24 de julho de 2014

Ser tímido não é defeito, é feitio



"Ser tímido não é defeito... é feitio", ouvi eu inúmeras vezes quando era pequeno e me tentavam conformar cada vez que eu dizia que ser tímido era um dos meus defeitos. Diziam-me que não era, mas a mim parecia-me ser, ainda parece se olharmos à volta. O mundo está feito para os extrovertidos, somos ensinados desde pequenos que é bom ser extrovertido e que devíamos corrigir a nossa timidez. Logo em criança percebemos que quem fala muito é que é ouvido, que quem participa nas aulas, mesmo sem nada para dizer, é que é valorizado. Eu era bom aluno mas as professoras apontavam-me sempre o mesmo "defeito" de que tinha que ser mais participativo nas aulas, mesmo que, estando calado a absorver o conhecimento e tirasse melhores notas que todos os outros que intervinham apenas para repetir o que a professora tinha acabado de dizer, sem acrescentar nada. Ainda assim, diziam-me que devia ser mais como eles.

Nunca fui inseguro, tenho as minhas inseguranças claro, mas no geral considero-me uma pessoa confiante, ainda assim sempre fui tímido, ainda sou, mas já fui muito mais. Houve um tempo em que detestava sê-lo, detestava não conseguir iniciar uma conversa, ficar calado enquanto outros conversavam. Ficar corado cada vez que a professora me mandava ler em voz alta ou me mandava ao quadro. Não conseguir dizer à rapariga que gostava o que sentia por ela, ter vergonha de atender um telefonema que não soubesse de quem era ou ter que ir pedir um copo de água no café. 


Ficava todo acagaçado se estivesse na fila do supermercado à espera da minha mãe, que tinha ido buscar algo que se tinha esquecido e eu estava quase a ser atendido.

Lembro-me de alturas em que havia aquele silêncio desconfortável quando estava com alguém que não conhecia ainda bem. Pensava "tenho que arranjar assunto", "até parece mal estar aqui sem dizer nada, o que é que vão pensar". O mais engraçado é que, se a outra pessoa também estava calada estaria provavelmente a pensar o mesmo que nós, no mesmo desconforto em relação a ela própria e não a julgar-nos por estarmos calados.

Crescemos todos com a pressão de ser popular e essa popularidade está vetada aos introvertidos. Sabemos que não é para nós. Mas quantas boas ideias se perdem por não se ouvirem os introvertidos? Por as vozes dos extrovertidos serem sempre as mais ouvidas e ninguém parar para perguntar ao miúdo calado na sala o que ele acha? Quantas vezes já vimos uma discussão sobre um assunto sobre o qual nós sabíamos a resposta e que os argumentos que estavam a ser dados eram errados, mas nos mantivemos calados? Mas a culpa não é só de quem nos ignora e acha que ser introvertido é igual a ser anti-social, coisa que os extrovertidos, na sua maioria, não sabem distinguir. A culpa é nossa que temos mais medo de errar do que um extrovertido. Pensamos na vergonha que podemos passar se o que dissermos estiver errado e por isso mesmo erramos menos. Mas por causa disso se calhar também perdemos muitas oportunidades de aprender.

Fui crescendo, por volta dos meus 15 anos a timidez começou a ser defendida com o sentido de humor. Percebi que fazer rir, lançar uma piada no meio de uma conversa na qual eu não tinha nada para dizer era a melhor forma de me integrar e de mostrar que não sou anti-social. Hoje já não me importo de ficar calado quando a conversa não me interessa. A maioria das vezes que estou calado enquanto pessoas estão a falar à minha volta já não se deve à minha timidez, deve-se ao assunto ser desinteressante ou a preferir estar de fora a observar as baboseiras de quem fala muito sempre com a certeza das coisas. Ou ainda, simplesmente porque estou bem assim, a ouvir o que os outros têm de interessante para dizer.

Hoje em dia faço Stand Up Comedy, falo com clientes no meu trabalho, fiz um projecto que passou por uma viagem de 2 meses pela Europa em que tinha que abordar pessoas e entrevistá-las diariamente nas ruas, fui à televisão e à rádio dar entrevistas sobre esse projecto e ainda assim, com isto tudo, continuo a ser um introvertido por natureza. A única diferença é que hoje já não me importo tanto com o que os outros pensam de mim, e quando assim é, já considero que ser tímido não é realmente um defeito, é feitio.

P.S. - Depois de escrever este texto encontrei esta Ted Talk que fala sobre este assunto, de forma muito mais clara e interessante que eu, por isso é ver e ouvir.







Gostaste? Odiaste? Deixa o teu comentário: