Antes de mais explico que este texto vem como resposta a um desafio de um senhor bastante parvo que disse que eu só escrevia sobre coisas fáceis. Como tal desafiou-me a escrever sobre "colibris". Como eu também sou parvo aceitei. Vamos então ver no que isto vai dar.
Era uma vez, um colibri azul, da cor do céu ao amanhecer, com o bico laranja pôr-do-sol. Tinha o azar de ter nascido sem a sorte dos demais. Nascera com uma asa que de tão pequena que era, não lhe suportava o peso no ar. A sua família, vendo que ele não sobreviveria, decidiram deixá-lo para trás antes de migrararem agora que chegavam os meses frios que traziam o frio do Inverno consigo. Abandonaram-no perto de um charco, onde flores pequenas brotavam das margens húmidas e ainda quentes. Deixaram-no ali, para que ele não tivesse que voar para se alimentar do néctar das flores, hábito que dava a alcunha de beija-flor a todos os membros da sua espécie. Infelizmente, o pequeno colibri não conseguia sorver o néctar a não ser das flores ainda rasteiras, pois a sua asa imperfeita não lhe permitia voar de flor em flor. Talvez ali sobrevivesse mais tempo, mas mesmo que não morresse de fome morreria quando o Inverno chegasse no ímpeto que lhe era característico por aqueles lados. Ali o deixaram e ali ficou pousado, ao ver a sua família partir para terras mais quentes. Tentou seguir-lhes o voo, batendo a sua pequena asa, mas apenas rodopiava sobre si mesmo, em pequenos pulos que não o levantavam mais que a sua altura. Cansado e abandonado, desistiu de voar e quedou-se ali, encostado a um malmequer com duas folhas arrancadas, num bem-me-quer feito por uma qualquer nortada que não quis saber se era ou não amada.
O tempo foi passando, o charco foi enchendo com as chuvas e as flores das margens foram crescendo viçosas e de todas as cores. Já quase todas eram grandes demais para que o pequeno colibri lhes chegasse. Havia apenas duas ou três, talvez. Pior que isso, era que o pedaço de terra onde ele vivia, ao qual chamava casa, estava agora rodeado de água, numa pequena ilha que inevitavelmente se iria tornar o seu jazigo. O colibri não tinha sido capaz de ir procurar alimento para outro lado. Tinha medo de arriscar. Preferiu ficar ali, no conforto de quem sabia conformado que tinha os dias contados. Não foi capaz de se aventurar ao encontro de um qualquer paraíso de flores rasteiras que lhe alimentasse o bico pelo menos até à chegada da primavera, para voltar a ver os seus pais por uma última vez. No charco, que agora era lago, havia peixes, peixes que andavam num cirandar sem tomar atenção ao que acontecia lá fora, apenas encolhendo-se ao aproximar de uma sombra que os podia levar. Entre todos esses peixes, alheados do que se passava fora daquele mundo deles, havia um, Miguel, que almejava mais. Vinha à tona várias vezes e ali ficava, exposto ao perigo mas a contemplar tudo o que acontecia ao redor daquele mundo de água, que era pequeno demais para a sua curiosidade. Ao ver o pequeno colibri ali, dias seguidos, de pequenos saltos a tentar chegar a uma e outra flor, com dificuldade em se alimentar e cada vez mais fraco, percebeu que algo estava mal com aquela pequena ave. Miguel era um peixe muito pequeno, alimento muitas vezes para outras aves não muito maiores que o pequeno colibri. Embora com avisos de seus pais, para que não fosse lá, que podia ser uma armadilha, decidiu ignorar o perigo e aproximar-se do colibri. Colocou a cabeça fora de água e disse:
- Psst. Como te chamas? - perguntou-lhe Miguel.
- Eu?
- Sim tu, colibri, como te chamas?
- Não tenho nome. Só sei que sou um colibri - disse ele a medo, baixando os olhos.
- Eu sou o Miguel. Que fazes aqui sozinho?
- Fui abandonado pelos meus pais... - disse o colibri sem nunca levantar os olhos.
- E porque não voas para outro local? Aí vais morrer quando o lago encher com as chuvas de Dezembro.
- Não consigo.
- Porquê?
- Porque não... - diz o Colibri abanando a sua asa imperfeita.
- Ah estou a ver... foi por isso que te abandonaram os teus pais? - pergunta Miguel de forma perspicaz.
