: é por isso que os pais e a sociedade precisam de ter cuidado com elas e de as proteger. Temos de partir do princípio de que as crianças não tomam decisões inteligentes e é por isso que escondemos a lixívia porque elas, burras como são, podem lá ir beber a pensar que é Cerelac. "As crianças não são nada burras, são até muito inteligentes" dizia a tal senhora ofendida. Se isso fosse verdade, um adulto com a inteligência de uma criança de dois anos não seria considerado atrasado mental. Quanto ao serem estúpidas, basta irmos a qualquer escola para percebermos que as crianças são do mais maldoso e preconceituoso que existe. A culpa é delas? Até uma certa idade, é óbvio que não, não têm noção do que dizem ou fazem e estão apenas a imitar o que vêem os adultos ou as outras crianças a fazer.
Ser criança só é um qualidade enquanto se é criança no cartão do cidadão, caso contrário, um adulto que se porte da mesma forma que uma criança, é apelidado de infantil e isso raramente é um elogio. Se uma criança matar outra criança, mesmo que de propósito, empurrando-a das escadas abaixo, é considerada inimputável pelos seus actos. Sabem quem é que também tem esse privilégio? Os malucos e os deficientes mentais, logo, uma criança é mais parecida com esses do que com o resto da população. As crianças são esponjas e aprendem a uma velocidade incrível, é certo, mas se lhes medirmos a inteligência pelos padrões de um adulto, não há dúvidas que são burras. Por exemplo, um chimpanzé é mais inteligente do que uma criança de três anos e dizem que um cão tem a inteligência de uma criança de dois anos. Ora, a minha cadela ladra à própria sombra e já vi macacos a comerem as próprias fezes todos sorridentes. Esta minha argumentação prova que as crianças são burras. Sim, inteligência é um termo abstracto e existem vários tipos e várias formas de a medir, mas se formos pela abordagem de que inteligência é a forma de como um ser se adapta e sobrevive ao seu meio envolvente, deixem lá uma criança de cinco anos no meio do mato a ver se consegue construir um abrigo e caçar javalis. Até o Mogli só sobreviveu porque vieram os lobos dar-lhe uma ajudinha.
Já sei que muita gente vai ficar ofendida com este texto, especialmente mães e pais sem sentido de humor devido à privação do sono a que estão sujeitos, neste momento, porque o seu recente rebento, para além de burro, é ingrato e só sabe pedinchar e chorar por tudo e por nada. "Não podes dizer essas coisas, as crianças são o melhor do mundo!", dirão. Se as pessoas que dizem isto pensassem mesmo, genuinamente, assim, não haveria tantas a morrer em África de causas completamente evitáveis.
As crianças só são a melhor coisa do mundo para os pais, para o Pai Natal e para os pedófilos.
E para os pais, só são a melhor coisa do mundo porque crescem e, se tudo correr bem, um dia saem de casa. Por que é que acham que a taxa de natalidade está a diminuir? Porque os casais novos estão a ver que se os filhos forem como eles, só lá para os quarenta é que saem do ninho e deixam de dar despesa.
Quanto aos youtubers, tantas vezes acusados de estarem a contribuir para criar uma geração de atrasados mentais, tenho um misto de sentimentos. Por um lado, todo os criadores de conteúdo, especialmente na Internet, devem ser livres de fazer o que quiserem. Depois, duvido que quando começaram estivessem a contar que agora estariam a entreter crianças da primária; estavam a contar sacar gajas e só têm fãs com idade de mamar e não é da forma que eles tinham pensado. Por isso, acho que cabe apenas aos pais regular o que os filhos podem ou não ver e, não conseguindo evitar que vejam algo que não acham aconselhável, têm de se sentar com eles e explicar o que se passa. Bem sei que muitos pais querem é que os filhos fiquem com o iPad na mão sem os chatear, mas quem lhes disse que educar uma criança ia ser assim tão fácil, enganou-os bem. Por outro lado, como dizia o tio do Peter Parker, "Com grandes views e followers, vem grande responsabilidade". Se eu soubesse que o meu público é, na sua maioria, miudagem de 10 anos, fazia o conteúdo que faço? Provavelmente não, teria mais cuidado, mas tenho 34 anos e outra perspectiva que os miúdos de vinte e poucos ou menos não terão. Pior do que o conteúdo questionável de alguns, é a publicidade de muitos vídeos. Se na televisão, fazer publicidade directamente para crianças tem de obedecer a uma série de regras, na Internet devia ser igual. Só digo isto porque tenho inveja do dinheiro que fazem, atenção.
Claro que uma má influência de antigamente apenas contaminava a turma ou a escola onde andava; hoje, uma má influência pode alastrar-se por milhares ou milhões de pessoas que a seguem. No entanto, isso também é válido para as boas influências e há muita gente no youtube ou em qualquer rede social a fazer coisas muito boas e a inspirar crianças, jovens e adultos ou, simplesmente, a entretê-los e a fazê-los rir. No fundo, a Internet é como Deus: está em todo o lado e, por um lado, dá, mas por outro tira.
A maioria das pessoas é burra, logo, a maioria das crianças também o será. Não são os youtubers os únicos responsáveis por essa criança palerma que têm aí em casa, a culpa também é vossa. É da vossa educação. É dos vossos genes. É da sociedade. É minha. É de todos, mas acima de tudo vossa.
PS: A tal senhora saiu do workshop a meio. Pagaram-me igual.
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