3 de junho de 2018

Uma princesa não fuma, só dá nos ácidos



O Ministério da Saúde identificou um problema: são as mulheres jovens quem mais está a fumar e decidiu criar uma campanha focada nelas, em formato de curta metragem, e criou-se a histeria no galinheiro. Pumba, galinhas histéricas logo assim a abrir as hostilidades. O auto-proclamado Estado Feminista veio dizer que a campanha é machista, sexista e misógina, até porque são os únicos três adjectivos que possuem no seu vocabulário.

A campanha centra-se numa mulher em estado terminal de cancro no pulmão que a certa altura diz à filha "Promete-me que vais ser sempre a minha princesa e lembra-te que uma princesa não fuma". Isabel Moreira disse "Espero que o Ministério da Saúde retire a campanha, que é uma campanha misógina e culpabilizante das mulheres" e o Bloco de Esquerda afirmou que a campanha "confunde público-alvo com discriminação". As Capazes não quiseram ficar de fora e disseram "Não há problema em fazer uma campanha dirigida às mulheres. O problema é a redução da campanha a uma série de estereótipos que têm prejudicado a mulher, reduzindo-a ao papel de mãe e ao papel de princesa". 

Reduzindo a mulher ao papel de mãe? Mas queriam o quê? É uma curta, não deu para mostrar que a personagem tinha um curso superior e era gestora de uma grande empresa. Está em fase terminal, havia de estar a trabalhar em vez de estar em casa? Cambada de burros. Aliás, ela está acamada e a casa está toda arrumada, mostrando que ou é o marido que faz as lides domésticas ou têm empregada (ou empregado, que não quero estar aqui a discriminar).

Uma princesa não fuma, mas dá nos ácidos, pois só isso explica ver fadas madrinhas a voar e tentar enfiar-se numa abóbora a pensar que é um Uber.

Ironicamente, a campanha foi escrita por duas mulheres. Mulheres machistas, obviamente, que é o nome dado por pseudo-feministas a mulheres que têm opiniões diferentes das delas porque as pseudo-feministas advogam a liberdade da mulher desde que esta pense e aja da mesma forma do que elas. A actriz Paula Neves é, portanto, misógina, já que participou na campanha; as duas estudantes que criaram a campanha são, também elas, misóginas; a mãe da miúda que aparece no vídeo é, por esta lógica, misógina, indo até à misógina-mor: Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Tudo sexista! Já agora, em vez de lhes chamar misóginas, prefiro dar créditos a todas as mulheres envolvidas na criação da campanha, desde as actrizes às criadoras e a todas as envolvidas na produção: Ana Rosa, Joana Cunha, Fátima Ferraz, Beatriz Silva, Vera Casaca, Andreia Santos, Maria Melo, Sara Barreiros, Beatriz Realista, Bruna Parreira, Jessica Velez, Mayara Santos, Teresa Sousa, Inês Teixeira, Catarina Vasconcelos, Adriana Barros, Paula Neves e Margarida Cardoso. Parabéns por criarem em vez de criticarem.

A Beatriz Moreira, uma das duas jovens de 18 anos, que idealizaram a campanha, disse "Essas pessoas que se consideram feministas são na verdade aquelas que mancham o nome 'feminismo'. Eu, mulher e feminista, durante a minha infância brinquei com rapazes, esfolei joelhos e recusei usar saias, mas nunca deixei de ser a princesa da minha mãe, do meu pai e dos meus avós". Chupem. Ainda bem que ela disse aquela coisa de manchar o feminismo que assim não preciso de ser eu a dizer.

Isto é uma campanha para impactar mulheres e não para mudar mentalidades no tocante aos estereótipos. Percebo que uma campanha "Uma camionista não fuma" pudesse ser mais interessante para mudar paradigmas, mas depois não cumpriria o objectivo de impactar mulheres. Sim, porque mais mulheres jovens se identificam com princesas do que com camionistas. Se é para arranjar polémica é para ir à raiz do problema: quem disse que aquela rapariga é uma princesa? E se ela quiser ser um príncipe? Quem é que está a assumir o género da criança em tão tenra idade? Isto é, obviamente, repressão do patriarcado! Sugiro a campanha: "Uma pessoa de género indeterminado (até decidir o que quer ser) e sem qualquer estrato social não fuma".

