Em tempo da criançada regressar às aulas, parece-me pertinente falar-vos de alguns professores caricatos que eu tive. Lembro-me de estar sempre ansioso para perceber quem iam ser as novas caras que me iam tentar ensinar coisas. Havia sempre aquela alegria quando víamos que algum professor do qual tínhamos gostado era o mesmo do ano anterior e havia também medo e angústia ao reencontrar muitos outros. Vou excluir desta lista os professores que tive no Instituto Superior Técnico, onde a quantidade de aves raras exige que tenham um texto só para eles.
O ATROPELADO
O atropelado foi meu professor de história no quinto ano. Era director de turma e lembro-me de ir com a minha mãe à aula de apresentação e ver que ela ficou bastante apreensiva. O professor tinha tido um acidente há uns tempos e tinha ficado todo coxo dos dois lados. A juntar a isso tinha ficado com um problema de fala e era mesmo complicado perceber o que ele dizia por entre um balbuciar cheio de cuspo e a espuma no canto da boca que algumas pessoas fazem. Quando ele ia a uma discoteca era sempre festa da espuma. Lembro-me também do olhar de medo da minha mãe quando perguntou a uma rapariga que lá estava, que aparentava ter vinte anos e 100kg: «Também veio acompanhar o filho?». Ao que ela responde «Não, não. Eu sou aluna.». Bem, voltando ao professor, lembro-me que a grande maioria dos alunos gozava com ele e as salas de aula pareciam o faroeste sem haver qualquer tipo de respeito. Eu era dos poucos que o ficava a ouvir e ele dava a aula para mim e mais quatro ou cinco. Haters gonna hate, faço o meu trabalho para quem gosta, era a política dele. Uma vez, brotou uma discussão com ele e uma aluna, em que ela começou a querer dar-lhe porrada. Ele furioso mandou-a para a rua, com as veias do pescoço salientes e a espumar ainda mais do que o habitual. Ela saiu e antes de fechar a porta gritou «Atropelado da merda!». E assim se ganha uma alcunha. O atropelado foi dos melhores professores que eu já tive. Tornava as aulas de história em documentários fantásticos e prendia a atenção de quem estava interessado em aprender. Claro que também prendia a atenção porque era preciso concentração para perceber as palavras todas que ele dizia.
A ROBÓTICA
Foi minha professora de matemática na preparatória e caracterizava-se por utilizar sempre bata e ter uma voz que parecia a máquina do Stephen Hawking. Tinha tido um problema nas cordas vocais mas isso pouco interessa a crianças de 11 e 12 anos (e 20, no caso da outra colega). Era muito complicado manter a compostura nas primeiras aulas, em que parecia que estávamos a ser ensinados por um robô altamente sofisticado vindo do futuro. Ela toda tinha movimentos mecanizados e era toda direita e hirta, mesmo à professora do antigamente. Um problema que este robô tinha era o facto de projectar perdigotos do tamanho de bolas de ping pong. Lembro-me dela sair da sala e de irmos ao quadro ver de perto o que parecia ser um bonito grafiti de saliva. Esta senhora era o Pollock do cuspo. O momento alto era quando ela ia ao nosso lugar, nos ajudava com algum cálculo na máquina e víamos o ecrã a ficar todo salpicado. Já sei no que estão a pensar: «Ó Guilherme, mas os teus professores cuspiam-se e babavam-se todos?». Todos não, mas calma que o melhor ainda está para vir.
A ESTAGIÁRIA
A estagiária não se babava mas fazia babar todos os alunos imberbes e adolescentes das aulas de português do 7º ano. Era uma rapariga nova, de cabelos encaracolados e que fazia as delícias das alterações hormonais dos rapazes daquela turma. Nem era tanto o ser gira, porque do que me lembro era só melhor que as outras, era o facto de ser simpática e ver-se que estava ali por gosto. Queria ser um de nós e muitos de nós queriam que ela fosse ainda mais íntima. Lembro-me de um dia que ela levou uma saia curta e se sentou em cima da mesa e conseguimos vislumbrar-lhe as cuecas. Os tempos eram outros e obviamente que era uma cueca de gola alta e a depilação das virilhas por fazer, mas ainda assim foi um marco pubescente naquele ano. Ela pouco depois chamou um rapaz ao quadro e ele, de calças de fato de treino, via-se que estava nitidamente incomodado. Não, não havia educação física nesse dia. Nas escolas da Damaia o fato de treino é a farda obrigatória.
