Quando durmo em casa da minha namorada sinto um enorme choque cultural. Para alguém nascido e criado na Buraca, estar em Alvalade, zona bem, é todo um mundo novo. Não passa um carro a tocar Kizomba a rebentar com o subwoofer, comprado na Norauto com o rendimento de inserção social. A Lacoste é uma marca usada por senhores com mais de 60 anos com os seus pólos verde-sporting e não por mitras com os seus bonés de ladecos e bolsas da cintura ao pescoço, quais São Bernardos do gueto. E, à noite, sinto a falta da banda sonora que me embala desde de pequeno: as sirenes da polícia, os tiros e os gritos que enchem a noite calma da Buraca. De vez em quando, em Alvalade, até vou ao café no bairro de ciganos só para matar saudades, mas não é a mesma coisa.
Na minha casa estou habituado a ouvir gritos entre homem e mulher, com portas a bater e tudo o que de bonito há na tradição da violência doméstica heterossexual. Estou habituado a buzinadelas às quatro da manhã em que um vizinho vai lá abaixo entregar um pacote suspeito a um amigo. Já estive, até, habituado a ter duas acompanhantes de luxo no prédio, que saíam para trabalhar às duas da manhã, entrando para o banco de trás de um Porsche Cayenne com um motorista vestido com o rigor que a profissão de chulo exige. Na casa da minha namorada tudo é diferente, a começar pelo facto de os vizinhos de baixo serem gays, algo que percebi há muito tempo, desde a primeira vez que os ouvi a cantar Britney Spears numa maratona de Karaoke pela noite dentro. Já o fizeram várias vezes, onde até há quem cante bem mas sempre em voz de falsete. São vizinhos que fazem muitas festas e sempre gays, na definição alegre da palavra. Ouvem-se gritinhos, cantorias, um ou outro «Ai mulher!» e, até, um «Vai Nádia Diamonds, a pista é tua!» que eu ouvi às duas da manhã com estes ouvidos que a terra há-de comer. Ninguém me contou nem sonhei, mas imaginei logo um desfile de drag queens com a lingerie que já caiu do estendal da minha namorada e que nunca foi devolvida. Nada contra, atenção! Quando o barulho é muito, basta-me dar duas ou três pisadas no chão que eles calam-se logo, mostrando que são vizinhos respeitadores.
Mas, na noite passada, ouvi algo que nunca tinha ouvido na minha vida: dois homens a fazer amor no rabo.
É estranho, não vos vou mentir. Ouvir dois homens a praticar o esconde a morcela à bruta não foi agradável. É como estarmos a procurar pornografia e aparecer-nos o thumbnail de um homem a com a boca no colo de outro! Um hetero olha logo para o lado ou faz scroll rapidamente enquanto contrai o esfíncter. Ouvir dois homens à bulha todos nus, ou, pelo menos, de calças para baixo, mete-nos imagens que não queremos na cabeça. É impossível ouvir aquilo e não visualizar a situação. Sou um gajo pela igualdade, já toda a gente sabe disso, conheço muitos gays, já partilhei balneários com muitos, e faria respiração boca-a-boca a um homem sem problema. Sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a favor da adopção por parte de casais homossexuais e essas modernices todas. Acho até que a homofobia está estritamente relacionada com a falta de neurónios funcionais. Aliás, concordo com o que disse Morgan Freeman, «Odeio a palavra homofobia. Não é uma fobia! Tu não estás com medo. Tu és só idiota.». Mas, como gosto de ser honesto, tenho a dizer que é um pouco desconfortável ouvir dois homens a fazer sexo. Dois homens a beijarem-se na boca à minha frente? Não me faz confusão, mesmo se houver muita língua. Homens a fazer sexo? Não gosto de ver. Não é a minha cena, peço desculpa. Nenhum homem hetero, por mais mente aberta e defensor da igualdade que seja, vê confortavelmente um filme pornográfico gay sem franzir o sobrolho e sentir um enjoozito. Não existindo palavra melhor, o que sentimos é nojo. É uma palavra forte mas não vamos estar aqui com paninhos quentes! É um nojinho, sim senhor! Calculo que seja o mesmo que um homossexual sente ao ver um pipi a ser lambido por um homem, ou o que uma lésbica sente ao ver um felácio heterossexual. É como ver os pais ou, Deus no livre, os avós no forrobodó com as peles ao pendurão. Mete nojo, mas até ficamos contentes por eles. Sou gajo para lá ir deixar um bilhete debaixo da porta a dizer «Só para dizer que vos ouvi a fazer sexo. Nada contra, mas deu-me um nojinho. Viva a igualdade!».
