10 de janeiro de 2018

Polémica com a H&M: afinal, não somos todos macacos



Já todos estão a par da polémica com a H&M, com uma foto no site de uma camisola a dizer «O macaco mais fixe da selva» usada por uma criança negra, certo? Deixo, desde já, a resposta certa para quando vos mostrarem a imagem e perguntarem a vossa opinião: «Hum? Polémica porquê? Não percebo! É por dizerem macaco quando os humanos não são do mesmo ramo evolucional dos macacos, mas sim partilharem um ascendente comum aos chimpanzés actuais? Se é isso, concordo, a evolução é um tema sério.». Vamos analisar as várias hipóteses que podem justificar a escolha da H&M:

1. A H&M é uma marca racista e ao ver aquela camisola, achou que ficava bem escolher um miúdo negro porque acha efectivamente que os negros são todos parecidos, fisicamente e intelectualmente, com macacos.
Esta parece ser a hipótese colocada pela maioria das pessoas que ficaram ofendidas com a imagem. Parece-me parvo, até porque os racistas que sabem que são racistas, optam por escondê-lo e não saem da toca. Uma marca, ainda por cima, mesmo que fosse racista tem como prioridade fazer dinheiro e não passar ideais que podem alienar grande parte dos seus clientes. Boicotar a marca por causa de um "erro" que pode ter sido apenas um acaso, parece-me parvo, principalmente de pessoas que pagam boa nota pela Hugo Boss que tem um passado associado ao nazismo.

2. A H&M escolheu o miúdo negro porque já sabia que ia dar merda e acreditam que a polémica é boa.
Duvido. Nos dias de hoje, este tipo de polémicas não é boa. Sim, toda a gente fala na marca, mas tens uma série de celebridades a boicotar patrocínios e afins. Uma coisa é assumir posições que dividem, outra é assumir posições que a esmagadora maioria da população rejeita. Quase ninguém acha que ser racista é fixe e mesmo os próprios racistas se escondem um bocadinho, embora com o Trump e a Maria Vieria estejam mais afoitos. Garanto-vos que a maioria dos brancos ofendidos é preconceituosa em relação a negros. Colocassem num polígrafo esses e fizessem a pergunta «Ficava contente se a sua filha casasse com um negro?» a resposta ia dar mentira, depois de tentarem dar uma de mente aberta. No entanto, as pessoas esquecem rápido e toda a gente que ficou ofendida, se lhes derem um desconto especial de 50% deixam os ideais de lado.

3. A H&M não sendo racista, tem um preconceito latente e inconscientemente escolheu o miúdo negro.
Tenho dúvidas. Pode ser, não digo que não, mas duvido. De entre as hipóteses que acusam de racismo, parece-me a menos descabida, no entanto. Talvez tenha sido um preconceito antigo e colonialista que faz com que a associação entre negros e macacos ainda esteja presente na nossa sociedade a intervir de forma subliminar. Se assim foi, o que volto a dizer que não acredito, até que ponto o pessoal da marca tem culpa? Se foi esta a situação, é legítimo apontar o dedo e discutir as causas e implicações, mas acusar de racismo é estúpido. Vivemos num mundo em que o benefício da dúvida é coisa do passado. A lei pressupõe que se sejam inocente até prova em contrário, mas isso não se aplica às redes sociais.

4. A H&M nem pensou no assunto e escolheu um modelo ao acaso
Será assim tão impossível? A mim, parece-me a hipótese mais óbvia. Não por achar que o racismo não existe ou que na equipa da H&M é tudo boa gente, mas porque acho que é o mais provável tendo em conta que a H&M é uma marca grande que tem de ter cuidados com estas coisas. Por isso, se isto passou foi apenas e só porque não foi assunto e talvez isso seja bom. Quiçá, haveria até negros na equipa que aprovou isto que também não repararam. Não sabemos.

Há ainda a hipótese de ter sido apenas porque o preto dá bem com tudo.

