4 de setembro de 2017

Aventura na Croácia (e Montenegro) - Parte 2/3



Como escrevi na primeira parte, estávamos em Split e o próximo destino seria Dubrovnik, a cidade a que os hipsters já iam antes de entrar no Game of Thrones e ser conhecida. A viagem, apesar de não ser longa em distância, foi feita sempre pela costa, em estradas potencialmente perigosas, e tivemos mais de uma hora à espera para passar a fronteira para a Bósnia. Sim, para ir de carro da Croácia para a Croácia é preciso passar por uma zona que pertence à Bósnia que deve ter sido dada para eles ficarem com um bocadinho de mar, depois da guerra. Ainda dizem que a guerra não compensa: morreu gente, tudo destruído e tal, mas agora podem fazer praia ali no meio de umas rochas.

Chegando a Dubrovnik, houve toda uma aventura com a carrinha com a qual entrámos, à confiança, para uma rua estreita que foi ficando cada vez mais estreita, até já ser demasiado estreita. Dar a volta era impossível, ir de marcha-atrás quase. Sendo que optámos por seguro contra todos os riscos no aluguer da carrinha, arriscou-se e a carrinha riscou-se.


Eram seis pessoas a mandar bitaites, com os homens a dizer que cabia e as mulheres a dizer que era muito apertado. Inserir smile maroto a piscar o olho.

Com ajuda de uns moradores que nos abriram uns portões lá se conseguiu inverter a marcha e sair daquela rua que de tão apertada devia ser virgem em termos de carrinhas. Chegámos ao apartamento e a dona, para além de um bigode daqueles à seria e de pelos a brotar dos sovacos, tinha uma particularidade interessante: não falava inglês e o seu vocabulário resumia-se a:
  • Ok - embora me parecesse que ela usava tanto para sim como para não.
  • No problem - mesmo quando havia.
  • This here - para assinalar algo no mapa era tudo "Beach this here", "Market this here" e "Fladoblkicovncsa this here". 
  • Thank you.
E pouco mais. Sendo que o nosso conhecimento da língua croata se resumia a "hvala" que quer dizer obrigado, houve ali uma amena cavaqueira em que ninguém percebia nada do que se dizia, em que eu lutava com todas as forças interiores para não focar no bigode da senhora e me partir a rir. Os homens têm sempre 10 anos, bem sei. Lá resolvemos tudo o que havia para resolver e fomos passear. Dubrovnik é realmente uma cidade bonita, mas sofre de um problema que é comum no mundo em geral: tem demasiadas pessoas.

Dubrovnik para ficar impecável precisava ali de um ataque terrorista para perder 90% dos turistas e ficar no ponto. Para além das pessoas, tem outro problema que é o seguinte: ou ficas mesmo no centro, ou se ficas a 1,5 km de distância, como eu fiquei, vais sofrer. Pouca distância, pensei ao marcar a casa, mas o problema é que a ir para o centro vai-se bem, mas a voltar são umas mil escadas a subir e o corpo deste menino já não aguenta isso tudo. Bem as fiz várias vezes, mas deixou mossa. De carro é preciso ter cuidado, porque se te enganas numa cortada, tens de ir dar a volta numa rotunda a 20 km para voltar para o centro. Isso ou fazes inversão de marcha na nacional em cima de um traço contínuo numa curva onde não vês nada. Não estou a dizer se foi ou não feito, estou só a dizer que é possível. Ainda assim, o pior de Dubrovnik são os preços na zona do centro. Encontrar um restaurante cujos pratos custassem menos de 25€ foi tarefa quase impossível. Cerveja a menos de 5€, idem. Tudo inflacionado devido a Dubrovnik ter ficado na moda e a todos os restaurantes se terem tornado armadilhas para turistas, tal como acontece em muitas zonas do Algarve, com a diferença que são bem mais baratos no nosso cantinho do sul. Nunca, na minha vida, gastei mais de 30€ por pessoa para jantar fora, acho que a comida não vale esse dinheiro e, mesmo assim, mais de 15€ por pessoa é só em dias de festa. No entanto, se fosse para comer bem, pronto, um dia não são dias, mas pagar 25€ para comer carne manhosa como comi é que me deixa indigesto. O que pedi eu? Uma grelhada mista, claro. A terceira ou quarta em menos de uma semana. Estava má? Não. Estava boa? Não. Valia o que custou? Foda-se, nem me falem, só sei que na noite seguinte fiz atum à brás em casa bem melhor. Relembro que o salário mínimo na Croácia é de 433€. Lisboa, Porto e Algarve, ponham os olhos aqui que não tarda também só moram cá os portugueses ricos, os turistas ricos, e os reformados estrangeiros ricos.

