Quem disser que nunca se sentiu envergonhado em alguma situação causada pelos seus pais, das duas uma: está a mentir ou cresceu num orfanato. Aqui ficam dez situações comuns nas quais os filhos se querem esconder num buraco sem fundo.
«Não comes mais nada?»
Todas as mães têm um espírito de alimentadora de porcos. Acham que toda a gente gosta de repetir cinquenta vezes e que quem não repete só o pode estar a fazer por cerimónia. Esta qualidade de incentivadora enfardadeira vai apurando com a idade e, quando chegam a avós, é algo que lhes é impossível controlar. A minha mãe obriga as pessoas a comer. A minha mãe trata os meus convidados em casa como patos criados para produzir foie gras, ao enfiares-lhes um tubo pela goela abaixo. No outro dia, durante as gravações de uns sketches, levou sandes para a equipa de filmagens. Eles rejeitaram porque tinham acabado de comer. Ela insistiu. Eles voltaram a recusar. Não contente, voltou a insistir. Eles voltaram a dizer que não lhes apetecia mesmo. Depois de eu refilar com ela a dizer que era um paradoxo ela achar que eles estavam a rejeitar por cerimónia e que ao insistir tanto eles iam acabar por comer sem vontade e, aí sim, por cerimónia. A minha mãe voltou a insistir e foi, às minhas escondidas, dar-lhes as sandes para que levassem para casa. A minha mãe é o Pablo Escobar das sandes de carne assada. Até vão fazer uma série sobre ela chamada NACOS. A frase de assinatura vai ser «A Dona Belmira se le respeta. Jamón o queso?»
«O meu filho teve tudo cincos!»
Todos os pais são gabarolas em relação aos filhos. Seja porque o Rafael Alexandre já se sabe sentar sozinho aos dois anos, ou porque a Patrícia Soraia já sabe tirar selfies com duck face aos seis meses. Os meus pais tinham a mania de puxar o assunto das minhas notas em todas as conversas com os amigos. «Diz que amanhã vai estar frio. Dão cinco graus para Lisboa. Por falar em cinco, o Guilherme teve tudo cincos, este período.» ou «Bem, ali na IC19 estava um acidente brutal com um Renault 5… por falar em cinco, o Guilherme teve tudo cincos… até a educação física.». Os meus pais tinham muito esta mania até eu entrar para a faculdade. Curiosamente, depois de eu começar a deixar cadeiras para trás no Técnico, as minhas notas deixaram de ser um tema recorrente nos jantares com os amigos. É assim, os pais só querem saber de nós até deixarmos de ser um motivo para eles se gabarem dos próprios genes.
Trocar nome das namoradas.
A minha mãe troca o meu nome com o do meu pai e irmão, por isso, não é de estranhar que chame todo o tipo de nomes à minha namorada. Uma senhora que para me chamar tem de dizer sempre de seguida «Rui Pedro, Zé, Guilherme.» claro que vai chamar a minha namorada de todos os nomes de raparigas que eu levei lá a casa durante a vida e de outras que nunca conheceu, mas que leu nas cartas que cuscava na minha gaveta da secretária. A minha namorada não se importa muito porque se chama Otília, e qualquer coisinha é melhor do que isso. O pior, nestes casos, é que as namoradas não ficam chateadas com a sogra, e somos nós a levar por tabela como se fossemos responsáveis pelo Alzheimer momentâneo das nossas progenitoras. Uma conversa que já muitos homens ouviram:
- A tua mãe chamou-me Carla… tens alguma coisa a dizer?
- Era a minha ex-namorada.
- Qual delas? Aquela feiosa?
- Pergunta com rasteira… feiosas, ao pé de ti, são todas, meu amor.
- E trocou-me o nome porquê?
- Oh, ela troca o nome a toda a gente. No outro dia chamou o nome do meu ao cão.
- Desculpas... Não me digas que ainda a trazes cá a casa?
- Eu? Não falo com ela há 10 anos! Acho que ela emigrou para o Canadá.
- Andas muito bem informado sobre a tua ex-namoradinha.
- Vi no Facebook.
- És amigo dela no Facebook?!?!?!??!?!
- Não, mas vi numa partilha qualquer de um amigo em comum.
- Pois, pois, só sei que a tua mãe parece lembrar-se bem dela. Se calhar gostava mais dela do que de mim.
- Não sejas parva, Carla. Ups…
«Dá cá um beijinho.»
Quão ingratos são os filhos quando chegam a uma certa idade e ficam envergonhados quando os pais se despedem com um beijo, à porta da escola? Acontece com muitos filhos do sexo masculino. Estamos naquela idade palerma da afirmação e achamos que dar um beijinho à mãe, ou pior, ao pai, é sinal que ainda somos crianças, quando queremos ser homens adultos mesmo com o buço ridículo que ninguém nos diz para tirar, a não ser quando já é demasiado evidente que, não tarda, vêm duas andorinhas lá nidificar. Pior do que o beijinho à porta da escola era quando ouvíamos a seguinte frase, que em privado já era má, mas que em público exponenciava a vergonha: «Tens uma coisa na cara. Deixa que a mãe tira.» e já sabíamos que vinha aí dedo lambido para nos limpar a bochecha. Nojentos. Os pais são nojentos.
«Leva o casaquinho»
Quem nunca viu, em pleno verão, um puto de seis anos vestido como se fosse caçar focas na Antártida? Quem nunca viu um puto no primeiro dia de aulas com um fato de treino cor de salmão, camisa verde por baixo, e botas ortopédicas? Bem, se calhar fui só eu neste último caso. Falam da fome em África, mas ninguém refere o flagelo dos milhares de crianças, por esse mundo espalhadas, que têm de andar com um casaco e um guarda-chuva durante um dia de sol, no recreio, só porque os pais não confiam no pessoal da meteorologia nem na capacidade imunitária do seu DNA.
«O meu filho conhece-te»
Há mães peritas na arte antiga da vergonha alheia. A minha mãe, há uns anos, foi falar com uma rapariga em Lagos que vendia cachorros porque eu tinha comentado, a título de curiosidade, que já a tinha visto com um conhecido meu na noite, em Lisboa. A minha mãe, só porque sim e porque não tem muita noção, decidiu interagir:
- O meu filho diz que já a viu na Damaia.
- ... como? - diz ela completamente vermelha.
- Na Damaia, o meu filho diz que a viu lá.
- Não, eu nunca fui à Damaia... - diz ela como quem foi apanhada a roubar.
A minha mãe, para além de ser totó, confundiu Lisboa com Damaia e, pela cara da rapariga, tinha efectivamente ido à Damaia, mas para ir para o banco de trás do automóvel do meu conhecido. Daí o pânico de eu a ter visto na Damaia: ou aquela senhora inconveniente era a mãe de um fuck buddy dela, o que seria estranho, ou era a mãe de um voyer da Damaia que ronda os carros embaciados à noite.
«Eles estão a fazer amor…»
Quem nunca se viu na situação embaraçosa de, enquanto petiz, estar com os pais a ver um filme inocente na televisão e, de repente, duas das personagens começarem a alambazarem-se todas como gente grande enquanto começa a tocar uma musicazinha de fundo? Ali, dois a três minutinhos bem constrangedores. Aposto que os putos de hoje sacam do telemóvel para disfarçar, mas naquele tempo não havia disso. Era focar a TV como se nada fosse, suster a respiração e esperar que não houvesse mamas ao léu. Nem olhávamos para os nossos pais, mas discerníamos, pela nossa visão periférica, que eles nos iam observando para ver a reacção e nós ali, capazes de ganhar a Feira Internacional de Homens Estátua. Por vezes, esta altura era a escolhida pelos pais para ter a tão famosa conversa sobre sexo. «Sabes, filho, quando duas pessoas gostam muito, muito uma da outra, fazem amor e é assim que nascem os bebés.», o que nos deixava muito confusos: primeiro, por não percebermos como é que o Van Damme gostava assim tanto daquela fulana que tinha acabado de conhecer; segundo, por pensarmos que um filho era o que ele menos precisava de ter antes de ir para o torneio de artes marciais em Hong Kong.
Comentários do Facebook
Um flagelo do mundo moderno são as mães e pais que têm Facebook. Desde partilhar fotografias de quando éramos bebés, no banho, claro, naquele dia em que faltou o gás lá em casa e a água estava fria, até partilhar citações em português do brasil ao género «Super-mãe é aquela que sai vestindo capa e tem por baixo um avental sujo de bolçado de neném.», são vários os momentos em que nos sentimos constrangidos e envergonhados.
Um aparte: o meu pai, há uns tempos, chamou-me da sala com um tom de voz de que tinha acontecido alguma coisa importante. Cheguei e perguntei-lhe o que se passava e ele pergunta-me com ar desconfiado: «Aqui de lado neste site está a dizer que eu sou o visitante um milhão e que ganhei um prémio. Isto é verdade?». Abracei-o, com ternura, e disse-lhe «Não. E os anúncios para aumentar o pénis também são treta.»
Engordar o filho
Sim senhores, as crianças são cruéis, o bullying é chato e não se deve gozar com os gordinhos, e essas coisas todas. É tudo verdade, mas estamos a esquecer-nos dos verdadeiros responsáveis por uma criança ser gozada por ser gorda: os pais que a alimentaram desde pequena para ganhar a medalha de ouro na Festa do Leitão na Bairrada. Se não querem envergonhar os vossos filhos, nem que outros os envergonhem, deixem de criar pequenos javalis que têm falta de material porque têm a mochila cheia de pudins.
Reclamar nos locais públicos
A minha mãe é uma espécie de cinturão negro na arte de refilar em locais públicos. É na banca dos ciganos da feira de Benfica, é nos cafés, é em todo o lado. Não é que ela não tenha sempre razão e essas pessoas não mereçam ser chamadas à atenção devido à sua falta de capacidade para atender ao público, mas a minha mãe tem qualquer coisa que desperta o pior nas empregadas de balcão. A minha mãe não faz peixeirada, mas tem um dom natural para a criar. Só para verem a falta de noção da minha mãe, então não é que foi pedir um «café sem princípio» numa tasca de esquina na Guarda? Claro que foi motivo de discussão depois da empregada achar que ia para ali gente fica da cidade com pedidos fisicamente impossíveis de concretizar.
E é isto. Podem deixar nos comentários outras situações embaraçosas que os vos pais vos tenham feito passar.
PS: Para quem ainda não viu, pode clicar aqui para ver o primeiro episódio da série de sketches Falta de Chá. Para a próxima segunda-feira há novo episódio.
PS2: Não se esqueçam que hoje é o último dia para votar nos Blogues do Ano. Cliquem aqui para votar. Se já votaram uma vez, podem votar novamente! Ajudem a minha mãe que, coitada, anda a votar há um mês, todos os dias, em todos os computadores lá de casa.