23 de outubro de 2017

Mulher adúltera merece porrada, segundo um juiz



Um juiz do Tribunal da Relação do Porto desculpou violência doméstica invocando que o adultério da mulher era uma forte atenuante e que o marido agiu por estar deprimido e com a honra denegrida. Podemos ver aqui parte do documento que depois vamos analisar em detalhe.


1. Não é. É um dói-dói no ego, mas depois passa. Normalmente, o parceiro traído também tem culpa no cartório até porque numa relação perfeita ninguém trai e para haver uma relação perfeita têm de ser dois a tentar. E, segundo as estatísticas, é provável que o homem também já a tivesse traído alguma vez. 

2. Facto; e que boas sociedades que são, embora muitas delas estejam a ficar desvirtuadas. Na Arábia Saudita, por exemplo, agora as mulheres até já podem conduzir. Parece que lhes estão a dar as ferramentas todas para serem adúlteras. Ninguém vai ter com o amante de autocarro, como toda a gente sabe. Por esta ordem de ideias, a mulher ter um orgasmo também é um atentado ao pudor, já que existem sociedades em que a mutilação genital feminina e prática comum.

3. Bem sei que Deus é o chefe de todos os julgadores, mas um juiz citar a Bíblia faz tanto sentido como um engenheiro civil citar "Os três porquinhos". Na Bíblia, também podemos ler que Jesus transformou água em vinho algo que me parece que este juiz gosta bastante ao pequeno-almoço. Na Bíblia, também podemos ler que não se deve cobiçar o escravo do vizinho, numa bonita lição de moral que nos diz que nos devemos contentar com o que temos. Se o escravo do vizinho é mais robusto, temos é de alimentar melhor o nosso e não invejar o outro. Um juiz invocar a Bíblia num estado laico faz tanto sentido como um médico que abusa das pacientes em coma invocar a "Branca de Neve" e a "Bela Adormecida" como desculpa.

4. O saudosismo deste juiz relativamente aos tempos em que ainda cagávamos todos em penicos. 1886 foi, sem dúvida, o melhor ano! Podia matar-se as gajas badalhocas à vontade; podia espancar-se pretos com uma marreta; podia mandar-se gays para a fogueira. Bons tempos, sim senhor. Cheira-me que este juiz devia ter ido para taxista. 

5. Claramente, este juiz já levou com um par de cornos no passado e está a descarregar toda a sua honra ferida nesta senhora. Primeiro, não são só as mulheres desonestas que traem, até porque quase toda a gente trai. Faz parte, somos animais e há quem num momento de fraqueza ceda ao quentinho que sente nas virilhas. Verdade que a sociedade condena mais o adultério feminino do que masculino: um homem varre uma residência de estudantes e é um garanhão; uma mulher pesca por arrasto duas minhocas na mesma freguesia e é uma puta. No entanto, pensava que os juízes não se deixavam levar pelo que a sociedade pensa, mas pelo que a lei diz e, que eu saiba, na lei somos todos iguais e ambos os adultérios são igualmente graves ou não são graves de todo e fazem parte da vida. Alguém vigie a mulher deste juiz porque me parece que ele está a levar problemas pessoais para o trabalho e a dar um sinal à mulher de que, não tarda, dar-lhe-á com o martelo na nuca. Imagino a mulher deste juiz a ler o acórdão e a pensar «Ai se ele descobre que ando a dançar o funaná no colo do Wilson vou apanhar no focinho!».

6. Não foi. Até porque o homem agrediu a mulher com uma moca com pregos! Se tens uma moca com pregos és um tipo especial de pessoa e não acredito que tenha sido com a depressão de ter sido traído que decidiu inscrever-se num workshop de trabalhos manuais e, enquanto os outros fizeram cinzeiros e pratos de cerâmica, fez uma moca com pregos. Vou agora fazer de advogado do diabo e dizer que é um facto que ele ter sido traído é uma atenuante. Nunca é desculpa, mas é atenuante. É mais compreensível que um homem bata numa mulher porque ela o trai do que por ter deixado cozer a gema do ovo estrelado. Ambos os casos são gravíssimos, atenção, e nenhum deles justifica a violência, mas é uma atenuante embora não suficiente para ilibar ou reduzir pena. No entanto, podemos concordar que bater numa mulher porque o Benfica perdeu é pior do que por ter chegado a casa e a ver na cama com o Zé da mercearia que lhe vende os chouriços. Ambas graves, mas uma mais "compreensível" - à falta de melhor palavra - do que outra.

7. Ora bem, tudo isto faz com que o agressor tenha um bocadinho menos de culpa, diz o juiz. A senhora foi agredida pelo marido e sequestrada pelo amante, por isso ela é que é culpada do mau gosto que tem para homens. Óbvio. É assim tão errado dizer que a mulher que apanhou no toutiço tem um bocadinho de culpa? Só um bocadinho? Não estou a dizer que mereceu e que o homem merece qualquer tipo de perdão, mas será que ela não tem um bocadinho de culpa? Hum? Um bocadinho, só? Já a todos os homens apeteceu dar uma chapada à padrasto na namorada ou mulher quando elas ficam de trombas e dizem «Não se passa nada...». Claro que já! Não o fazemos porque somos pessoas civilizadas, mas que já nos apeteceu várias vezes, lá isso já. Tal como elas a nós quando deixamos o tampo da sanita levantado. Faz parte de um casal haver momentos de tensão em que o amor, a educação e o respeito seguram as palavras e os actos, mas há uns que não conseguem e, seja porque razão for, não devem ser perdoados.

Eu posso dizer isto tudo porque sou um palerma que escreve na Internet, mas um juiz não pode nem deve nunca passar a culpa para uma vítima de agressão, numa situação destas. Ao fazê-lo, está legitimar todos os anormais que decidam bater nas namoradas ou mulheres porque viram uma troca de mensagens com um colega de trabalho, entre outras coisas, já que para muitos homens inseguros qualquer desculpa é boa para se sentirem mais machos. A meu ver, este juiz, com estas declarações, está a dar uma atenuante caso a mulher e vítima em questão decida atropelá-lo na rua. Teria desculpa? Não, mas era uma atenuante e, na minha opinião, só merecia uma reprimenda simbólica porque o senhor doutor juiz mereceu um bocadinho.


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