O fim-de-semana passado fui ao Rock in Rio, pela primeira vez. «Deves andar a ganhar bem!» dizem alguns de vós, enganados, porque é evidente que só lá meti os pés porque me ofereceram bilhetes. Eram bilhetes legais ou contrafeitos no mercado negro da Cova da Moura? Não vou, obviamente, estar aqui a falar sobre isso sem a presença do meu advogado. À entrada fui revistado por um segurança, que é eufemismo para dizer que foi a experiência mais próxima com sexo homossexual que já tive. Não desgostei, mas é coisa que não pretendo repetir, muito menos sóbrio. Sempre que há este tipo de revistas e afalfamentos às miudezas a ver se contêm bombas, lembro-me que temos de passar por isto, e pelo princípio de que até prova em contrário somos todos terroristas e más pessoas, porque o mundo é um local de merda. O engraçado é que a maior preocupação na entrada não é em perceber se alguém leva armas ou drogas, mas sim em averiguar se não há nenhum jihadista do tupperware que leva comida ou bebida refundida para poupar uns trocos lá dentro.
Mais depressa se entra no Rock in Rio com uma ponto-em-mola do que com uma baguete de chourição. Prioridades desta nossa sociedade.
Entrei, por volta das 20.30h, ainda não havia assim tanta gente quanto isso no recinto. Sinais da crise, já que toda a gente sabe que os últimos anos têm sido terríveis para os festivais de verão. Já tinha jantado antes de entrar, mas fui dar uma volta para ver o que havia. Qual não é o meu espanto, ao ver que todas as barraquinhas de comida tinham o sufixo «do bairro», «gourmet», ou «teria». Salsicharia do Bairro, Hamburgueria Gourmet, Croqueteria do Bairro mesmo ao lado da Taberna Balsâmica. A comida presunçosa estava lá em força a substituir as antigas e típicas barraquinhas dos cachorros e hambúrgueres congelados a escorrer óleo. Toda a gente sabe que quem já arrotou 69€ por um bilhete tem bem posses para pagar 10€ por um sufixo e umas folhas de rúcula. Além de que faz muito mais sentido num festival ter daqueles hambúrgueres que vêm abertos e que se têm de comer de garfo e faca, de plástico, mas gourmet, do que andar de pé com a comida na mão feito pobre.
Por aqueles lados, andava pessoal vestido de mascote: vi um pão de forma, uma salsicha e um anão. Calculo que fosse da salsicharia gourmet, que tem doses pequenas. O que uma pessoa tem de fazer para ganhar uns trocos. Se os nossos antepassados imaginassem que um dia iria haver pessoas vestidas de cachorro quente para chamar clientes, tinham amputado a própria salsicha para que a espécie não se propagasse. Mas pronto, ali 20€ por 8 horas de trabalho, dinheiro na mão e sem pagar imposto, em tempos de crise tem de se aproveitar senão ainda há gente que diz que as pessoas não querem é trabalhar. Estranho, engraçado e irónico, mundo em que uns se vestem de comida e há outros, muitos, a morrer à fome. Já estou a ver um episódio do «E se fosse consigo?» em que grupos de rapazes que tentam juntar algum dinheiro para as férias de verão, vão passear-se pela África subsariana vestidos de papas de aveia e de frango com muamba, enquanto fazem pirraça às crianças que pensam já estar a alucinar com a subnutrição que as fazem ver alimentos a dançar ao som de jambés.
Bem, deixemos esse imaginário utópico e voltemos ao festival. Dei mais uma volta e vi filas com dezenas de pessoas que se amontoavam! Pensei, «Deve estar ali algum artista conhecido, ou vai começar um concerto importante num daqueles palcos dos hipsters alternativos bué cools!», mas enganei-me redondamente: eram filas de pessoas à caça dos brindes. Sabem aquelas pessoas que chegam ao fim do dia com sacos e sacos cheios de merdinhas de borla que nunca vão usar? É uma síndrome obsessivo-compulsivo que os impele a aceitar tudo o que seja gratuito: canetas? Quero. Blocos de notas com o branding de um banco? Adoro! Fitas, porta-chaves, e anal plugs com a marca de uma agência de viagens? Era mesmo o que fazia falta lá em casa!
São pessoas que alugam o rabo por uma borracha que apaga tinta permanente mesmo que sejam analfabetos.
