16 de agosto de 2018

Entrevistei a Marine Le Pen



Marine Le Pen foi desconvidada para a Web Summit. Sei bem o que ela deve estar a sentir e acho que lhe fizeram um favor, tal como me fizeram quando fui desconvidado para um casamento porque houve gente ofendida com coisas que escrevi. Castigo era terem-me obrigado a apanhar seca e ainda ter gastar dinheiro na prenda. Em relação a Le Pen, houve quem enaltecesse o facto de ser desconvocada, houve quem achasse que é uma espécie de censura e que isso é descer ao nível da senhora fascista. Tenho um misto de sentimentos: por um lado, acho que a Web Summit, um palco internacional que simboliza uma aldeia cada vez mais global, não é lugar para o nacionalismo de algibeira; por outro, já que tinha sido convidada, acho que devia ter vindo nem que fosse para termos oportunidade de lhe mandarmos com fruta podre à cabeça. Assim, perdeu-se uma boa ocasião para lhe dizermos em pessoa o que costumamos escrever nas redes sociais sobre os seus ideais.

Seja como for, acho que o racismo e a xenofobia não se combatem a varrer para baixo do tapete e, por isso, gostava de ter visto um debate com Le Pen ou vê-la responder a perguntas incómodas vindas da audiência. É a contrapor e a ridicularizar que se combatem estes fenómenos populistas. Assim, só lhe fizemos o que mais lhe criticamos: mandá-la de volta para a terra dela.

Vendo que ela já não viria, mexi uns cordelinhos e consegui uma entrevista com a senhora que vou partilhar convosco:

