11 de abril de 2016

Fui ao IKEA com a minha namorada (e a minha mãe)



Como gosto de experiências radicais ontem decidi experimentar algo que nunca tinha feito: ir ao IKEA com a namorada. Já tinha ouvido histórias, quais mitos urbanos, que diziam que o labiríntico caminho do IKEA era uma espécie de corredor da morte, com vários maridos e namorados arrastados, mas pensava que eram apenas rumores exacerbados de quem acrescenta um ponto a cada conto que passa de boca em boca.

O plano para Domingo era ir à FIL, à Feira de Viagens, em busca de um desconto para ir de férias. O trânsito que encontrámos antevia uma enchente de outros pobres também em busca de poupar 20€ no T0 para a família numerosa que vão alugar em Albufeira. Dizem que os cruzeiros estavam em alta, com filas de pessoal da Margem Sul a ver se pela primeira vez entram num barco que não seja para atravessar o Tejo. Portugal está cheio de pobres que adoram descontos mesmo que acabem por gastar mais dinheiro do que o inicialmente previsto, já que poupam na viagem mas vão para locais onde a imperial custa 6€. Como sou pobre mas não sou parvo, decidi não passar o dia em filas e em encontrões e resignar-me ao facto de só ter dinheiro para férias modestas.

Foi então que fiz a pergunta que nenhum homem deve fazer: «Queres ir ao IKEA ver das prateleiras?»

Sou um palerma, bem sei, mas saiu-me num raio de raciocínio toldado pelo marasmo domingueiro. Ela disse que sim, logo, com um entusiasmo como se tivesse acabado de oferecer-lhe um anel de diamantes e Sacavém fosse Paris. Arrependi-me mal lhe vi o brilho que só um psicopata da decoração de interiores tem nos olhos. A caminho ela sugeriu ligar à minha mãe para ver se queria acompanhar-nos. A minha mãe disse que ainda estava de pijama, mas prontificou-se logo a embarcar nesta fantástica aventura. Uma mulher nunca está demasiado cansada para ir ver caixilhos, madeiras e tecidos. Pode ter acabado de correr uma maratona de saltos altos e com trigémeos obesos ao colo, que há sempre mais energia para ir decorar alguma divisão da casa. O facto de a minha mãe ir por um lado era bom, já que ficavam as duas entretidas a dissertar sobre puxadores de cómodas, já por outro, sabia que o tempo que lá iríamos demorar aumentaria drasticamente. Para quem não sabe, existe uma fórmula matemática que calcula o tempo que vamos demorar no IKEA:
T = seca em horas
M = número de mulheres
H = número de homens
S = fator sogra que vai de 1 a ∞

Resolvendo a equação com os valores no meu caso:
Como eram 17.30h fiz logo as contas para me mentalizar que antes das 21.15h não seria um homem livre. Chegámos, subimos as escadas e entrámos no labirinto que faz com que a extinta casa do terror da feira popular seja um passeio para crianças.

Cedo chegou o primeiro dilema: prateleiras brancas, de madeira clara, ou escura? Por um lado as brancas ficavam melhor com a secretária, por outro as escuras condiziam mais com o móvel da televisão. O drama instalou-se! O que fazer perante tal dilema que coloca a origem da vida como uma questão menor?

- O que achas que fica melhor? - pergunta-me ela.
- Tanto faz, acho que ficam as duas bem. - respondo.
- Oh, diz lá. - insiste.
- Já te disse, ficam bem as duas. - garanto-lhe.
- Sim, mas não preferes nenhumas? A casa é para ficar também ao teu gosto. - diz-me em tom fofinho.
- Acho que as de madeira se calhar ficam lá melhor para não ficar tudo branco. - respondo, finalmente.
- Eu por acaso prefiro as brancas…

Escusado será dizer que "escolhemos" as brancas.

Segundo dilema: mesa para a sala, redonda ou retangular? Mal sabia que depois de acabar um curso de engenharia iria voltar a ter dramas de geometria fora do contexto de trabalho. As mulheres não percebem que para a maioria dos homens o que interessa na mesa é se tem comida no prato. Homem que é homem come na quina da mesa já a prevenir que vai engasgar-se e usar a esquina como auxílio para a manobra de Heimlich autoinfligida. Mais uma vez, decidi testar o meu papel naquele local e disse «Por acaso, acho que gosto mais da retangular.», comentário que foi recebido «Achas? Eu prefiro a redonda.». Pensei em desafia-la para um duelo com candeeiros de pé alto, mas optei por fazer o que qualquer homem inteligente deve fazer: dizer que ela tem razão.

