18 de julho de 2017

Ninguém quer um bairro de ciganos perto de casa



Isto anda bonito. De repente, parece que voltámos a 1970 onde a discriminação era uma espécie de calças à boca de sino em que toda a gente usava e, pior, se orgulhava disso. Depois do caso dos polícias na Cova da Moura acusados de racismo e tortura, tivemos o Gentil Martins a dizer que a homossexualidade era uma anomalia e, agora, temos o candidato do PSD/CDS, André Ventura, a xingar os ciganos na praça pública. Sobre homofobia e racismo já escrevi várias vezes, mas sobre ciganos nunca opinei. É um assunto complicado até porque tenho medo de ser mal interpretado e levar uma chinada no lombo de quem acha que os ciganos deviam morrer todos. Fintei-vos bem.

A minha vista na Buraca eram barracas dos ciganos. Depois, mudou e passaram a ser prédios de ciganos. Subiu um bocado o IMI, mas a zona ficou melhor mostrando que dar o mínimo de condições a quem tem pouco ajuda a resolver problemas. Tive dois colegas ciganos na escola: um era fixe e dava-me bem com ele, o outro espetou-me uma lapiseira na mão só porque era segunda-feira. Como o gajo era do SASE isso significa que aquela lapiseira que usou para me agredir tinha sido comprada, em parte, com os impostos dos meus pais. É como os americanos que morrem às armas do Estado Islâmico. Como podem ver, a minha experiência com ciganos é 50% positiva e, para mim, isso é uma boa média já que mais de metade das pessoas não-ciganas com as quais vou convivendo, não são pessoas decentes. Para além desta vasta experiência, toda a minha vida vesti roupa da Feira de Benfica comprada aos ciganos. Ainda hoje tenho muita. Já me fizeram cara feia em lojas caras quando fui trocar ou devolver uma peça de roupa, mas nos ciganos o máximo que acontecia era a minha mãe fazer mais peixeirada do que os ciganos e vencê-los por insistência.

Ciganos não é um assunto que esteja no topo das minhas preocupações. Preocupo-me com a morte, minha e dos meus entes queridos, com o futuro em termos de trabalho, com o chegar a velho e ter dinheiro para uma velhice digna neste país que ameaça falir, etc. Nunca me sinto ansioso e penso «Se não fossem os ciganos a minha vida até era feliz.» e olhem que tenho um bairro de ciganos a 200 metros de casa e passo no meio deles todos os dias para estacionar o carro porque é a única zona onde não meteram parquímetros porque lá, ao que parece, chamam-lhes «Aquelas máquinas estranhas que dão moedas.». É isso que me parece estranho: as pessoas estarem preocupadas com os ciganos. Por cada cigano que não declara rendimentos há 10 taxistas que metem tarifa 3 a um turista. Por cada cigano que não faz descontos há 100 donos de cafés que dizem que o multibanco está avariado para no final do mês declararem o ordenado mínimo. Por cada cigano que recebe o Rendimento de Inserção Social há 230 brancos, de fato e gravata, que recebem viagens e ajudas de custo para passearem com a família às nossas custas. Por cada cigano que não desconta há 10 pessoas que fazem spoilers do Game of Thrones e reparem que eu nem vejo isso, mas percebo a gravidade da situação. Preocupam-me mais os Ricardos Salgados deste país do que os Ricardinos Salganhadas. Nunca ouviram um político dizer «Portuguesas e portugueses, vamos ter de aumentar o IVA e o IRS para equilibrar as contas públicas por causa dos bancos que tivemos de resgatar e por causa dos ciganos.».


Está toda a gente indignada (e bem) com os comentários do André Ventura, mas o que é certo é que ninguém quer um bairro de ciganos ao pé de casa.

O problema do André Ventura não é ter dado a sua opinião que, do pouco que li, até pode ter algum fundamento. O problema é que o André Ventura não está no café a conversar com os amigos! É candidato político das autárquicas e está a fazer apenas e só uma coisa: campanha populista. O populismo já é bem javardolas, mas quando se auxilia de xenofobia e discriminação ainda pior. Acham que ele convive com ciganos lá nos comícios do PSD e do CDS? Ele só disse o que disse à caça do voto do povo que pensa «Ciganos? Era matá-los.». Por isso, ele não pode dar a sua opinião e esconder-se debaixo da alçada da liberdade de expressão porque ele tem responsabilidades políticas. Um gajo dizer o que ele disse num tasco é uma coisa, num palanque e amplificado pelos media roça a discurso de ódio e propaganda xenófoba. Eu percebo que as pessoas sintam comichão: compras a tua casinha em Entrecampos ou na Avenida do Brasil, dás bom dinheiro e pagas bom IMI por aquilo e, de repente, tapam-te a vista com um prédio social onde realojam famílias ciganas. Claro que percebo. Fizeste um dos investimentos mais importantes da tua vida e aquilo desvaloriza num instante. Dás 200 ou 300 mil euros por uma casa numa zona privilegiada e, de um momento para o outro, sabes que tens como vizinhos pessoas às quais lhes ofereceram as casas ou pagam 20€ de renda. Contudo, se te dessem a escolher, trocavas? Trocavas a tua vida, o teu trabalho, a tua etnia, para ir morar para aquele bairro, trabalhar na feira ou não fazer nada e ganhar o RSI? Não trocavas, não é? Então, pronto, o privilegiado és tu e não eles. A pior coisa que um cigano me fez foi parar o carro ao meu lado a ouvir Despacito no volume máximo. Confesso que nessa altura proferi vernáculo xenófobo, mas toda a gente tem o seu limite.

