21 de janeiro de 2015

As urgências estão pela hora da morte



Então anda a morrer gente nas urgências assim à bruta? Há quem diga que é por causa do frio e da vaga de gripes característica desta altura do ano, há quem diga que é devido à falta de assistência e de meios, característica desta vaga austera de cortes no Sistema Nacional de Saúde. Eu cá acho muito bem, especialmente porque têm sido, na maioria, velhos. Acho uma excelente política deste Governo, para que nos consigamos livrar dessa praga que é um fardo para a sociedade, que são todos os idosos. Especialmente os doentes e que andam a mamar comparticipações dos 50 medicamentos que têm que tomar por dia. O que os velhos gostam de fármacos, os lambões. Eu até acho que é uma medida que traz no bico uma clemência generosa para com todos os idosos, já que o Governo, depois de lhes ter cortado a reforma e muita da qualidade de vida para a qual andaram a trabalhar durante anos, faz com que agora morram nas urgências, à espera do médico que os seus impostos ajudam a pagar. 

Para quê viver com uma reforma miserável? Mais vale morrer. 

Nas urgências então ainda melhor, porque sempre que um velho cai para o lado, num último espasmo e suspiro, é menos um que morre em casa, sozinho e sem que ninguém dê por ele. Parecendo que não, é muito mais humano assim, mesmo o funeral fica mais bonito, já que o corpo não está decomposto. Quer dizer, decomposto está sempre, 90 anos fazem mossa. Acho que mais uma vez tudo não passam de queixas e exageros do povo ingrato, que não reconhece os esforços dos governantes para melhorar a vida, ou a morte neste caso, de todos os cidadãos. Sim, porque não é só para os velhos que esta medida é boa, é-o para todos nós que precisemos de ir ao hospital. Todos sabemos que o SNS não funciona bem devido à quantidade de velhos que entopem as urgências para falarem a um qualquer médico sobre as dores lombares que têm, as quais apelidam carinhosamente de pontadas. Toda a gente sabe que a culpa de termos que estar à espera 10 horas no Amadora-Sintra é por causa das 100 velhas à nossa frente que a qualquer sinal de doença correm para lá, recusando-se a morrer e a deixar a sociedade mais leve e funcional. Aliás, para melhorar o sistema ainda mais, sugiro que as pessoas já reformadas tenham sempre a pulseira com menos prioridade. Sempre. Então se forem velhas e gordas nem deviam ser atendidas. Igualmente para as grávidas, que não precisamos de mais gente a mamar do estado. As pulseiras prioritárias deviam sempre ser dadas aos bebés e crianças a chorar, mas só para não as termos que aturar na sala de espera, cheias de muco a escorrer do nariz para a boca.

Eu felizmente nunca fui muitas vezes ao hospital (já aqui falei de uma delas), mas da última vez que fui, foi uma aventura de se lhe tirar o chapéu. Pronto, eu conto. Certo dia, por volta das 20h, a minha namorada começou a sentir umas dores no lado esquerdo do abdómen. Foi de estranhar, até porque nesse dia eu não lhe tinha dado nenhuma joelhada no baixo-ventre. As dores começaram a subir de intensidade, até que se tornaram quase insuportáveis. Eu liguei para o 112, pela primeira vez na minha vida.

Atenderam-me, fizeram-me umas perguntas do género de quando se liga para a assistência da MEO. Só faltou perguntar se já tinha desligado e voltado a ligar a minha namorada. 

A ambulância chegou em 20 minutos, já ela estava relativamente melhor. Levaram-na e eu fui atrás de carro. Chegamos lá e como ela feita parva parou de se queixar tanto, só lhe deram a pulseira laranja. Esperámos umas 2 horas, fez uns exames e como as dores tinham passado mandaram-na para casa. Passado 1 hora as dores voltaram, com mais força ainda. Desta vez levei-a eu de carro, até porque da outra vez o gajo da ambulância fez-se a ela e pediu-lhe o número. Sim, o gajo do INEM pediu o número a uma doente que transportava na ambulância. Bem sei que ela fica sexy a gemer, mas normalmente não é das dores. Nem do frio. Chegámos lá, com ela a contorcer-se com as dores cada vez mais agudas que sentia e na triagem a mesma enfermeira que lá estava anteriormente dá-lhe a pulseira verde. A minha namorada já nem se mantinha em pé, teve que se deitar numa maca e estava quase a desmaiar. Eu armo barraca com a enfermeira, chamo-lhe incompetente, ao que ela responde "Incompetente é você!". Pareceu-me um insulto estúpido, até porque ela nunca me viu a trabalhar e eu estava a vê-la a ela a fazer o seu trabalho. Mal. A barraca que eu tinha armado já estava prestes a vir abaixo, um dos seguranças chama-me à parte e diz-me "Essa enfermeira é uma vaca do c#&alho. Só sabe ser antipática. Eu abro ali a porta e você entra com a maca lá para dentro". E foi isso que se fez, eu a empurrar uma maca, a entrar pelos corredores do Amadora-Sintra a pedir socorro, "Ai ai, meu Deus, acudam-me, que se me vai falecer a dama". Aparece uma médica, encosta a maca a um canto e não lhe faz nada. Eram cerca de 23h. Esperámos, esperámos e nada. Atenderam-na, mandaram-na fazer uns exames mas entretanto a médica que a tinha atendido foi-se embora. Veio outra, sem historial do paciente. Voltou a fazer as mesmas perguntas, às quais ela ia respondendo entre urros de dor. Eu que não sou médico, aquilo parecia-me uma apendicite, pronta a passar para peritonite e se não fosse operada podia morrer ali. Acabou por não ser nada disso, mas como disse eu não sou médico e pelos vistos ainda bem. Vieram os resultados dos exames e disseram que estava tudo bem, apesar dela continuar com muitas dores, a mariquinhas. Deviam ser gases ou algo do género. Eu olho para os exames e vejo que os leucócitos estavam um pouco altos, sinal de infecção. Pergunto ao médico, que já era outro novamente, se aquilo não era um valor alto. Ele diz "Pois realmente, está um pouco acima do que devia..." e nisto vira-se para a minha namorada, deitada na maca e (juro que isto é verdade) pergunta-lhe: 

"Você quer ser operada? Se calhar é melhor não, não é?"

Nisto vai-se embora com um sorriso no rosto que contrastava com a minha cara de parvo, que pelo facto de já serem umas 6h da manhã era mais de apatia que de raiva. Esperámos mais tempo, horas. Somos chamados novamente para outro gabinete com outra médica, com menos de 30 anos. Sentamo-nos à frente dela e antes que ela nos diga alguma coisa toca-lhe o telemóvel. A médica, muito profissional, atende, não fosse ser algo urgente. Pela conversa sobre roupa e do quanto o namorado da amiga não a merecia, não me pareceu que fosse sobre trabalho. Esteve ali a falar uns 5 minutos e nós a olhar e em mim a acumular-se uma raiva, que não fosse ela mulher ter-lhe-ia dado uma chapada à padrasto. Não consegui manter a calma e insurjo-me e digo:

- Mas você acha bem estar aqui a falar ao telemóvel sobre assuntos pessoais, à frente de pacientes que estão aqui há 12 horas à espera! - sim, já era cerca de meio dia. - Mas você é parva? É médica? É médica é o c#&alho! Você foi uma marrona que tirou o curso só porque sim, para dar estatuto, porque preocupar-se com as pessoas é mentira. Isso não é ser médico!
- Bem, vamos ter calma e ver então o que é que a princezinha tem... - diz ela naquele tom cínico que as mulheres fazem quando estão a falar com outra mais gira que elas.
- Princesa é o c#&alho que a f%da! Eu sou rainha! - diz a minha namorada enquanto lhe espeta um bisturi na jugular e a médica falece. Pronto, esta última parte é mentira. Infelizmente.

Entretanto, o médico chefe que lá estava (a ler o jornal), ouviu o que se tinha passado, convidou a médica a ir apanhar ar e atendeu-nos ele. Mais uma ronda com as mesmas perguntas, porque não tinha havido entre 5 ou mais médicos, nenhuma passagem de conhecimento e dos dados do paciente. Até iam fazer exames repetidos, não fosse eu a dizer que já tinham feito. Nada foi conclusivo e nunca se soube o que ela tinha, mas até hoje nunca voltou a ter as dores. Aliás, ninguém me tira da cabeça que ela da segunda vez só disse que lhe doía para ver se vinha o gajo do INEM buscá-la novamente.

E é esta a minha história. Agora digam-me lá se quem diz que as urgências do Sistema Nacional de Saúde não funcionam bem, não é gente que só se sabe queixar sem razão?

PS: Viram que para não ferir as susceptibilidades dos não Charlies até coloquei asteriscos nas palavras ofensivas, como caralho e foda? Estou a ficar muito mais bem educado.




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