Sabem aqueles filmes futuristas em que os humanos andam todos vestidos de igual e, por norma, de branco para retratar um mundo frio e asséptico? Pois bem, as previsões estavam correctas com a diferença de que temos uma marca estampada no peito. Já devem ter reparado na praga que invadiu as ruas e o Instagram do nosso país: pessoas vestidas com uma t-shirt branca com o logótipo da Levi's. Chamam-lhe "T-shirt viral" que é todo um conceito novo que ainda estou a tentar compreender. Ontem, na rua e em menos de uma hora, contei cerca de 52 destas t-shirts; a maioria era branca e as t-shirts também. Não consigo perceber o processo mental de: "Bem, toda a gente tem esta t-shirt, vou comprar uma.". Se fosse uma t-shirt muito bonita ou com uma relação preço/qualidade incrível, tudo bem, não acho que é por outras pessoas terem que não devemos querer só porque achamos que somos diferentes. No entanto, neste caso parece-me que é apenas porque "é moda" e quem não tem sente-se excluído desta tribo super cool.
É uma espécie de flamingo cor-de-rosa, versão 2018, com a diferença de que com o dito insuflável o mundo só era igual nas fotografias do Instagram e não tínhamos ruas inundadas de clones.
Talvez isto seja tudo um mal entendido e a explicação para este fenómeno esteja no facto de a Levi's pagar tão mal aos seus empregados que nem têm dinheiro para comprar roupa e andam com a farda do trabalho nos dias de folga. Se pensarem bem, essa t-shirt, básica e com um logótipo gigante, só faz sentido para os empregados das lojas da Levi's. Imaginem o que seria este conceito com outra marca e passearmos todos vestidos com a farda do McDonald's e a cheirar fritos. Imaginem que vestiam uma t-shirt branca e alguém vos abordava na rua: "Olhe, tenho aqui este autocolante com o logótipo da minha empresa e gostava de o colar na sua t-shirt. Em troca o senhor paga-me 20€, pode ser?". A Levi's conseguiu convencer milhares de pessoas que isto é cool e o mais engraçado é que a marca é conhecida, maioritariamente, pelas calças de ganga e não pelas t-shirts.
Vi uma fotografia de uma rapariga no Instagram em que envergava a dita t-shirt e cuja legenda dizia "Sê tu mesma, não tenhas medo de ser única.". Alguém lhe devia explicar o conceito de unicidade. Andávamos enganados ao pensar que o pior que podia acontecer a uma mulher era chegar a um sítio e ver outra com a mesma roupa. Ninguém gosta de usar farda na escola e depois anda tudo de igual. Pensando bem, pode ser essa a mensagem por trás deste movimento Leviano (forte trocadilho): se andarmos todos vestidos de igual, o estatuto e as classes sociais dissolvem-se e o mundo é um local melhor. Sim, porque com os ciganos a vender as mesmas t-shirts na feira por três euros e meio, a Levi's torna-se, assim, uma marca transversal que é usada tanto por betos de Cascais como por mitras da Linha de Sintra; por emigrantes com crucifixo de rezar no escuro como por mães de Martins e Beneditas que pensam que ainda são jovens.
No meio disto tudo, tenho de dar os parabéns ao pessoal do marketing da Levi's que conseguiu este feito. Não sei se foi propositado ou se estão a apanhar do ar tipo "Eh pá, como é que a gente fez isto? Era giro descobrirmos para conseguirmos replicar para outras peças". Penso que isto possa vir a ser um case study com o título: como é que uma marca conseguiu convencer os seus clientes a pagar para serem outdoors publicitários ambulantes. Ando na rua e estou sempre a ter déjà vus, com pessoas iguais a brotar de cada esquina com a marca estampada quais anúncios popups.
Se for para a cama com uma mulher com esta t-shirt não a dispo, faço "Ignorar anúncio".
Acho que este saco do mupi zombie andante foi o resultado desta cronologia:
- Levi's paga a influencers de moda do Instagram para usarem a t-shirt;
- Nos grupos de amigas as mais giras compram e começam a usar;
- As amigas feias e invejosas compram a pensar que também lhes vai ficar bem.
Estou a falar de mulheres porque toda a gente sabe que são elas que movimentam 90% do mercado da roupa, mas os homens também estão a aderir a esta moda em força, não pensem que são só as mulheres que são pategas. Depois desses três passos, cria-se o efeito bola de neve e como se não bastasse pagarem para lhes alugarem espaço publicitário no peito, ainda tiram a foto para o Instagram com a hashtag #levisshirt, mesmo que tenha sido comprada nos ciganos. Nem nos sonhos mais molhados os criativos de marketing tinham ambicionado isto. A Levi's terá, assim, conseguido tornar-se uma love brand. Poucas o conseguem e não me lembro muitas outras além da Coca-Cola, da Nike e, claro, da Apple. Se os portáteis da Apple tivessem letras gigantes em néon a piscar a dizer "Este aparelho é da marca Apple e foi caro!" as pessoas compravam com gosto. Quem tem estas marcas paga o preço inflaccionado pelo estatuto que elas conferem e prova disso é que quem tem um iPhone nunca se refere ao seu aparelho móvel como "o meu telemóvel", mas sim como "o meu iPhone". Ninguém diz "O meu Nokia" ou "O meu Samsung". Acontece o mesmo com os portáteis quando ouvimos "O meu mac", numa espécie de impulso incontrolável de anunciar ao mundo que se é uma pessoa muito cool e irreverente. Será que quem tem Ferraris também diz "Eu depois passo a buscar-te de Ferrari" em vez de "Eu depois passo a buscar-te de carro"? Não sei, não conheço ninguém que tenha um Ferrari.
Esta t-shirt não foi a primeira "viral", já tínhamos experienciado este fenómeno, embora um pouco diferente, com as t-shirts do Rock In Rio e do Hard Rock, como se alguém quisesse saber onde vocês vão ou deixam de ir. Tentou-se com uma que dizia "Dar sangue? Eu dei", mas a moda não pegou, ninguém sabe muito bem o porquê. Já agora, se alguém do departamento de marketing da Levi's vir isto e me quiser enviar uma t-shirt, escusam de dar-se ao trabalho porque vou fazer as minhas. (No entanto, se me quiserem enviar calças de ganga aceito com gosto que as minhas estão todas rotas nas virilhas.)
Daqui a uns anos, olharemos para as fotografias de 2018 como fazemos com as de 1994 - em que toda a gente tinha daqueles fatos de treino fluorescentes - e pensaremos exactamente o mesmo: "Bem, que foleirada." Somos todos ovelhas influenciáveis. Todos. Não me estou a colocar fora desse baralho que só tem cartas do mesmo naipe; não o sou com a roupa, mas sou com outras coisas, certamente, como por exemplo com a moda de dizer mal de pessoas que seguem a moda. Agora tramei-vos o comentário que estavam a pensar fazer, não foi? Podem sempre comentar outra coisa e partilhar. Obrigado e voltem sempre.
Daqui a uns anos, olharemos para as fotografias de 2018 como fazemos com as de 1994 - em que toda a gente tinha daqueles fatos de treino fluorescentes - e pensaremos exactamente o mesmo: "Bem, que foleirada." Somos todos ovelhas influenciáveis. Todos. Não me estou a colocar fora desse baralho que só tem cartas do mesmo naipe; não o sou com a roupa, mas sou com outras coisas, certamente, como por exemplo com a moda de dizer mal de pessoas que seguem a moda. Agora tramei-vos o comentário que estavam a pensar fazer, não foi? Podem sempre comentar outra coisa e partilhar. Obrigado e voltem sempre.
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