12 de novembro de 2017

Panteão Nacional: casamentos e baptizados



Parece que houve um jantar da Web Summit no Panteão Nacional. Como sempre, as redes sociais incendiaram-se devido ao seu inato problema de rastilho curto. As pessoas ficaram indignadas por acharem que, mais uma vez, Portugal estava a oferecer o nalguedo aos estrangeiros ricos, deixando-os jantar num local "sagrado" onde tal coisa seria impensável, até então. Como o que importa é ser o primeiro a mandar um bitaite, fizeram-no antes de saberem que, afinal, é relativamente frequente jantares naquele local, organizados por empresas ou por outras entidades. Como as redes sociais têm o braço muito rígido, obviamente que não o deram a torcer e ainda se revoltaram mais. Qual a razão invocada? É ofensivo devido às personalidades sepultadas. Os mortos não ficam ofendidos nem indignados com picuinhices, mas já os vivos, esses são uns coninhas.

Portanto, um monumento construído com o dinheiro saqueado a outros países durante os Descobrimentos, edificado com mão-de-obra escrava, para adorar - em tom de ostentação - um ser imaginário que instigou cruzadas sanguinárias, tudo bem, mas jantar lá dentro é que ofende a pequenada. Palermice. Por mim, façam jantares e eventos onde quiserem, desde que não incomodem os vizinhos nem partam nada e, no fim, deixem aquilo como estava inicialmente. É só essa a minha regra. De resto, façam uma lap dance no túmulo do Eusébio que garanto-vos que ele não levaria a mal. Recitem Ana Malhoa no cenotáfio do Camões que ele é gajo para gostar. Falta de respeito para com os mortos? Não os ouvi a queixar, mas posso ir buscar um tabuleiro ouija e depois já vos confirmo. Família dos mortos? Tens um familiar no Panteão Nacional e nem tiveste de pagar o funeral como os restantes mortais e vais ser ingrato ao ponto de ficar ofendido por alguém estar a comer asinhas de frango gourmet ao lado do túmulo da tua mãe? Tem juízo, Miguel Sousa Tavares. Vejo aquilo mais como uma homenagem do que como uma ofensa.

Se da minha marquise tiver vista para um cemitério, nunca posso comer uma sandes à janela, é isso? Aos mortos cheira-lhes a presunto e ficam todos irrequietos no caixão?

A maioria das pessoas que reclamaram nem fazem a ideia de quem foi João de Deus - um dos cadáveres inquilinos no Panteão - e isso para mim é que é uma falta de respeito para com o que o morto fez em vida. Sejamos sinceros: quem ficou ofendido foram os mesmos que passaram a semana toda a dizer mal do Web Summit sem nunca lá ter ido ou saber bem o que é. É uma feira meio parola e exagerada? Claro que sim, mas a maioria das pessoas não faz ideia da enorme importância que pode ter para o país a médio e longo prazo. É um aglomerado de nerds que em 90% dos casos têm uma startup de merda ou uma app que não serve para nada fundada com o dinheiro dos pais? Sim, mas não saber ver que Portugal ser a capital do maior evento de inovação da Europa é um enorme feito, é só parvo. Estamos todos fartos de turistas, bem sei, mas quando não os tínhamos dizíamos que Portugal deveria apostar mais nele. Enfim... pessoas.

Queremos ficar indignados por estarmos a tornar monumentos em espaços de festa para gente rica? Isso é outra coisa e até posso concordar, em parte. Seria chato ir visitar a Torre de Belém e estar fechada para uma festa privada da Cristina Ferreira ou para um workshop de coaching. Agora, trazer o argumento da ofensa à honra dos mortos é só parvo. Os mortos não têm honra. Só têm nada. Deixem-nos em paz. Percebo que seja de mau tom jantar ao pé dos corpos da Amália e do Eusébio e nem um copo de vinho lhes oferecer, mas é a vida, ou a morte, neste caso.

Já que as Igrejas não pagam imposto, que rentabilizem o espaço para não termos de ser nós a pagar as obras. Se fizessem um arraial pimba no cemitério onde estão enterrados os meus avós eu ficava ofendido? Nem por isso e talvez fosse a única forma de me levarem a um cemitério. Era ter lá boas festas e ter boa pontuação no Zomato. Sou um gajo que não lida bem com a morte e que nunca vai a funerais. Prefiro celebrar a vida. Sempre achei os cemitérios meio chochos e um pouco de animação só iria fazer-nos lidar melhor com certeza da morte. Quero, por fim, deixar registado que quando morrer podem jantar à vontade na minha campa e que instalarei uma máquina de tirar imperiais na minha lápide e que o meu epitáfio será «Sirvam-se e deixem de ser coninhas que a vida é só isto».


PS1: Esta semana vou atuar em Guimarães, dia 17, às 22h. Podem comprar os bilhetes neste link, na FNAC ou no local. Apareçam e partilhem com os vossos amigos, se fazem o favor. Obrigado.

PS2: Para a semana estarei em Faro, dia 23 (bilhetes neste link), e no Funchal, dia 25 (bilhetes neste link).




Gostaste? Odiaste? Deixa o teu comentário: