Penso que a Luciana Abreu pode ter acabado de perder o primeiro lugar no pódio para a pior música de sempre. Já tinha dito várias vezes que nunca mais falaria da Maria Leal, por já ter escrito tudo o que havia a escrever sobre ela, mas acabei por ceder à pressão de toda a gente que me enviou o vídeo para fazer uma review. Dizem que a melhor terapia para ultrapassar um trauma é falarmos sobre ele e talvez isto me faça bem, porque há coisas que vemos e ouvimos e que não nos deixam dormir descansados se não as deitarmos cá para fora. Por isso, aqui segue o vídeo que podem ver e ouvir à vossa própria responsabilidade. Não o vejam mais do que uma vez e façam pausas de dez em dez segundos, caso contrário podem ter danos cerebrais irreversíveis. Em baixo, a review profissional a que vos tenho habituado.
O vídeo começa com a batida e uma voz a falar em Castelhano porque há que seguir a tendência e em estrangeiro parece sempre menos foleiro. Somos brindados com umas pernas oleadas com azeite rançoso e, de repente, aparece uma mão a segurar um copo. Várias coisas assinalar aqui: mãos de bruxa; aliança na mão esquerda que dá a entender que há uma pessoa ainda com mais mau gosto do que a Maria Leal; uma unha com decalques estilo carro chunning; um copo com rodelas de laranja que devem ter sido cortadas com essas unhacas. Somos presenteados com mais umas imagens da Maria, com uma voz a dizer "Este é o beat para toda a gente, este é o beat do verão".
Não sei se é para toda a gente, talvez seja melhor ser só para os surdos.
Percebemos, aos 14 segundos, que a Maria tem uma tatuagem a dizer Marial Leal, já a pensar na altura em que terá Alzheimer, para não se esquecer de quem é. Também servirá para a identificar em caso de morte, porque assim ninguém terá de olhar para o corpo e cara e bastará ver aquela tatuagem, poupando quem tiver de reconhecer o cadáver.
Nisto, começa a tortura auditiva, com a Maria Leal a gritar "Todo el mundo, cantando". Os mais fracos teriam desistido nesta parte, mas eu bolcei na própria boca, engoli e continuei. E pronto, aparece a tolinha a pedir que a Argentina, México e o Paraguai cantem com ela "Vai, vai vai". Penso que ela não precisa de nos mandar ir a lado nenhum: nós vamos sozinhos para longe. Quero chamar à atenção para o que se segue:
Vai, vai vai,
Vai que o Verão chegou-ou-ou
Vai que o calor começou
go go go
Em termos líricos isto é da mais fina poesia que Portugal já fabricou-ou-ou. Eis que vemos um plano da Maria Leal em estúdio, a gravar a voz, e devo dizer que usar um microfone daqueles para a voz da Maria Leal é como usar uma câmara fotográfica topo de gama para fotografar... a Maria Leal. Continua a letra e ela diz "Vai que está fenomenal". Penso que a palavra fenomenal nunca tinha sido usada numa música, por isso é de gabar a capacidade de adjectivação da senhora Maria, que na verdade é do senhor Sérgio Ventura que foi quem escreveu a letra. Não vamos estar aqui só a fazer bullying à Maria quando há outros que também merecem crédito. "Fenomenal" é acompanhado de um auto-tune e de um eco de uma subtileza equivalente a gordo a comer pipocas no cinema. Se repararem bem, ela deita a língua de fora ao dizer esta palavra, numa espécie de camaleão com espasmos que acabou de sair do dentista e ainda tem a boca dormente.
Aos cinquenta segundos, vemos imagens do estúdio em que a Maria e o Jaimão estão concentradíssimos na produção da música. Há até uma parte em que eles fazem um gesto de "Exactamente, é mesmo isto". Penso que estes sete segundos que vemos foi exactamente o tempo total investido na criação da música e letra e, mesmo assim, não há desculpa. Finaliza o refrão com "Vem curtir com a Maria Leal". É assim, Maria, se for curtir numa de beber uns copos e dançar, numa festa da aldeia, sim senhora, tudo bem, sou gajo para me divertir e curtir um bocado; se é curtir numa de te mamar da boca, mesmo com os dentes arranjados, não vai dar, lamento.
