Caro presidente Trump,
Sei que já deve estar farto destes apelos que foram feitos por muitos países e cidades que manifestam o interesse de ver as suas zonas em segundo lugar no ranking das maiores nações mundiais, logo a seguir, obviamente, à grande nação da América, que por acaso até é um continente, mas que para facilitar e não confundir as pessoas que votaram em si, irei utilizar como referência aos Estados Unidos da América. Ia fazer um vídeo, mas a verdade é que já é um formato muito batido e, bem, dá mais trabalho porque é preciso levantar o rabo do sofá e o meu sofá é muito confortável. O mais confortável de todos! Então, escrevo-lhe e, ao contrário dos outros vídeos, não quero que a minha terra, a Buraca venha em segundo. A Buraca vem primeiro! Deixo alguns bons exemplos que poderá seguir se quer tornar a América grande outra vez.
Vocês têm o Central Park em Nova Iorque. Na Buraca temos o Jardim dos Aromas. O melhor jardim. Grande. Nem dá para acreditar! Tem esse nome devido aos perfumes que se sentem no ar: da erva, do chamon, do pólen e dos canabinóides no geral. Aqui ninguém manda consumidores e pequenos traficantes de drogas leves para a prisão durante anos, somos pessoas com bom senso. Em vez disso, a polícia leva-os até à esquadra e dá-lhes um enxerto. Dos melhores enxertos do mundo! Grandes! Enormes! Antes, neste parque, havia um muro de onde eu me pus a saltar com oito anos e fracturei a perna. Péssimo. A maior fractura de sempre. Horrível! Tive de andar com gesso dois meses. Não fiquei coxo por acaso.
Vocês têm o «Born in the USA» do Bruce Springsteen, nós temos o «Quero ir à Buraca» dos Fúria do Açúcar. Um hino feito na altura em que as pessoas não ficavam ofendidas com regionalismos bacocos. Ninguém da Buraca boicotou os concertos deles, nem queimou as suas cassetes. As pessoas da Buraca têm sentido de humor porque desde cedo percebem que rir é a melhor forma de lidar com o facto de se viver numa terra chamada Buraca.
A Buraca está inserida numa espécie de Estados Unidos: a Linha de Sintra. Pense em Benfica como sendo São Francisco, onde as elites moram. Pense na Amadora como se fosse Nova Iorque, onde existe uma espécie de melting pot. Vocês têm o Empire State Building, nós temos o centro comercial Babilónia que, tal como a mítica capital suméria com o mesmo nome, também é uma espécie de meca do progresso e tecnologia com 300 lojas de indianos que reparam telemóveis. Pense em Massamá como Chicago, com prédios altos e vento. Pense no Cacém como uma espécie de Detroit, mas ainda com mais mitras. Os melhores mitras!
Vocês têm Las Vegas, mas nós temos o Bingo da Reboleira.
Também temos um muro na Buraca: o Aqueduto das Águas Livres, Free Waters. Curioso que haja muros que tenham derivados de liberdade no nome e que serviam para levar bens essenciais às pessoas. Ainda temos outro muro, mesmo ao lado, na Damaia. Lindo. Grande. O melhor muro. É o muro da Escola Secundária D. João V, onde fui aluno durante cinco anos. Não chumbei nenhum, o que pode parecer estranho aos olhos dos seus eleitores. Era um excelente aluno. O melhor. O conceito de escola secundária também pode parecer estranho aos seus fãs que são filhos de primos direitos. Bem, este muro separa a escola do seu exterior, já que a escola é paredes meias com a Cova da Moura que é o melhor bairro social de Portugal. Grande. O maior. Contrariamente ao que se possa pensar, este muro não serve para segregar, serve para manter as bolas de futebol de educação física dentro do campo, já que quando iam parar à Cova da Moura não voltavam. Este muro, para além das funções básicas dos muros, tem outra: a de ser uma tela onde vândalos rabiscam coisas. Na fotografia pode ver alguns exemplos do vândalo Odeith. Enfim, uns a usar muros para separar pessoas, outros a enchê-los com arte e cultura. Sad.
Vocês têm o Rodeo Drive e a 5ª Avenida onde as pessoas podem fazer compras de luxo, mas a Buraca está a uma distância de dois minutos do Colombo, da Decathlon e do IKEA. Temos bons artistas. Vocês têm o Louis CK, mas foi na Buraca que nasceu o Bruno Nogueira. Vocês têm a Oprah, mas nós temos o João Baião. Vocês têm o Dr. Phill que não vale nada ao pé do nosso Quimbé. Temos, ainda, os Buraka Som Sistema, grupo no qual nenhum dos elementos é da Buraca, só para ver o impacto que esta localidade tem que até quem não mora lá quer fazer de conta que sim.
Na Buraca não temos mexicanos, mas temos Guineenses, São-Tomenses, Cabo-Verdianos, Angolanos, Brasileiros, etc. Muitos deles são portugueses, já. Vivemos todos em harmonia... estou a gozar, há muita merda. Há tráfico de droga, há assaltos, há criminalidade no geral. A diferença é que percebemos que não é a cor da pele nem as raízes geográficas que provocam isso. Percebemos que as desigualdades, a discriminação e a situação económica e social são a base do problema. Conseguimos resolver? Não, mas está melhor do que há uns anos, especialmente porque quando mandaram abaixo o Casal Ventoso, Windy Couple, o tráfico veio para aqui e a criminalidade na rua diminuiu porque o pessoal faz mais dinheiro a vender droga do que a assaltar na rua. Como pode ver, vocês têm o Steve Jobs, mas nós temos o Celestino Mata-Bófias que também era empreendedor. Depois foi morto pela polícia, mas o Steve Jobs também morreu, por isso vai dar ao mesmo. No entanto, mesmo com isto tudo, não colocámos muros à volta de bairros de má fama, nem deportámos toda a gente para o Cacém. Eles já têm chungaria que chegue de todas as cores.
A verdade é que esses muros sempre existiram. Há quem nasça do lado do muro que tem menos oportunidades. Há quem nasça do lado do muro que lhes baixa as expectativas porque ninguém espera nada deles e até ficam surpresos se não forem por maus caminhos. Os muros já existem e enquanto há uns que os tentam derrubar, há outros que os querem erguer e torná-los de pedra e cimento. Mesmo numa zona complicada em que é fácil encontrar racismo, dos dois lados da barricada, tenho a certeza que se o senhor Presidente concorresse à Junta de Freguesia da Buraca, pouca gente votaria em si. Por isso, a Buraca vem primeiro e a América vem depois. Não vamos fazer a Buraca grande outra vez, porque a Buraca nunca foi grande, nem nunca vai ser. Mas é cada vez menos má, tal como Portugal. Porque em locais onde as pessoas são boas, as coisas tendem a melhorar e nunca precisam de ser como já foram.
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