São pessoas que vendem a própria mãe por um bloco de post-its com várias cores. São pessoas que pagam 69€ para estar uma hora na fila à espera de ter um desconto de 10% no T0 que vão alugar no verão em Abrantes. Havia de tudo, desde barracas para impingirem seguros médicos a pessoas bêbedas que tomam decisões precipitadas, até lojas a vender paus de selfie com desconto de quantidade. O Rock In Rio é muito mais do que música, é uma cidade, não do rock, mas do pop. Vi, também, um stand de uma operadora móvel que se chamava Bundalicious e cujo slogan era «Bundas of the world unite». Está giro, sim senhor, nada conjuga melhor com gigas de dados móveis do que bundas, já que é para ver rabos que serve a Internet. Só achei estranho ver lá raparigas a bambolear os seus glúteos, que juntos não perfaziam mais de trinta anos, enquanto senhores de meia idade observavam de mão no bolso e abanavam a cabeça, de cima, ao som de trap music. Rock In Rio a levar o lema de «juntar gerações» demasiado à letra. Para o pessoal de artes e humanidades, esclareço que quando disse que os glúteos juntos não perfaziam trinta anos, estava a querer insinuar que elas eram menores, já que trinta a dividir por dois dá sempre menos de 18.
Lá pelo meio do recinto andavam rapazes a vender cerveja, com uma espécie de jet pack com uma mangueira para que nunca falte líquido a todas as gargantas esforçadas. Pedi uma, pequena, morta, dois euros. Disse-lhe «Isto está morto!» ao que ele responde, «Mas está fresca!». Fui, depois, comprar uma caipirinha, cinco euros, das pequenas. Pedi e foi-me servida em cinco segundos, o que para os mais inexperientes poderia parecer um excelente serviço, mas para alguém já vivido é sinónimo de que havia sido preparada em série e que estava há horas ali pousada. Provei: suminho de limão… azedo que é para parecer que tem cachaça. A organização do Rock in Rio devia fazer uma vistoria a quem concessiona o espaço porque isto, meus amigos, é um roubo e não é por estarmos perto de Chelas que deveria ser aceitável. Depois de tanta vitamina C, apeteceu-me beber água, mas com medo de ter de pagar três euros por um copo de água do autoclismo dos urinóis, decidi ir aos bombeiros simular um pré-coma alcoólico para que me ligassem ao soro de forma gratuita. Bem-dito estado social! Aprendam com quem sabe que um dia não estarei cá para vos dar estas dicas. Ao voltar vi dois voluntários, ou então eram só duas pessoas que acharam que o colete refletor era a melhor indumentária para ir ao festival, a comerem-se valentemente num canto.
A mamarem-se da boca como dois antílopes que atravessaram o deserto e finalmente encontraram uma poça de água.
Aquelas línguas mexiam-se com o mesmo vigor com que uma empregada de limpeza esfrega os restos de vomitados ressequidos do tampo das sanitas portáteis no fim do festival. Um comilanço que até apetece bater palmas e gritar palavras de incentivo. Não pude deixar de imaginar no paradoxo que seria se a rapariga estivesse a ser forçada a alguma coisa. Já terá uma voluntária sido violada? Já terá um juiz perguntado a um réu «Como se declara perante as acusações de ter violado uma voluntária?». É neste tipo de coisas para as quais a minha mente vagueia de vez em quando.
Já o sol se tinha posto atrás dos prédios do bairro manhoso da Bela Vista, quando o recinto começou a ficar composto, com milhares de pessoas amontoadas a tirar fotografias com flash ao palco. Sabem essas pessoas que acham que o flash do telemóvel gera a mesma luz do que aquela produzida pelo sol? Aposto que as pessoas que tiram fotografias à noite, com flash e à distância, são as mesmas que acendem os máximos quando está nevoeiro. São pessoas que não têm respeito pela bateria do telemóvel nem pelos epiléticos. No entanto, com tanta gente junta, não pude deixar de contemplar o meu redor e pensar na força que a arte, a música, neste caso, tem e na forma em como consegue juntar as pessoas. Pessoas diferentes, brancos e pretos, ateus, católicos e muçulmanos, novos e velhos com uma geração entre eles, de todas as profissões, de várias cidades, apenas com um ponto em comum que os une: o facto de terem 69€ para gastar. Apanhei-vos na curva, não foi? Achavam mesmo que ia falar mesmo de música e das bandas que tocaram neste dia? Acham que alguém vai aos festivais por causa da música? Tenham juízo. No fim, comprei a t-shirt da praxe a dizer «Eu fui.», não porque goste de andar a gabar-me de todos os sítios a que já fui, feito exibicionista pavão, até porque de algumas nunca soube o nome, mas porque sei que vou conseguir vendê-la no OLX por 50€ a algum palerma que não tinha dinheiro suficiente para o bilhete.
Moral da história: só fui porque foi de borla e só voltarei na mesma condição. Vale o dinheiro? Vale, mas só para quem gosta de festivais ou apenas tem ali a oportunidade de ver a sua banda favorita. Não tenho nada contra, até tenho amigos que vão. Depois cortam-se é aos jantares de aniversário porque não têm dinheiro.
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