Gosto de acompanhar as eleições norte americanas não pelo interesse que tenho nas políticas deles, mas porque é do melhor entretenimento que tem dado na televisão. Estava a ver o discurso do Trump depois dos resultados das últimas eleições primárias, de madrugada como qualquer bom programa de humor, e dei por mim a pensar se seria possível haver um Trump, com aqueles argumentos, a liderar sondagens em Portugal. Vamos apenas fazer o exercício de imaginarmos que temos um candidato a presidente ou primeiro-ministro de Portugal a dar a seguinte conferência de imprensa:
Temos de tornar Portugal grande outra vez! Grande como foi na era dos Descobrimentos nem que seja preciso voltar a ter escravos e invadir Marrocos! Isto não pode continuar assim a sermos conquistados pela China! Só vejo lojas dos chineses em todo o lado e ainda por cima as merdas que lá se compram só funcionam uma vez! Temos de banir as lojas chinesas e expulsá-los do país! Temos de trazer o dinheiro dos portugueses de volta para Portugal e para isso, prometo construir um muro entre Elvas e Badajoz! É indecente que tantos portugueses continuem a ir comprar caramelos lá fora, quando temos tantos caramelos bons por cá! Vou, por isso, construir um muro de 500 metros de altura e ao longo de toda a fronteira! Calma que vai ter uma porta bonita mas só para entrarem turistas! Sair ninguém sai! Para quê ir fazer viagens de finalistas a Lloret del Mar quando temos Albufeira que tem tantas ou mais badalhocas? Outra medida que prometo fazer é expulsar todos os muçulmanos daqui para fora! Todos! Aliás, toda a gente que viver no raio de dois quilómetros de uma mesquita vai ser investigado. E os pretos? Esses preguiçosos? Cambada de violadores e traficantes e ainda pior do que isso é o facto de terem trazido para cá a kizomba.
Acham que uma pessoa com este discurso, mesmo que milionária e estrela de TV, liderava as sondagens em Portugal? Acho que não. Dizemos, eu incluído, tantas vezes mal do nosso país, mas aqui tenho de tirar o chapéu à inteligência dos portugueses que nunca se deixariam levar por um discurso surreal destes. Portugal, em termos de inteligência política, dá 10 a 0 aos Estados Unidos. E vindo de um país que elegeu Passos Coelho, Cavacos, Costas e afins, isso é dizer muito sobre os "amaricanos".
«Ele diz o que pensa.», é um dos principais argumentos de quem o apoia.
Como se dizer o que se pensa quando só se pensa em merda fosse uma qualidade.
Saber que se é burro e não se tem inteligência e opiniões válidas em determinados assuntos, e ter o bom senso de não se dizer o que se pensa e ficar calado, isso sim, é uma virtude. O mais curioso é que ele não diz o que pensa. Diz o que o faz ter votos. Ele sempre foi a favor do aborto e, de repente, mal chega ao partido Republicano, passa a achar que aborto afinal é pecado. Isto entre outros assuntos em que ele era mais liberal e passou a ser mais conservador só para angariar votos à direita e à direita da direita. O Ku Klux Klan disse que apoiava o Trump e acho que não é preciso dizer mais nada.
Como é que é possível o país que manda no mundo ter uma população, em média, tão ignorante? Ignorante ao ponto de votarem num gajo que diz baboseiras como estas? Ignorante ao ponto de haver 42% da população que acredita que a história de Adão e Eva é literalmente verdadeira, que o mundo tem menos de dez mil anos e que os dinossauros, por isso, coexistiram com os humanos ou que os seus fósseis foram deixados por Deus para testar a fé das pessoas? Ignorantes ao ponto de não deixarem os filhos irem à escola caso se ensine lá a teoria da evolução de Darwin? Quem faz isso acaba por criar um paradoxo mostrando que realmente muita gente não evoluiu e estagnou nos chimpanzés. Algo me diz que essas crianças serão a próxima geração da trumpa. Não são duas ou três pessoas! São 42% de um universo de mais de 320 milhões! As pessoas burras, ignorantes e desinformadas dos Estados Unidos fazem treze vezes a população de Portugal! E é esta gente que elege os governantes que têm mais poder no mundo!
Enfim, nada de estranhar num país que não consegue desligar a religião da política. Num país em que o ex-presidente Bush dizia que rezava pelas tropas no Iraque e em que os discursos acabam invariavelmente com um «God Bless America», mesmo que o candidato seja ateu, como dizem ser o caso de Obama. Deus dá votos de ignorância. Pelo menos este Deus americano, levado ao extremo como os extremistas islâmicos de quem eles tanto têm medo. O fanatismo católico nos EUA é, provavelmente, mais perigoso para o mundo do que o Estado Islâmico.
Ganhe ou não, Trump veio mostrar ao mundo que a democracia envolta em promiscuidade com as grandes corporações que financiam as campanhas, em conjunto com os media completamente parciais, é um modelo de sociedade perverso.
Uma sociedade com liberdade condicionada, mas prisão à ignorância perpétua.
Gostava que o Trump ganhasse para que todos víssemos o perigo do fascismo mascarado de democracia. Gostava ainda mais que ele ganhasse e se virasse para o povo americano e dissesse «Mas vocês são parvos? Como é que me elegeram? Eu só disse porcaria a testar os vossos limites! Acham mesmo que eu vou expulsar pessoas? Só se for as otárias que votaram em mim. Acham mesmo que vou fazer muros? Só se for para impedir que voltem para cá. E que Deus abençoe os outros países porque a América precisa é da extrema-unção.»
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