1 de julho de 2018

Madonna pode estacionar no lugar dos deficientes



Portugal está na moda, já todos estamos cansados de saber, e começa a atrair celebridades mundiais. Depois de Monica Bellucci e de mais uns quantos que decidirem comprar casa em Portugal, foi a vez de Madonna se mudar para a nossa capital. Reagimos como é nosso apanágio: primeiro, eufóricos pela aprovação da rainha da pop, numa espécie de orgulho parolo que tanto nos caracteriza; depois, começámos a torcer o nariz porque ela nunca mais se decidia quanto ao imóvel que iria adquirir. Levámos a peito o facto de a maioria de nós não ter possibilidade de escolha e ter de se contentar com um T0 no Cacém a 800€ mensais, enquanto que a eterna virgem se passeou por propriedades e casas no valor de milhões de euros sem nunca se mostrar satisfeita. Quando ela se queixou da burocracia dos nossos serviços, reagimos como sempre quando um estrangeiro diz mal de algo que nos é tão querido: "Ai estás a dizer mal de Portugal? Pensavas o quê? Que irias ser privilegiada? Aguenta e não chora que Portugal é isto.". Era o que faltava vir para cá uma dondoca americana dizer que a nossa Segurança Social não funciona bem! Era o que faltava vir um estrangeiro dizer que o nosso ordenado mínimo é miserável! 

Isso é apropriação cultural, se os estrangeiros nos tiram o prazer de dizermos mal de tudo o que é nosso, o que é que nos resta? Apreciar a nossa gastronomia, não?

Era o que faltava, querem vir, venham, gastem dinheiro, mas só podem dar cinco estrelas no Zomato a este restaurante à beira mar arrendado que é o nosso.

Agora, estalou o verniz porque a Câmara Municipal de Lisboa cedeu um espaço para a Madonna estacionar os seus quinze carros. Já tentaram estacionar no centro de Lisboa? É um caos. Temos de dar voltas e voltas e quando parece que encontrámos um lugar, afinal é um SMART que está lá, mesmo a fazer-nos pirraça. Agora, imaginem o que é estacionar 15 carros! Coitada da sôdona Madonna. Aliás, coitados dos motoristas que a conduzem. O grande problema é que se quisermos estacionar em Lisboa, mesmo nas zonas mais baratas, temos de pagar, no mínimo, uns 8€ aos senhores da EMEL. A Madonna só vai ter de pagar 720€ por mês para os 15 carros, o que dá 2,18€ por cada um, por dia. A semana passada, deixei o carro num parque, durante algumas horas, e tive de arrotar 15€ o que equivale a quase 2% do valor do meu carro. Se alguém podia pagar o valor absurdo do estacionamento em Lisboa é a senhora Madonna. O Medina, se fosse esperto, tinha-lhe dito "Sim senhora, cedemos o espaço por 10 mil mensais e esse dinheiro vai directo para uma instituição de solidariedade à sua escolha". Isto, sim, era bonito e toda a gente ficava contente, mas enquanto não for eu a mandar nisto tudo, não há forma de Portugal ir ao sítio. Não fosse o caso dos carros da Madonna serem conduzidos pelos seus motoristas e pensava que o Medina estava a ser machista ao pensar que, por ser mulher, precisa de espaço para 15 carros para estacionar um sem raspar em lado nenhum.

A nós, comuns mortais, isto ofende-nos, mas, na verdade, não perdemos nada. Quem perde são os arrumadores de carros que fariam uma fortuna a ajudar os motoristas da Madonna a "destorcer" ou a "untwistar". Nós só damos cinquenta cêntimos, no máximo, ou dois cigarros; os motoristas da Madonna, ainda por cima com carros que não devem ser baratos, dariam uma extinta nota de 500€ mesmo que o arrumador só chegasse no fim da manobra para nos tranquilizar com o seu "'Tá bom!" ou "It's ok!". Medina podia ir mais longe e oferecer um dístico de residente da EMEL para todas as zonas de Lisboa e um dístico de deficiente para que a Madonna possa estacionar onde quiser. Acho, até, que a Madonna podia estacionar em cima das passadeiras e que o carro dela devia ter daqueles autocolantes a dizer "Cuidado, Madonna a bordo" para que a polícia fechasse os olhos a todas as contra-ordenações.

Por falar nisso, aposto que há quem esteja indignado e que tenha por hábito estacionar no lugar dos deficientes sem ser deficiente, pelo menos legalmente, porque ao fazê-lo cria um paradoxo da deficiência mental.

Portugal foi eleito o melhor destino da Europa para reformados e, parecendo que não, a Madonna já está nos 60. Não tarda, quando a virem a passar à frente na fila do supermercado, não é por ser a Madonna, é mesmo porque já tem prioridade. Por muito que nos custe engolir, a Madonna é uma plataforma de marketing que Portugal não pode recusar e se isso significar ceder perante os seus caprichos, talvez nos compense. Com a Madonna cá, Portugal fica ainda mais na moda, as rendas aumentam (ainda mais) e, como os portugueses não vão ter dinheiro para as pagar, vai atrair mais estrangeiros que são os únicos capazes de comprar ou arrendar essas casas, logo, mais dinheiro a entrar em Portugal. Aos comuns mortais, restará ir morar para os arredores de Lisboa ou do Porto, tipo Castelo Branco, ou algo menos próximo.

Por muito que nos custe, não somos todos iguais. Há uns com mais dinheiro, mais mediatismo, mais poder e, com tudo isso, com mais facilidades para tudo o que são coisas materiais. Acham mesmo que o poder de negociação da Madonna é igual ao nosso? Claro que não e a culpa não é dela nem de quem lhe faz as vontades. A culpa é de quem a idolatra e lhe confere esse estatuto.




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