A INCOMPETENTE
Há sempre uma professora de merda. Aquelas professoras (ou professores) que mancham a profissão que devia ser das mais nobres. Aquela professora que se está a cagar para a missão que tem e acha que ensinar é debitar matéria. Infelizmente, tive muitos assim mas esta fazia esses outros parecerem excelentes. Dava aulas de Desenvolvimento Social e Pessoa, a famosa disciplina de D.P.S. que se tornou obrigatória no meu 8º ano, para quem não queria ter Educação Religiosa e Moral e cantar músicas do senhor e passar Neoblanc pelo cérebro. Mas mais valia ter tido, porque esta disciplina nova dada por esta professora é pior do que isso. Já na sua meia-idade, toda ela tinha um ar de arrogantezinha de merda. Ela nunca nos deu uma aula, dizia para lermos textos do livro e colocava-se num canto a ler revistas de Jet Set. Uma vez, vimos o filme Filadélfia para depois tirarmos conclusões morais mas durante aula não se conseguiu ver tudo e ficaram-nos a falar vinte minutos. Vimos na aula seguinte como ela havia dito? Disse-nos para vermos em casa? Não. Cagou na parte final do filme e nas questões morais. Também me lembro de ela me ter assinalado um erro numa composição por eu ter escrito "Há muito tempo", dizendo ela que neste caso era sem «H». Eu refilei e expliquei-lhe o porquê mas ela manteve que eu estava errado. Na aula seguinte levei-lhe uma cópia de um livro onde explicava o porquê dessa regra. Ela ficou furiosa e respondeu «Pronto, dá das duas maneiras então.». Tivemos a nossa vitória quando ela, certo dia, ao refilar com um aluno na fila da frente, saltou-lhe a dentadura para a carteira dele! Juro! Ela, atrapalhada, esticou o braço e enfiou-a na boca, qual língua de camaleão gosmenta. Ruminou qual cabra a tentar ajeitar a placa e deu por terminada a aula. Ninguém se riu. Ninguém disse nada. O choque era maior do que a vontade de rir. Podia ser motivo de pena mas dado o historial dela, foi Deus a fazer justiça pelas próprias mãos. Por ela ser anormal e por Ele estar lixado de nós não estarmos na aula de Religião.
O ATLETA
O famoso professor de educação física que faz as meninas descobrirem que afinal também são tão badalhocas quanto os homens. Ele chegava com o seu fato de treino justo ao rabo, óculos escuros e penteado da moda. Elas suspiravam e perguntavam-lhe se a aula ia ser de voleibol. Nunca era. Naquela escola quem mandava eram os alunos e ali só podia ser futebol. Elas diziam que estavam mal dispostas ou que estavam com alguma lesão, isto para não terem de jogar e poderem ficar ao lado do professor a observar-lhe as curvas. Nunca diziam que lhes doíam os joelhos, porque não queriam estar a queimar possibilidades. Ás vezes, quando alguma se magoava a jogar, havia logo uma simulação à João Moutinho, no chão a rebolar e a queixarem-se das dores, para que o professor viesse, a correr qual Mitch Buchannon da Linha de Sintra, para as salvar. Por vezes, com sorte, havia uma pequena sessão de massagens nas pernas e nos tornozelos e as outras chamavam "porca" à contemplada. Inevitavelmente, este professor andava a comer uma colega de profissão, com a qual se fechava no seu gabinete para «Fazer o plano de aulas», que toda a gente sabe que é metáfora para «Escavacar a marquesa».
A SALOIA
Há sempre uma professora que veio de uma aldeia no interior de Portugal. Raramente essa professora é a de Introdução às Tecnologias de Informação, mas no meu caso era. Para fazer pandã com a sua pronúncia cerrada das beiras, chamava-se Lucinda e vestia vestidos com padrões dos panos de cozinha. Tinha ar de tudo menos de professora de informática e embora não percebesse muito da coisa, era simpática e esforçava-se e ganhou a simpatia de todos. Lembro de uma frase emblemática que ela disse no primeiro dia de aulas: «Quem me dera que a minha cabeça fosse uma disquete! Assim metia lá os vossos nomes todos para me lembrar e no ano seguinte formatava a disquete!» e riu-se desalmadamente a abafar o nosso silêncio e revirar de olhos.
A DITADORA
Este é um dos tipos bastante comum. Eu tive várias destas e há duas que me lembro perfeitamente, ambas no secundário. Eram professoras sobre as quais nos tinham avisado de outros anos «Reza para não apanhares a Salazar e a Mussolini, que elas metem rapazes e raparigas a chorar no quadro.». Eram aquele tipo de professoras sobre as quais se contavam histórias de terror nos acampamentos de escuteiros, e com razão. Primeiro dia de aulas, três pessoas a chorar no quadro. Era uma espécie de praxe e de terror psicológico que se a CIA soubesse as contratava para torturar prisioneiros. Isto foi no meu 12º ano, quando eu já estava a deixar de ser xoninhas e a sair da casca. Lembro-me de uma vez ter dito uma piada qualquer a um colega e ele se virar para a professora e dizer «A professora ouviu o que o Guilherme disse?» ao que ela respondeu de modo sobranceiro «Não, mas o Guilherme só diz disparates.». Eu retorqui com um «O sentimento é recíproco.» e a professora enraivecida disse «Bem, vamos lá ver os limites entre aluno e professor. Eu, parvo como já era, disse «Os limites é a professora que os estabelece e além disso calculo que estivesse a brincar tal como eu.». Ela insiste e diz «Pois, mas eu não estava a brincar.» e eu finalizei com «Ai não? Pronto, então eu também não.». Houve tensão e eu fui elevado ao estatuto de herói. Ela adorava-me e eu sabia que aquilo era tudo fogo de vista. E eu também gostava dela e sabia que ela era uma excelente professora, tanto que cheguei ao IST e fiz as cadeiras de física sem nunca ir a uma aula e a estudar meia dúzia de horas na véspera do exame.