Depois, nestas coisas de catalogar as pessoas pela etnia há um grande problema: quem realmente sofre são as pessoas dessa etnia que tentam levar uma vida decente e cumpridora. Até me podem vir dizer que há só meia dúzia de ciganos que são bons cidadãos - spoiler alert: há mais - que isso não pode dar direito a um político de rotular todos pela parte pior, mesmo que essa parte seja grande. Isso só faz com que se tire a vontade dos bons continuarem a ser bons e sem bons exemplos dentro da comunidade, nada muda. Há que haver a presunção de inocência para todos, por isso, pensem que um cigano é um Quaresma até prova em contrário.

Agora, é óbvio que a cultura cigana tem alguns problemas. O problema não é a etnia, a "raça", ou a genética, mas sim a cultura. As culturas têm problemas e embora seja de valorizar que os ciganos se orgulhem das suas raízes, há que não ter problemas em assumir que há coisas que não estão certas ao olhos moldados pela sociedade onde vivemos. Muitos ciganos querem o melhor de dois mundos: receber do estado e viver à margem da lei, sem respeitar coisas tão simples como manter as crianças na escola até ao 12º, especialmente as raparigas e todos sabemos que não há sociedades evoluídas sem emancipação e educação no feminino. Claro que há muitos ciganos assim, mas é preciso perceber a carga histórica e que a ostracização de séculos não se apaga em algumas décadas. Queiramos admitir ou não, todos guardamos um pouco de preconceito para com os ciganos e isso acaba por nos obrigar a sermos contidos quando os criticamos. É igual com os gordos. Quantos de vocês conhecem em detalhe a história da etnia cigana, a sua origem, tradições e valores, e as perseguições a que foram sujeitos ao longo de anos e anos? Eu não. E, atenção, que eu não estou a defender criminosos, ciganos ou não, quem vive na impunidade deve ser julgado e condenado, mas é preciso perceber que há culpa dos dois lados e que há atenuantes.


Um gajo que rouba milhões para comprar casas em Paris não é a mesma coisa que um gajo que vende louro prensado no Rossio para comprar um boné da Lacoste.

Claro que também gostava de ter essa impunidade. Até ver, de ambos os casos. Aquele célebre caso da Quinta da Fonte onde se vê pessoal aos tiros reforçou essa impunidade, aparente ou não, dos ciganos. Vai lá tu, menino branquinho e de olhos azuis com o teu pólo da Quebramar desatar aos tiros no meio da rua a ver se não te acontece nada. Mas quantos brancos já saíram impunes de muitos crimes? Uma coisa é certa, se fores a tribunal, de certeza que te safas melhor se fores branco e tiveres um bom advogado. Só nos Malucos do Riso é que o Camacho Costa a fazer de cigano se safava sempre.

É óbvio que existe um medo generalizado dos ciganos e que esse medo vem de sabermos que eles são, em muitos casos, meninos para resolver os problemas chamando a família toda para a festa. Claro que há muitos que andam armados, por exemplo, ainda no outro dia, mesmo ao meu lado, um ameaçou dar um tiro num gajo que estava passear o cão perto de um prédio de ciganos. Como podem ver, era um cigano asseado e que prezava pela higiene e limpeza da sua praceta. Uma urina de cão é razão para desatar aos tiros? Não, e foi a acreditar nisso que o rapaz lhe fez frente e o cigano gritou e gritou, mas não deu tiro a ninguém. Se eu soubesse que as pessoas tinham medo de mim, também fazia altos bluffs. Sei de casos de assistentes sociais que eram corridos à pedrada e à cuspidela dos bairros de ciganos só porque iam lá fazer o trabalho delas e, muitas vezes, tentar ajudá-los. Por tudo isto, é claro que a comunidade cigana tem muitos problemas e focos de criminalidade. Mas, surpresa, também a comunidade branca, preta, e vegana. Onde há pessoas, há merda e a merda, venha de que raça ou etnia vier, cheira sempre mal e tem a mesma cor.

O que era mesmo fixe, é que as pessoas que defendem tanto os ciganos depois não as discriminassem quando elas se candidatam às suas empresas. Se vocês acham que é difícil arranjar emprego com um curso de sociologia, deviam experimentar ser ciganos. Isso é que era, porque criticar, com unhas e dentes, quem diz mal dos ciganos, na prática, não resolve nada. O que resolve é darem a cara quando têm oportunidade de mostrar que são mesmo pela justiça social. Comprar uma camisola da Nick e uns ténis da Ardidas na Feira do Relógio não conta como ajuda, lamento. No dia em que as oportunidades forem todas, mas todas, iguais para os ciganos e os não-ciganos, tanto as dadas pela sociedade como dentro da cultura deles, e as coisas não forem ao sítio, podemos ter a certeza que a culpa é só deles e aí sim, dar-lhes uma ilha onde eles fazem as próprias regras e pescam robalos com louro prensado como isco. Até lá, até podemos não gostar deles e não os querer por perto, mas temos de assumir que a culpa é, também, muito nossa. Lembrem-se que mesmo quem defende os ciganos não quer ter um bairro de ciganos perto de casa, e isso diz tudo sobre o que é ser-se cigano: nem mesmo os que te defendem te querem por perto. Agora pensem o que é viver assim.




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