Como escrevi na primeira parte, estávamos em Split e o próximo destino seria Dubrovnik, a cidade a que os hipsters já iam antes de entrar no Game of Thrones e ser conhecida. A viagem, apesar de não ser longa em distância, foi feita sempre pela costa, em estradas potencialmente perigosas, e tivemos mais de uma hora à espera para passar a fronteira para a Bósnia. Sim, para ir de carro da Croácia para a Croácia é preciso passar por uma zona que pertence à Bósnia que deve ter sido dada para eles ficarem com um bocadinho de mar, depois da guerra. Ainda dizem que a guerra não compensa: morreu gente, tudo destruído e tal, mas agora podem fazer praia ali no meio de umas rochas.
Chegando a Dubrovnik, houve toda uma aventura com a carrinha com a qual entrámos, à confiança, para uma rua estreita que foi ficando cada vez mais estreita, até já ser demasiado estreita. Dar a volta era impossível, ir de marcha-atrás quase. Sendo que optámos por seguro contra todos os riscos no aluguer da carrinha, arriscou-se e a carrinha riscou-se.
Eram seis pessoas a mandar bitaites, com os homens a dizer que cabia e as mulheres a dizer que era muito apertado. Inserir smile maroto a piscar o olho.
Com ajuda de uns moradores que nos abriram uns portões lá se conseguiu inverter a marcha e sair daquela rua que de tão apertada devia ser virgem em termos de carrinhas. Chegámos ao apartamento e a dona, para além de um bigode daqueles à seria e de pelos a brotar dos sovacos, tinha uma particularidade interessante: não falava inglês e o seu vocabulário resumia-se a:
- Ok - embora me parecesse que ela usava tanto para sim como para não.
- No problem - mesmo quando havia.
- This here - para assinalar algo no mapa era tudo "Beach this here", "Market this here" e "Fladoblkicovncsa this here".
- Thank you.
Dubrovnik para ficar impecável precisava ali de um ataque terrorista para perder 90% dos turistas e ficar no ponto. Para além das pessoas, tem outro problema que é o seguinte: ou ficas mesmo no centro, ou se ficas a 1,5 km de distância, como eu fiquei, vais sofrer. Pouca distância, pensei ao marcar a casa, mas o problema é que a ir para o centro vai-se bem, mas a voltar são umas mil escadas a subir e o corpo deste menino já não aguenta isso tudo. Bem as fiz várias vezes, mas deixou mossa. De carro é preciso ter cuidado, porque se te enganas numa cortada, tens de ir dar a volta numa rotunda a 20 km para voltar para o centro. Isso ou fazes inversão de marcha na nacional em cima de um traço contínuo numa curva onde não vês nada. Não estou a dizer se foi ou não feito, estou só a dizer que é possível. Ainda assim, o pior de Dubrovnik são os preços na zona do centro. Encontrar um restaurante cujos pratos custassem menos de 25€ foi tarefa quase impossível. Cerveja a menos de 5€, idem. Tudo inflacionado devido a Dubrovnik ter ficado na moda e a todos os restaurantes se terem tornado armadilhas para turistas, tal como acontece em muitas zonas do Algarve, com a diferença que são bem mais baratos no nosso cantinho do sul. Nunca, na minha vida, gastei mais de 30€ por pessoa para jantar fora, acho que a comida não vale esse dinheiro e, mesmo assim, mais de 15€ por pessoa é só em dias de festa. No entanto, se fosse para comer bem, pronto, um dia não são dias, mas pagar 25€ para comer carne manhosa como comi é que me deixa indigesto. O que pedi eu? Uma grelhada mista, claro. A terceira ou quarta em menos de uma semana. Estava má? Não. Estava boa? Não. Valia o que custou? Foda-se, nem me falem, só sei que na noite seguinte fiz atum à brás em casa bem melhor. Relembro que o salário mínimo na Croácia é de 433€. Lisboa, Porto e Algarve, ponham os olhos aqui que não tarda também só moram cá os portugueses ricos, os turistas ricos, e os reformados estrangeiros ricos.
Cansados de subir e descer tantas escadas, houve uma noite em que ficámos em casa a jogar às cartas. Perto das 23h, a dona bigodaças aparece-nos no terraço, qual assombração numa barbearia sem navalhas, a dizer o seguinte: «Please, speak slowly, ok? Yes? No problem, thank you.». Usou todo o seu vocabulário em inglês e, claramente, deve ter ido ao Google translate ver como se dizia para falar baixo e calhou-lhe "speak slowly".
Nem estávamos a fazer muito barulho, não era assim tão tarde e quando um gajo está de férias e aluga uma casa com terraço é para fazer chinfrim. Se é para estar calado à noite, a senhora que meta na descrição do Booking que a partir de certa hora só se pode falar slowly.