Terceiro dilema: caberá este móvel na sala? É nestas questões espaciais que as mulheres confiam no cérebro masculino para as ajudar. Elas sabem que nós somos melhores a estacionar e a saber se o carro cabe naquele lugar sem o raspar todo, e, por isso, esperam que nós tenhamos a planta da casa decorada. Nestas alturas os papéis invertem e, se na cama, nós achamos sempre que cabe tudo, com ou sem jeitinho, neste contexto são as mulheres que acham que dá sempre para enfiar mais um móvel, uma prateleira, um sofá, um cadeirão e trinta mil bibelots. Dá sempre para mais qualquer coisa, mesmo que se more numa arrecadação de um T0. Elas, no fundo, sabem que não cabe sem que tenhamos de começar a passar de lado no corredor, ou a porta só abra até meio, mas gostam de se convencer que sim, tal como fazem quando compram vestidos dois números abaixo.

É preciso sabermos como nos desviar destes dilemas e vou dar algumas dicas de sobrevivência para evitar discussões:

  • Nunca dizer que algo que elas gostam é feio. Nunca! Mesmo que seja um móvel ou combinação de cores que já tenham visto no programa "Na Casa do Toy".
  • Nunca dizer que se calhar aquilo que elas querem é muito caro! elas vão sentir logo que vocês não estão tão empenhados na relação e vão mandar-vos logo à cara algo como «Deste 100€ por um drone que nunca usas e achas que esta colcha de 200€ é muito cara? Tens de começar a ver as tuas prioridades.» Por isso, mesmo que elas queiram comprar oito puxadores que custam 40€ cada um para colocar numas gavetas que estão numa divisão que nunca ninguém lá vai, digam sempre que sim. Ofereçam-se para vender o vosso carro, se for preciso.
  • Nunca suspirar. O mínimo sinal que mostrarem de que estão a apanhar seca vai ser usado contra vocês. Puxem pelo príncipe que há dentro de vós e façam como se estivessem numa parada: sorriem e acenem que sim.
Enquanto ia acenando com a cabeça, entretive-me a observar os comportamentos dos restantes seres humanos que por ali andam, num caminho demarcado para eles, quais Lemmings que só têm a skill do consumismo:

  • Casais novos, com o homem com cara de enterro, a contemplar o suicídio como uma opção válida para resolver os seus problemas, arrastando os pés e cabisbaixos enquanto vão dizendo que sim a tudo, como eu, foi o que mais vi;
  • Famílias com filhos pequenos que guinchavam enquanto jogavam à apanhada à volta de uma estante, com os pais a mandarem-nos calar enquanto reviravam os olhos e desejavam que um deles desse com uma têmpora na quina de um móvel;
  • Pessoas com ar de quem mora numa barraca mas precisa de uma bom móvel para ter o LCD de quinhentas mil polegadas;
  • Só vi um homem entusiasmado por lá estar, acompanhado pela namorada, que falava de sofás de pele como quem fala de seios: «Já viste isto, mor? Olha este conforto! Senta-te aqui para veres. Bem, isto é mesmo confortável. E a cor? Ficava mesmo bem com os nossos cortinados. Só nos falta comprar um tapete para fazer pandã e temos a sala terminada! Bem, isto é mesmo confortável, não achas?» E foi neste momento que aquela rapariga percebeu que namorava com um homossexual e/ou um fã do Gustavo Santos.
Lá fui avançando com uma motivação extra ao chegar ao piso de baixo por saber que mais de metade do caminho já estava feito. Fiz aqueles últimos metros por entre olhares cúmplices com outros homens, como que a congratularmo-nos mutuamente de forma silenciosa pelo companheirismo de guerra. É uma espécie de código do Fight Club em que todos sabemos que estamos ali a apanhar seca, mas que a primeira regra é não se falar disso a ninguém. Chegámos ao armazém e sendo que a mesa seria para levar noutro dia, fomos em busca das prateleiras escolhidas que, obviamente, estavam esgotadas. No fim, o que comprámos? Molduras. Vinte molduras para termos fotos que nos relembram os bons momentos da nossa relação, entre os quais vos garanto que não está o dia de ontem. Se as relações fossem 80% passadas a escolher móveis, todos os homens seriam solteiros. Aliás, se as mulheres fossem todas solteiras, o IKEA nunca tinha tido sucesso.

Os móveis do IKEA são os novos frascos de compota e a única razão por elas ainda nos aturarem.

Não é que não seja giro escolher móveis para tornar o nosso lar mais confortável e acolhedor, o problema é o tempo que se perde com os detalhes que para os homens são como a celulite no rabo das mulheres: não reparamos e não é por aí que não se come. No fim, nós homens chegamos à conclusão que fomos lá não para ajudar a escolher, mas para concordarmos com a escolha das nossas amadas. Elas querem um móvel de sala do WC? Tudo bem. Querem uma cómoda barroca na cozinha? Sem problema. Querem um cesto de fruta de plástico equilibrado num naperon em cima do LCD da sala? Claro que sim! A nós tanto nos faz, só queremos que vocês não fiquem de trombas.

PS: Li este texto à minha namorada e ela disse-me «Que exagero!». Claro que concordei e disse que ela tinha razão.




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