Cansados de subir e descer tantas escadas, houve uma noite em que ficámos em casa a jogar às cartas. Perto das 23h, a dona bigodaças aparece-nos no terraço, qual assombração numa barbearia sem navalhas, a dizer o seguinte: «Please, speak slowly, ok? Yes? No problem, thank you.». Usou todo o seu vocabulário em inglês e, claramente, deve ter ido ao Google translate ver como se dizia para falar baixo e calhou-lhe "speak slowly".


A partir daí falámos devagar, mas aos berros, tal como falo com o meu avô acamado.

Nem estávamos a fazer muito barulho, não era assim tão tarde e quando um gajo está de férias e aluga uma casa com terraço é para fazer chinfrim. Se é para estar calado à noite, a senhora que meta na descrição do Booking que a partir de certa hora só se pode falar slowly.

No dia seguinte, despedimo-nos de Dubrovnik e fomos em direcção a Kotor, em Montenegro. Mais uma daquelas viagens por caminhos de cabras e com paragem na fronteira que demorou uma hora e tal, em que nos pedem os cartões do cidadão e desaparecem com eles para os copiar algures numa máquina de fax que eles têm. Paisagens fantásticas onde o mar corta as montanhas cujas colinas têm denso arvoredo, escarpas desenhadas e barracas. Mal entrámos em Kotor demos com um trânsito jeitoso e, no meio do para-arranca, um maluquinho veio pedir dinheiro à janela da carrinha. Não demos, até porque só tínhamos dinheiro croata e o gajo podia levar a mal, e ele fez-nos um pirete. Boa recepção, Montenegro. Desde logo se notou que a cidade era mais suja, mais pobre, mas, ainda assim, bonita. É mais comum haver cidades pobres e bonitas do que pessoas na mesma situação.

O senhor da casa que alugámos era uma espécie de Rambo da Damaia, com camisola de alças e músculos à vista. Ajudou-nos com as malas e andava a uma velocidade de quem estava a fugir do fisco e isso percebeu-se pelo facto de não pedir dados de reserva nem identificação. Nada. Estava pago pela net, deixou-nos no apartamento e nunca mais o vimos. Almoçou-se bem e barato, visitou-se a cidade até dar aquela moleza de sentar numa esplanada a beber cerveja. Fez-se tempo até ao jantar, porque a vida é o que acontece enquanto se espera pela próxima refeição e foi aqui, minha gente, que comi a pior refeição da minha vida. Grelhada mista? Não, sou parvo, mas não tanto. Foi uma salada de carne cuja receita deixo em baixo:

Ingredientes
  • 200g de alface
  • 100g de carne de vaca (se for rato, gato ou cão também dá)
Preparação
  • Deixar a alface ser ratada por bichos da seda durante dois dias numa sauna até parecer alface roxa rendilhada.
  • Grelhar a carne dois dias antes numa chapa ao sol nos montes e trazê-la pelo deserto na boca de um boi almiscarado sem glândulas salivares.
  • Meter tudo numa tigela e temperar a gosto com água de lavar a loiça.
  • Finalizar o prato com sementes de sêsamo dos restos do pão de hambúrguer dos clientes anteriores.
  • Cobrar 10€ ao patego do turista.
Uma merda. Em Portugal mandava para trás e pedia o livro de reclamações, mas no estrangeiro e em férias o meu tempo é demasiado valioso para me chatear. Restaurante Scorpio, se algum dia forem a Kotor já sabem o restaurante onde ir se quiserem ter uma experiência - como agora se diz - em vez de apenas comer. Uma experiência de merda não deixa de ser uma experiência. Mesmo assim, a cidade ali construída entre o mar e as montanhas fizeram valer a pena a visita. Fora estes restaurantes para chular turistas pategos como eu, é um país bem mais barato do que Portugal, com bolas de gelado a cinquenta cêntimos e cervejas de meio litro a dois euros em qualquer bar. As gajas, não perguntei preços.
Amanhã, a última parte das minhas férias, desta vez em Mostar e Sarajevo, na Bósnia, e ainda uma paragem em Zagreb antes de apanhar o avião.

PS: Parte três já disponível neste link.




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