No dia seguinte, despedimo-nos de Dubrovnik e fomos em direcção a Kotor, em Montenegro. Mais uma daquelas viagens por caminhos de cabras e com paragem na fronteira que demorou uma hora e tal, em que nos pedem os cartões do cidadão e desaparecem com eles para os copiar algures numa máquina de fax que eles têm. Paisagens fantásticas onde o mar corta as montanhas cujas colinas têm denso arvoredo, escarpas desenhadas e barracas. Mal entrámos em Kotor demos com um trânsito jeitoso e, no meio do para-arranca, um maluquinho veio pedir dinheiro à janela da carrinha. Não demos, até porque só tínhamos dinheiro croata e o gajo podia levar a mal, e ele fez-nos um pirete. Boa recepção, Montenegro. Desde logo se notou que a cidade era mais suja, mais pobre, mas, ainda assim, bonita. É mais comum haver cidades pobres e bonitas do que pessoas na mesma situação.
O senhor da casa que alugámos era uma espécie de Rambo da Damaia, com camisola de alças e músculos à vista. Ajudou-nos com as malas e andava a uma velocidade de quem estava a fugir do fisco e isso percebeu-se pelo facto de não pedir dados de reserva nem identificação. Nada. Estava pago pela net, deixou-nos no apartamento e nunca mais o vimos. Almoçou-se bem e barato, visitou-se a cidade até dar aquela moleza de sentar numa esplanada a beber cerveja. Fez-se tempo até ao jantar, porque a vida é o que acontece enquanto se espera pela próxima refeição e foi aqui, minha gente, que comi a pior refeição da minha vida. Grelhada mista? Não, sou parvo, mas não tanto. Foi uma salada de carne cuja receita deixo em baixo:
Ingredientes
Amanhã, a última parte das minhas férias, desta vez em Mostar e Sarajevo, na Bósnia, e ainda uma paragem em Zagreb antes de apanhar o avião.
PS: Parte três já disponível neste link.
Cansados de subir e descer tantas escadas, houve uma noite em que ficámos em casa a jogar às cartas. Perto das 23h, a dona bigodaças aparece-nos no terraço, qual assombração numa barbearia sem navalhas, a dizer o seguinte: «Please, speak slowly, ok? Yes? No problem, thank you.». Usou todo o seu vocabulário em inglês e, claramente, deve ter ido ao Google translate ver como se dizia para falar baixo e calhou-lhe "speak slowly".
A partir daí falámos devagar, mas aos berros, tal como falo com o meu avô acamado.
Nem estávamos a fazer muito barulho, não era assim tão tarde e quando um gajo está de férias e aluga uma casa com terraço é para fazer chinfrim. Se é para estar calado à noite, a senhora que meta na descrição do Booking que a partir de certa hora só se pode falar slowly.
No dia seguinte, despedimo-nos de Dubrovnik e fomos em direcção a Kotor, em Montenegro. Mais uma daquelas viagens por caminhos de cabras e com paragem na fronteira que demorou uma hora e tal, em que nos pedem os cartões do cidadão e desaparecem com eles para os copiar algures numa máquina de fax que eles têm. Paisagens fantásticas onde o mar corta as montanhas cujas colinas têm denso arvoredo, escarpas desenhadas e barracas. Mal entrámos em Kotor demos com um trânsito jeitoso e, no meio do para-arranca, um maluquinho veio pedir dinheiro à janela da carrinha. Não demos, até porque só tínhamos dinheiro croata e o gajo podia levar a mal, e ele fez-nos um pirete. Boa recepção, Montenegro. Desde logo se notou que a cidade era mais suja, mais pobre, mas, ainda assim, bonita. É mais comum haver cidades pobres e bonitas do que pessoas na mesma situação.
O senhor da casa que alugámos era uma espécie de Rambo da Damaia, com camisola de alças e músculos à vista. Ajudou-nos com as malas e andava a uma velocidade de quem estava a fugir do fisco e isso percebeu-se pelo facto de não pedir dados de reserva nem identificação. Nada. Estava pago pela net, deixou-nos no apartamento e nunca mais o vimos. Almoçou-se bem e barato, visitou-se a cidade até dar aquela moleza de sentar numa esplanada a beber cerveja. Fez-se tempo até ao jantar, porque a vida é o que acontece enquanto se espera pela próxima refeição e foi aqui, minha gente, que comi a pior refeição da minha vida. Grelhada mista? Não, sou parvo, mas não tanto. Foi uma salada de carne cuja receita deixo em baixo:
Ingredientes
- 200g de alface
- 100g de carne de vaca (se for rato, gato ou cão também dá)
- Deixar a alface ser ratada por bichos da seda durante dois dias numa sauna até parecer alface roxa rendilhada.
- Grelhar a carne dois dias antes numa chapa ao sol nos montes e trazê-la pelo deserto na boca de um boi almiscarado sem glândulas salivares.
- Meter tudo numa tigela e temperar a gosto com água de lavar a loiça.
- Finalizar o prato com sementes de sêsamo dos restos do pão de hambúrguer dos clientes anteriores.
- Cobrar 10€ ao patego do turista.
PS: Parte três já disponível neste link.
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