7 de setembro de 2015

Jornalismo de retrete



Já há algum tempo que o nosso jornalismo anda muito perto de ser um piaçaba que chafurda nos dejectos colados à retrete. A entrevista ao estafeta da Telepizza foi aquele trolho que cai na água e salpica nossos delicados glúteos: é cocó como os outros, mas chateia ainda mais.

«E a piza é de quê?», é talvez das perguntas mais parvas que um jornalista já fez enquanto estava a trabalhar. O rapaz, coitado, pensava que aquilo era para os apanhados ou que o tinham finalmente caçado por um crime que ele pensava que ninguém tinha visto. Via-se na cara dele que estava prestes a confessar «Confesso! Fui eu que roubei dois leitões em Odivelas em 2008! Mas o molho não fui eu, foi o Cajó que se gosta de besuntar todo naquilo antes de se tocar a ver o National Geographic!». Podia ter sido um brilhante caso de jornalismo de investigação e ter-se descoberto um foragido gatuno de porquinhos bebés, mas em vez disso ficámos todos a saber que José Sócrates gosta de pepperoni e extra-queijo. Cá para mim, isto foi uma estratégia bem montada pelo seu advogado para mostrar a humildade do seu cliente. Primeiro, chegou a casa de t-shirt da Primark e de barba de três dias, mostrando uma magreza de quem não comeu na última semana como se fosse uma noiva prestes a casar. Depois, tal como António Costa que comeu apenas um hambúrguer rápido no dia do seu casamento, também José Sócrates comeu uma piza de apenas dois ingredientes no dia do seu desencarceramento.

Não pediu uma piza com camarão nem com bacon, é um rapaz humilde e ainda dizem que ele vivia acima das suas possibilidades.

Sócrates subiu um pouco na minha consideração por não ter pedido banana na piza. Sim, banana na piza é parvoíce. Se eu fosse o rapaz da Telepizza tinha respondido assim:

  • O sigilo profissional impede-me de revelar as preferência dos meus clientes ao nível dos ingredientes. Se lhe contar vou ter de a matar;
  • Não é piza. Trago um frango.
  • É de pepperoni, extra-imbecilidade e andaste a estudar para fazer esta merda de perguntas;
Até me admiro que não lhe tenham perguntado se erra massa fina e estaladiça ou alta e fofa. O CM é aquele colega meio tantan das ideias que faz perguntas descabidas na sala de aula. É aquela colega burra que nem uma porta carunchosa mas que tem um belo par de seios. Aliás, essa colega pode bem acabar como "jornalista" do CM a fazer entrevistas na praia com um biquini reduzido. O jornalismo de retrete em Portugal já nos habituou a pérolas como esta. As notícias que nunca o deviam ser preenchem grande parte da hora e meia dos nossos telejornais. Perde-se demasiado tempo e recursos a cobrir assuntos que se fossem um animal seriam uma égua coxa, corcunda e com bigode, que nem um garanhão virgem quereria cobrir. 

Nas concentrações da Selecção Nacional também temos acesso a detalhes da vida dos jogadores que interessam tanto como ver duas moscas da fruta a praticar o coito. «O Cristiano Ronaldo comeu massa com atum», o «Cristiano Ronaldo está a usar meias aos quadrados o que indica que talvez vá jogar a ponta de lança», são acontecimentos que merecem destaque nos jornais nacionais. Vai chegar o dia em que vamos ver algo deste género:


Se calhar o problema não é jornalismo, talvez seja o público. Se o Correio da Manhã é o jornal mais lido, se a Nova Gente é a revista com maior tiragem e se a CMTV é o canal de notícias com maior audiência, talvez seja o público português que não merece mais qualidade. Se calhar é isso e talvez o jornalismo seja o reflexo do seu público que não se importa de ser alimentado por uma sonda de fontes próximas do casal. Ser-se jornalista devia ser uma das profissões mais importantes de uma sociedade livre e democrática. Felizmente, ainda temos muitos e bons e vêem-se excelentes reportagens e trabalhos de investigação em Portugal. Por isso mesmo, ainda me custa mais ver que havendo capacidade para termos a excelência, nos contentemos e alimentemos da mediocridade.

Os jornalistas a sério devem olhar para estes palermas como uma prostituta de luxo olha para uma colega de estrada, toxicodependente e seropositiva, que não se lava por baixo entre clientes e não que usa preservativo. Dá mau nome à profissão, não efectua o seu trabalho com a qualidade que ela exige e ainda espalha doenças. Além de se vender por pouco... Este tipo de jornalismo é um efeito secundário da liberdade de imprensa, mas, ainda assim, é melhor assistirmos a estes momentos ridículos do que termos a informação censurada por um lápis azul. Bem, mas pior que estes momentos de humor involuntário, foram aquelas peças "jornalísticas" feitas na TVI aquando do acidente do Meco. Lembram-se? Com reconstituições com direito a música de filme de terror série Z e com direito a narrações sensacionalistas. Uma verborreia de mentiras e especulações, algumas copiadas de um site chamado "Chupa-mos", o que diz tudo sobre a qualidade da jornalista e do seu empenho em confirmar se as suas fontes são fidedignas. As pessoas ofendem-se com os humoristas e as suas piadas mas com este tipo de jornalismo não vejo ninguém a dizer que é de «mau gosto e não havia necessidade».

Ontem deram outra notícia de mais uma morte de um bebé refugiado à chegada a uma praia na Europa. Isto é claramente uma estratégia de «em equipa que ganha não se mexe». A motivação de mostrar imagens chocantes é hoje muito mais uma técnica de marketing do que uma necessidade de informar e despertar consciências. O jornalismo não devia estar preocupado com audiências, tiragem e visitas aos seus websites. Agora é moda alguns jornais online utilizarem técnicas de clickbait, em que colocam uma publicação, com uma imagem genérica e com o título e comentário «Nem imagina o que aconteceu com o Primeiro-Ministro!», para que as pessoas cliquem e lhes dêem mais uns cêntimos de publicidade. Depois vai-se a ver e não aconteceu nada digno de registo. Mas que palhaçada é esta? Temo o dia em que temos que fazer like e partilhar a notícia antes de podermos visualizar o seu conteúdo. Enfim, não seria de estranhar uma palhaçada deste género num país onde há telejornais que aceitam dinheiro em troca de uma entrevista fútil de vinte minutos, como foi o caso do Lorenzo Carvalho com a Judite de Sousa.

Um país que é capaz de abrir o telejornal com futebol e com o pontapé do Marco do Big Brother, já nada é de admirar.

Há pouco tempo escrevi sobre a falta de humor na TV portuguesa. Depois desse texto, tal é o meu poder e influência, começou um novo programa do Bruno Nogueira na SIC e para a semana teremos os Gato Fedorento na TVI. Quando escrevi esse texto fui injusto, porque esqueci-me que temos humor mais do que suficiente nos nossos telejornais. Aliás, Portugal é, todo ele, um sketch genial que nem os Monty Python conseguiriam escrever. Resta-nos ser proactivos e sermos nós a pesquisar as notícias e o jornalismo de qualidade na Internet e encarar casos semelhantes aos da piza do Sócrates, como momentos de humor e boa disposição. «E a piza é de quê?» devia ser estampado em t-shirts que todos os caloiros de jornalismo deveriam usar para se lembrarem do porquê de terem ido para aquele curso e, também, para estarem conscientes do que lhes acontecerá caso não estudem o suficiente.




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