Não se trata de preconceito, trata-se de não gostar de ter imagens na cabeça que não me atraem. Por exemplo: se fossem duas vizinhas gostosas a praticar o lambe a carpete como gente grande, não me faria confusão, embora dissesse à minha namorada que era nojento. No entanto, se fossem duas vizinhas com obesidade mórbida já me ia ser desconfortável porque ia colocar-me imagens na cabeça de pouca sensualidade a não ser para quem tem fetiches com a zona da charcutaria dos hipermercados. É assim que eu vejo o sexo homossexual: da mesma forma que sexo entre duas pessoas nada atraentes para mim. Não me interessa se são homens ou não, interessa-me o facto de que não me atraem sexualmente. Portanto, se me causa alguma confusão não é porque discrimino os gays, mas sim porque discrimino toda a gente que eu não acho atraente.
Sou daqueles vizinhos apologistas que o barulho do sexo não entra nas contas da lei do ruído, seja a que horas for. Pedir aos vizinhos para baixarem o volume dos gemidos, do vernáculo gritado ou do som da palmada no glúteo, é uma falta de respeito! Já se queixaram de mim e só fez com que eu me empenhasse ainda mais nas próximas para a chinfrineira ser ainda maior.
Vizinhos que fazem bom sexo, são vizinhos que vão chatear menos nas reuniões de condomínio.
Nunca um vizinho que anda satisfeito ao nível da safadeza no leito vai queixar-se das lâmpadas fundidas ou do lixo que não é despejado. Isso é coisa de velho ressabiado por ver rabos gostosos e saber que só lhes pode tocar se for a pagar. Por isso, façam sexo com barulho à vontade que eu não vos chateio, mesmo que me esteja a ser desconfortável. Sou um gajo porreiro, bem sei. Por isso, enquanto eles estavam a fazer a lide, eu aguentei e tentei não me concentrar naqueles sons de homem em apuros. Subi o som da televisão, tentei distrair-me com o telemóvel, enrolei-me em posição fetal e meditei para ir para o meu happy place, mas nada funcionou. Comecei a tentar imaginar que a aquele som não passava de um javali a jogar à cabra cega, ou de uma cabra cega a pisar pioneses, mas era impossível. Aquilo era claramente um combate de jiu jitsu onde havia uma chave de pila, feita com duas nádegas masculinas. O isolamento deste prédio é tão mau que parecia que estavam a fazer sexo aos pés da minha cama. A meio até consegui ouvir uns barulhos metálicos e temi que fosse de um saca-rolhas e fosse ter o Correio da Manhã à porta. Provavelmente, foi o só som da tiára da Nádia Diamonds a cair no chão.
A minha sorte foi que aquilo durou dez minutinhos. Os homens são uns egoístas no sexo, já se sabe, então quando são dois deve ser um toma e embrulha que agora vamos remodelar a sala. Mas atenção, dez minutinhos ali intensos a dar tudo. Aquilo foi, claramente, sexo pós discussão no qual se notava um misto de amor e raiva. No fim, ouviu-se o chuveiro e pensei: «Claro, o sexo gay é como qualquer tipo de sexo anal: no fim, é sempre aconselhável ir ao duche porque o intestino tem bicheza que não convém deixar a marinar no prepúcio, durante toda a noite.». Lá se lavaram e não houve segundo round, mas quem diz que os homens adormecem sempre depois do sexo é porque não conhece estes vizinhos. Sendo que são os dois homens, seria de esperar que fosse tiro e queda! Orgasmo seguido de ressonar! Nada disso! Puseram-se a falar, falar, falar, ver televisão e, a certa altura, um grita em plenos pulmões (eram já três da manhã): «Olha para aquela gorda com aquele vestido!!!». Sem me levantar da cama, bati com o pé no chão. Fez-se silêncio. Quem duvida que os gays são pessoas de bem, aqui tem a prova.
«Isto é tudo homossexualidade reprimida!», devem estar a pensar alguns de vós.
Claro que não é! Caso fosse, tinha sentido umas comichõezitas na zona das virilhas e nada. Morto. Falecido como se tivesse acabado de fugir de um foca leopardo pelas águas gélidas do Ártico. Mais encolhido do que uma tartaruga fotossensível num dia de Agosto. Tão inerte que o Schumacher ao lado dele seria considerado hiperactivo.
Não tenho mais nada a acrescentar. Achei que devia partilhar esta minha experiência convosco. Caros vizinhos, se por acaso lerem isto, não se coíbam. Ajavardem à vontade, gritem, chamem por Deus e pela Celine Dion que eu quero é que sejam felizes. De resto, já sabem, cantorias depois das duas da manhã aos dias da semana é que não. Se for Queen ainda vá que não, agora, Britney Spears... deixem-se de paneleirices.
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