Pergunta para queijo: se a equipa da H&M tivesse visto esta camisola e tivesse pensado «Epá, não podemos meter um preto aqui! Já viram o que diz a t-shirt? Vá, vão lá procurar um branquelas para modelo que este não pode ser.» não seria isso mais preconceituoso? Se eles não fizeram essa associação, não serão eles melhores do que todos nós que a fizemos, tenhamos ficado ou não ofendidos? Reparem, se eu estivesse na equipa que aprovou isto, teria sido o primeiro a meter a mão no ar e dizer «Hum... odeio ser a pessoa que identificou este risco, mas... macaco e preto na mesma foto vai dar merda. Não é por mim, que eu até tenho amigos pretos e tal, mas sabem como são as pessoas... vai dar merda, minha gente. Vão por mim porque nas redes sociais tudo dá merda e isto vai dar merda da grossa. Metam aí um chinês ou um monhé só para precaver e mostrar que não somos racistas. Ciganos é que não que isto é roupa de marca.». Talvez eu seja preconceituoso ou apenas um excelente gestor de risco que tem um profundo conhecimento do que indigna as pessoas nas redes sociais, nunca saberemos. Não sou ingénuo, infelizmente. Preferia ser a pessoa que vê a foto e nem faz a associação que era sinal que tinha crescido num mundo perfeito onde o racismo nunca foi tema.

Agora, pergunto: se a marca nem pensou no assunto e foi apenas o acaso que ditou a escolha do modelo, não haverá racismo por parte de quem fez essa associação? Não seriam boas notícias para o racismo o facto de aquilo ter passado por não sei quantos olhos e nem se terem dado conta porque na cabeça deles a cor do miúdo não importa? Não será antes uma ofensa para o macaco estar a ser comparado com alguém da espécie humana? Fica no ar para pensarem antes de dormir.

Alguém escreveu na Internet que era melhor darem uma reprimenda às crianças escravas do Bangladesh que fizeram a camisola a troco de uma taça de arroz para que deixem de fazer camisolas que ofendem as pessoas. Boa observação que gostava de ter sido eu a fazer. Claro que percebo que haja negros ofendidos com isto. Acho parvo, mas percebo. Percebo de onde vem a ofensa: a comparação entre negro e macaco foi (e ainda é) usada como primeira arma de arremesso numa ofensa racista. Percebo que essas feridas estejam abertas e que façam ver maldade onde pode não haver. No entanto, há tanto racismo real no mundo e vão indignar-se com isto? Sabem porquê? Porque é fácil e está à distância de um clique. Como em 99% das polémicas das redes sociais, podem vir de um fundo bom e legítimo, mas o alvo é quase sempre mal escolhido. Bem sei que é difícil dar o benefício da dúvida ao homem branco, mas e se isto foi feito sem qualquer má intenção?


Puxar levianamente da carta do racismo é faltar ao respeito a quem sofre diariamente na pele o verdadeiro racismo de não ter as mesmas oportunidades de educação e trabalho.

Quem me conhece ou segue o que eu escrevo atentamente, sabe que o racismo é um tema que me é próximo. Já escrevi várias vezes sobre isso por devido ao sítio onde cresci ter lidado de perto com o racismo até porque ser branco nas escolas da Buraca e da Damaia não é fácil. Quando alguém da Quinta da Marinha me diz que o racismo não é um assunto relevante em Portugal, dá-me vontade de rir e sou o primeiro a dizer que é claro que existe racismo e que as oportunidades não são as mesmas para a maioria das pessoas que nascem com cor mais escura. Por isso, percebo que fiquem traumas, percebo que quando um gajo passa tanto tempo a ser vítima, às vezes puxe dessa carta inconscientemente como defesa e, muitas vezes, desculpa para aquilo que de mal nos acontece, por vezes por culpa própria. Mas, a meu ver, quem ficou ofendido com esta polémica, seja branco ou preto, é meio palerma. Não acho que o racismo desapareça por deixarmos de falar nele: acho que deve ser falado e discutido e não esquecido e varrido para debaixo do tapete, mas isto tudo parece-me ridículo, quando ainda há pouco tempo "éramos todos macacos". Quando pudermos tratar todos por igual, sem paninhos quentes ou medo de ofender com base em estereótipos, é quando o racismo vai começar a desaparecer.

A marca já veio pedir desculpas e retirar a imagem do site. Percebo, mas sonho com o dia em que as marcas tenham tomates para fazer frente ao batalhão de ofendidos. Se a imagem não foi feita com má intenção, estar a pedir desculpa é uma hipocrisia. Deviam ter dito «Minha gente, aqui na equipa ninguém fez essa associação, mas obrigado por nos lembrarem que esse preconceito ainda existe em muitas cabeças. Logo agora que vamos fazer mega-saldos de 90% e vocês que ficaram ofendidos não vão poder aproveitar. É lidar com isso e ir fazer compras na Zara. Over and out, niggas.»




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