E depois há a questão: mas por que raio é que uma princesa não deve fumar? E se ela quiser fumar? Quando muito, um príncipe é que não deve fumar, que eles é que andam atrás dos dragões e ficam sem fôlego num instante. As princesas nunca as vi a fazer tarefas fisicamente exigentes, a não ser que seja devido aos corpetes e espartilhos que apertam a peitaça e reduzem a capacidade de respirar e, nesse caso, fumar pode complicar ainda mais. Estou a brincar, claro que uma princesa não fuma, uma princesa nem pode trabalhar, como vimos no caso do casamento real em que a Meghan Markle teve de abdicar da carreira para se casar com o Harry. Essa merda é que é misoginia e reduzir o papel da mulher a dona de casa sem vida própria, mas disso não falam elas porque vestidos lindos e não sei quê. E nas companhias aéreas que exigem que as hospedeiras tenham uma certa altura e peso? Nisso não pegam elas e essa merda é que é discriminação e sexismo.

E as associações "feministas" que não têm diversidade e só aceitam feias? Pois, dessa discriminação ninguém fala.


Já aqui escrevi sobre o impacto que acho que as histórias infantis têm na vida das mulheres e dos homens: às mulheres, basta-lhes serem bonitas que conseguem sacar um príncipe; aos homens, basta-lhes serem ricos e fortes para sacarem uma gaja boa, mesmo mamando-lhe da boca enquanto está inconsciente. Sim, esses estereótipos são prejudiciais desde tenra idade, mas trazer esse debate para esta campanha, exigindo que seja retirada, é só de quem não tem mais nada com que se preocupar. Se ainda viessem dizer que a campanha é desperdício de dinheiro público e que não serve para nada, isso tudo bem; já estamos numa fase em que toda a gente sabe os malefícios do tabaco e quem fuma é palerma, tal como eu.

Se as mulheres são esquecidas, há merda. Se se lembram delas e tentam resolver um problema grave, há merda. Se não fosse por isto era por outra coisa, tipo o casal ser branco e heterossexual e a miúda não ter traços asiáticos e ter os quatro membros inteiros. Os radicais de esquerda são os radicais livres e, como tal, são prejudiciais à saúde, mas acho que tudo isto vem de um fundo bom que é o da igualdade e de um mundo melhor para todos; mesmo estes radicalismos e exageros parecem-me ter um fundo bom, na sua maioria, apenas com uma pequena parte vinda de pessoas que encontraram uma forma de alguém lhes dar atenção. Estamos num período de mudança e as coisas equilibrar-se-ão no futuro e, seja como for, às vezes é preciso dizer merda para acender o debate e o que é certo é que nunca se falou tanto de igualdade de género como agora e isso é bom. Nas revoluções há sempre extremismos e danos colaterais e temos de confiar que o futuro será melhor. Nas revoluções também há poemas, por isso deixo-vos com um:

Grita machista
Por tudo e por nada
És feminista
Mostra-te indignada
Grita opressão e sai à rua
Porque as mulheres são livres
de ter opinião
desde que seja igual à tua 
Grita misoginia
Faz uma romaria
E culpa o patriarcado
Pelo teu ordenado
Uma princesa fuma, se quiser,
Porque é uma mulher
Forte e independente
Que afugenta os homens
Com a sua liberdade, 
Ou, na verdade,
E mais concretamente,
ninguém a quer foder,
Literalmente.

E pronto, é isto que tinha para dizer sobre esta polémica parva. Na minha opinião de homem branco heterossexual perpetuador da sociedade patriarcal, achei a curta-metragem bonita, bem feita, e forte. Agora, vou ali fumar um cigarro que já fiquei enervado e, só para chatear, vou usar uma tiara.




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