GD: Então, Marine, diga-me lá uma das primeiras medidas que tomaria caso fosse eleita presidente de França.
LP: Expulsão automática de estrangeiros condenados por crimes e de todos os que estiverem a ser vigiados pelos serviços de espionagem.
GD: A primeira até posso concordar, mas a segunda quer dizer que acredita que as pessoas são culpadas até prova em contrário?
LP: Os estrangeiros, sim.
GD: Faz sentido, não falam bem a língua por isso nunca se sabe se estão a confessar o crime ou não. E mais uma medida?
LP: Construir prisões para termos vagas para mais 40 mil reclusos.
GD: Ui, então, mas depois de expulsar todos os estrangeiros e migrantes ilegais ainda vai precisar de prender tanta gente? Não me diga que os franceses também cometem crimes?
LP: Próxima questão, por favor.
GD: Qual acha que é a coisa mais importante numa sociedade?
LP: A educação.
GD: Mais uma coisa em que concordamos, ainda saímos daqui amigos, mas diga-me, sobrará dinheiro das prisões para apostar em escolas?
LP: Não, mas o que vamos fazer é decretar que apenas os cidadãos franceses tenham acesso a educação gratuita.
GD: Então, deixe cá ver se entendi: acha que a educação é a coisa mais importante da sociedade, mas quer limitá-la, é isso?
LP: Hum... sim.
GD: Então, e se acha que os estrangeiros são a fonte dos problemas, não deviam ser eles a ter mais acesso à educação já que se acha que é a coisa mais importante na sociedade talvez ajudasse a integração?
LP: Próxima pergunta, por favor.
GD: Em termos de desemprego, o que pretende fazer?
LP: Vou taxar empresas que não fabriquem as coisas na França.
GD: Ok, mas sai mais caro às empresas produzir as coisas em França do que, por exemplo, na China, certo?
LP: Certo, mas assim é que se combate o desemprego!
GD: Será? Olhe a Apple que fabrica no estrangeiro e que, por isso, consegue margens de lucros gigantes ao ponto de ser a empresa mais valiosa do mundo que emprega no seu país de origem cerca de 80 mil pessoas e estima-se que tenha criado cerca de dois milhões de postos de trabalho indirectamente. Se tivesse de fabricar nos EUA é provável que nunca crescesse tanto e assim tinha criado menos postos de emprego no seu próprio país.
LP: Próxima pergunta, se faz favor.
GD: Em termos laborais, tem mais alguma medida?
LP: Sim, os empregadores que contratem estrangeiros devem pagar um imposto adicional.
GD: Porquê?
LP: Para favorecer a contratação de franceses!
GD: No início deste ano foram várias as notícias que deram conta de que a França tem falta de mão de obra qualificada como engenheiros, por exemplo.
LP: Temos é de formar e não ir buscar estrangeiros que isso só prejudica o país!
GD: Por exemplo, em Silicon Valley, 50% das pessoas são nascidas fora dos Estados Unidos o que significa que se não aceitassem estrangeiros nunca seriam a meca de inovação e tecnologia do mundo.
LP: Próxima pergunta, por favor.
GD: Um dos seus temas mais queridos é o Islão, certo?
LP: Sim, os muçulmanos estão a querer invadir a França, mas nós vamos resistir!
GD: Parece-me que anda a ler Astérix a mais, mas qual é o problema ao certo?
LP: O terrorismo como é óbvio! Andam a matar os franceses!
GD: Percebo, mas, por exemplo, neste século morreram 249 pessoas em França devido a ataques de terrorismo islâmico. No entanto, por ano, existem mais de 700 homicídios em França o que dá, para o mesmo período de tempo, cerca de 11900 mortes.
LP: Sim, e?
GD: Nada, nada, achei curiosas as prioridades. E mais medidas?
LP: Retirar aos migrantes ilegais o acesso gratuito aos cuidados básicos de saúde, por exemplo.
GD: Percebo, acha que quem não paga impostos não deve usufruir do que é sustentado com eles.
LP: É isso mesmo! Finalmente, alguém me compreende.
GD: Espere... mas uma das suas medidas é impossibilitar a legalização de migrantes ilegais, correcto?
LP: É, sim senhor.
GD: Então, não é uma questão de dinheiro, caso contrário facilitaria isso para que eles pagassem impostos pelo trabalho que já estão a desempenhar de qualquer forma e isso beneficiaria o Estado e, por isso, todos os contribuintes franceses.
LP: Próxima pergunta, por favor.
GD: Ouvi dizer que também quer restringir os pedidos de asilo, correcto?
LP: Correcto.
GD: Da mesma forma, se França fosse, por exemplo, invadida por uma Alemanha Nazi, ninguém deveria dar asilo e abrigo aos franceses, certo?
LP: Não percebi a pergunta, porque é que alguém quereria fugir de uma França ocupada por Nazis?
GD: Tem toda a razão, erro meu, troco Alemanha nazi por uma Rússia comunista.
LP: Acho que aqui vou ter de lhe dar razão que realmente ser invadido por comunistas é de fugir.
GD: Visto que a imigração é péssima para o mundo, faz sentido que a França dê o exemplo, certo?
LP: É nesse sentido que queremos trabalhar.
GD: Existem cerca de 300 milhões de pessoas no mundo de ascendência francesa devido à emigração. Têm espaço para os receber a todos de volta?
LP: Próxima pergunta, por favor.
GD: Já percebemos que não aprecia estrangeiros, mas imagine, senhora Le Pen, que em vez de ser um migrante que vem escondido num barco, é um dos 20 milhões de turistas que visitam Paris todos os anos e que sustentam a economia francesa.
LP: Não vejo problema nisso.
GD: Mesmo que fosse uma família saudita, por exemplo?
LP: Desde que sejam pessoas com boa educação, não vejo problema.
GD: Sim, sim, esta família hipotética é riquíssima e teve acesso aos melhores estudos.
LP: São muito bem vindos.
GD: Ok, então deixe-me dizer que acabou de deixar entrar a família Bin Laden em França. E agora?
LP: Bom, tenho de ir embora.
GD: Precisa de boleia? Tenho um tio que mora "na França" e que vai voltar hoje para cima. Acho que ainda tem espaço para si na bagageira no meio das chouriças e das batatas.




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