- Sim... eu não os conseguia acompanhar na migração. Pousaram-me aqui perto destas flores, que eram rasteiras, mas que agora já quase não lhes chego.
- Pois, eu tenho reparado. E porque não tentas voar? Nunca te vi a tentar voar.
- Oh, já te disse que não consigo. - disse o colibri com derrota na voz.
- Mas tenta, devias tentar todos os dias até não teres mais forças nem esperança! - disse-lhe Miguel tentando animá-lo.
- Não consigo Miguel. Achas que se houvesse hipótese de conseguir os meus pais me tinham abandonado? - diz o colibri num tom azedo como aquele pouco néctar já estragado que ele tinha para comer.
- Não sei. Tens que confiar mais em ti do que eles confiaram! Não podes desistir. Tens que bater asa! Tens que bater punho colibri!
- Bater punho? O que é isso Miguel? Eu não tenho punho, só uma asa que de nada me serve. - responde o colibri confuso mas curioso.
- Disse bater punho que é para as pessoas que estão a ler isto perceberem que eu sou uma metáfora do Miguel Gonçalves! Bate punho metafórico. Se bateres asa tudo é possível, podes voar e ser quem tu quiseres. Não interessa o teu passado, não interessa o estado do tempo. Vira-te a favor do vento e bate asa colibri. Bate asa!
O pequeno colibri, qual fénix renascida com aquelas palavras inspiradoras de Miguel, de lágrimas nos olhos de desespero e esperança, virou-se contra o vento, esticou as asas, tomou balanço e começou a batê-las. Começou a tentar pular, rodopiando para a esquerda, num golpe de asa mais forte de um lado que do outro. Nisto, um vento caprichoso estabiliza-o. Levanta-o e leva-o a ver a vista de uma altura que ele nunca tinha conseguido ver por si só.
- Bate a asa colibri, bate a asa com força, com convicção, tens que querer, tens que mostrar que és capaz! Bate a asa e voa, voa que tu consegues, basta quereres e esforçares-te! Bate a asa colibri!
O colibri, como que por milagre, começou a voar, não era planar, era voar! A custo, sempre tendo em conta que tinha que compensar o voo para um lado conseguiu voar e parecia manter-se suspenso por entre as brisas.
- Olha Miguel, consegui! Consegui! Estou a voar! Isto é tão lindo aqui de cima! Tinhas razão, bastava eu querer e bater asa! - diz o colibri entusiasmado, chilreando de felicidade como nunca tinha feito.
- Vês?! Eu disse-te colibri! Basta quereres! Agora podes ir para outro lado, onde te podes alimentar, que eu já vi que não comes há uns dias. Imagina quando estiveres com as energias repostas como vais voar ainda mais alto e mais rápido! Podes ir reencontrar a tua família! Eu acredito em ti, tens que acreditar também! Voa e nunca deixas de bater asa!
Subitamente, num voo picado, o colibri mergulha no lago e abocanha Miguel de uma só vez, inebriado por uma adrenalina que jamais sentira, sentia-se o dono do mundo e a fome era muita.
- Porque é que fizeste isso colibri? Eu ajudei-te... - disse Miguel nas últimas palavras antes de ser engolido.
O colibri tentou voltar acima à superfície mas não conseguia. Com Miguel no estômago estava mais pesado e a sua asa cansada já não tinha mais força para o fazer sair da água. Bateu asa, bateu e voltou a bater mas não conseguia sair.
Morreu afogado.
FIM
Moral da história:
- Os Colibris são como as pessoas, há uns que são filhos da puta ingratos que não valorizam quem os ajudou;
- Por vezes não interessa quanto asa, ou punho bateres. Ás vezes há condicionantes que não te permitem ter uma vida como querias. A doença, o vento, a chuva, os pais que te valorizam. Ás vezes não tens sorte, podes e deves bater punho mas com a consciência que isso pode não chegar;
- Colibri é uma palavra maricas.
Como já disse, este texto surgiu de um desafio, desafio esse feito pelo autor do blogue "Dentro de Horas", para quem deixo agora o meu desafio a ver se ele é homem para isso. Ó coisinho, tens até 2ª feira da próxima semana para apresentar um texto sobre... Molas da roupa. Fácil, fácil.
PS: Comentem a dizer que está genial, só para ele ver quem é que manda aqui. Agora a sério comentem como sempre, de forma sincera e honesta que eu não quero cá paninhos quentes.
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