O QUE SE DESCONFIA QUE É PEDÓFILO
Tive um professor que não vou dizer o nome nem o ano, que era uma mistura entre o Vale e Azevedo e o Carlos Cruz. Ali um misto de pedófilo burlão. Burlão porque ele não sabia dar aulas e não percebia um cu da matéria. A formação dele era outra mas lá conseguiu convencer alguém a dar-lhe turmas daquela disciplina. Pedófilo pode ser um exagero, mas corria o rumor que ele tinha sido expulso de outra escola por se ter trancado numa arrecadação com um algumas raparigas, desligado a luz e lhes ter tocado nos seios com a desculpa que estava à procura de ferramentas. O que se calhar era mesmo verdade mas noutro sentido. Lembro-me de uma vez um colega deixar cair um preservativo no chão, de propósito para se armar para as raparigas, e o professor ver e dizer com um ar safado «No fim da aula quero falar consigo a sós...». Houve risota geral na sala e ouviu-se lá de trás um aluno a dizer «Prepara o cu». Acabou a aula ali.
O COOL
A versão masculina da estagiária, o gajo novo que acha que é um da malta. Foi meu professor de geologia, não me lembro o ano, e também deixava as raparigas com problemas de humidade na zona pélvica. Não por ser giro, mas porque era novo e professor e as mulheres adoram clichés românticos. Ele usava expressões como "fixe", "bué" e "hoje podem sair mais cedo" e tudo isso nos fazia gostar dele. Ele tinha uma orientadora de estágio com ar de vilã de telenovelas portuguesas dos anos 90 e ninguém gostava dela, porque quando ela ia às aulas e ficava lá sentada a avaliá-lo, ele ficava muito mais nervoso e menos cool. Um dia, ele estava a mostrar slides (daqueles naquelas máquinas à antiga, não era cá mariquices de PowerPoints) e aparece uma imagem de uma montanha. Alguém perguntou onde era aquilo e ele respondeu que não sabia. Nesse momento, a Cruella, que nunca abria a boca, grunhiu com arrogância lá de trás «Ó Pedro, não sabe? Por amor de Deus, já viu o símbolo que está ali?», pensando ela que a folha de plátano que estava no canto do slide fosse algo a identificar o país, neste caso o Canadá. O ar ficou pesado, num silêncio de impasse e ele disse «Aquilo é símbolo da editora dos slides e do livro... Plátano Editora». Bazinga madafaca!!! Houve esgar geral na turma, seguido de euforia com pessoal aos saltos ao género das entourages das batalhas de rap, com pessoal a gritar «Aiuia, aiuia!» e «Mete gelo que passa!». O professor mandou-nos sentar e calar, mas com um sorriso que não conseguiu disfarçar. Ela nunca mais falou.
A FILÓSOFA
A filósofa era mesmo professora de filosofia. Tinha uma voz peculiar a fazer lembrar o Freezer do Dragon Ball, o que aliás lhe deu a alcunha pela qual toda a gente a conhecia. Ela era chanfrada da cabeça, isso era mais do que óbvio. A catch phrase dela era «Tu és um ser. Um cão é um ser. Uma pedra é um ser. Uma caneta é um ser. Tudo é um ser.». Tinha já uns cinquenta anos, ou mais, e claramente fumava ganzas ou tinha caído em pequena no caldeirão dos THCs, qual Obélix do Gueto. No entanto, era uma professora excelente e via-se que tinha um gosto tremendo em dar aquelas aulas e tentar ensinar a pensar aqueles alunos, na sua maioria, burra que nem uma récua de jumentos. Deu-me 20 num teste, o único que ela dizia ter dado na carreira toda de professora. Fiquei preocupado, pois era sinal que eu tinha tanta pancada na cabeça quanto ela. Uma vez levou death metal para ouvirmos na aula, para nos explicar que até no aparente caos havia uma melodia ordenada. Nunca me vou esquecer daquela figura a abanar a cabeça Cannibal Corpse. Agora que penso nisso, era boa alcunha para ela.E foi isto. Muito mais havia para contar mas depois este texto ficava mais secante do que as aulas de alguns professores. Eu depois escrevo sobre os que tive na faculdade e aviso-vos já que não é um cenário bonito de se ver. Para quem estiver com tentação de comentar algo do género «Estás a denegrir a imagem dos professores! Porque é que não falas dos que eram bons?», eu respondo: porque isto é para ter piada e dizer que existem bons professores e que tem de ser respeitados não faz rir ninguém, só o Nuno Crato.
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