A Maria Leal é das poucas artistas que precisa de auto-tune e Photoshop ao mesmo tempo.
"Estou na adrenalina (?), o meu corpo quer dançar". O teu corpo pode querer, mas nós preferimos-te quietinha e caladinha num canto. Já te vimos a dançar em várias situações e ninguém gosta de ver ataques epilépticos ou alguém a tentar andar com um taser nas cuecas. Prossegue com "Manda vir o segurança que não estou a aguentar". Não consigo descodificar estes versos, mas vou dar várias opções: ela gosta de pinar com seguranças e está que nem se aguenta (talvez devido do taser nas cuecas); não está a aguentar tanta adrenalina e precisa que o segurança a ajude a ir lá fora apanhar ar; alguém está a assediar a Maria e ela precisa que o segurança afaste o rapaz cego que se está a roçar nela.
Não consigo decidir se gosto mais das imagens da Maria à beira da piscina ou dentro dela. Por um lado, nas primeiras, gabo-lhe a coragem de não ter vergonha de mostrar os pneus, já que eu na praia sou daqueles que joga às cartas deitado de barriga para baixo, todo desconfortável, só para não estar sentado e parecer que tenho uma bolsa marsupial com um hipopótamo bebé a dormir lá dentro; por outro lado, é em pé, dentro da piscina, que a Maria solta todo a sua ginga, dançando de tal forma que parece estar numa aula de aeróbica para pessoas especiais. A música continua com "O MC meteu aquele som que trouxe o sol e o calor". Que som é esse? Existe a dança da chuva e o MC do sol e do calor e nunca ninguém me disse nada? Aposto que esse som é a música da Marial Leal que até afasta as nuvens para longe.
Por esta altura os meus ouvidos já pedem um descanso, mas prossigo estoicamente e oiço "Vamos logo ao que é bom, latino mostra o teu sabor", com um auto-tune que parece um rouxinol a ser sodomizado por um elefante. Por volta dos 1:58 minutos a Maria aponta para o monitor no estúdio numa de quem está a dar dicas ao produtor, porque toda a gente sabe que ela não sabe cantar, mas que em música é uma expert. Nisto, Maria começa a dançar no estúdio, com o seu movimento patenteado que se chama "A suricata bêbeda", seguido do "Dança do ventre obstipado".
Por esta altura, o beat muda, mas continua igual, e a Maria entra na última parte da música "Já corres na pista". Não percebo se estamos a falar de uma discoteca ou de uma pista de atletismo, mas pode ser tudo uma bonita metáfora, dizendo que dançar é como correr: quem o faz por gosto não cansa. Enquanto ela canta "O teu charme é demais, vem latino moreno, mostra os teus moves sensuais", aproxima-se um gajo que, inteligentemente, decidiu não dar a cara para o vídeo. A abordagem dele na sedução é tirar-lhe a flor que ela tem na orelha e ela manda-o à piscina, algo que não condiz com a letra, pois assim se percebe que nem os moves eram sensuais, nem ela estava interessada. No fundo, a Maria é uma cock-teaser que provoca e depois dá tampa. Segue com um "Estou a vibrar e tu vais ficar a conhecer melhor o que eu tenho para dar".
Vibrar não era mau, mas melhor era estares em modo silêncio ou de avião para não termos de te ouvir.
O último minuto e meio é a repetição do refrão até sair sangue pelos ouvidos e termina com um piscar de olho que me irá atormentar nas próximas noites.
E pronto, é isto. Sinto-me sujo e vou ali tomar banho enquanto choro enrolado em posição fetal. Este texto está na linha ténue entre o humor e o bullying, admito, mas acho que quem faz músicas destas tem um bocadinho de culpa e até agradece que se fale neles. Peço desculpa por vos ter obrigado a ver, mas podem fazer como eu e partilhar o texto para dividirmos o sofrimento por todos. Obrigado.
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